terça-feira, 3 de junho de 2025

Quando os tribunais erram (3): Propaganda política versus espaço público

A confirmar-se este notícia, segundo a qual a justiça administrativa anulou a decisão da CM de Lisboa que retirou painéis de propaganda partidária instalados no espaço urbano, trata-se de uma lastimável decisão, sem fundamento constitucional nem legal, que deve ser revertida em recurso.

Como tenho defendido noutras ocasiões  (por exemplo, AQUI, AQUI e AQUI), tal como não podem invadir o espaço privado, os partidos políticos também não têm direito a ocupar o domínio público urbano para efeitos de propaganda política, que tem de limitar-se aos espaços que o município deve reservar para esse efeito. O domínio público, que aliás goza de proteção constitucional explícita, é património de todos, para fruição comum, não podendo ser ocupado privativamente para fins particulares. 

A selva caótica de painéis e outdoors de propaganda política, invadindo passeios, praças, rotundas e eixos rodoviárias, sem paralelo em nenhum país civilizado, constitui um atentado qualificado ao direito coletivo à fruição visual do espaço urbano. Se a ocupação selvagem é, por princípio, intolerável, muito mais o é fora de períodos de campanha eleitoral, como agora.

Em vez de ser indevidamente anulada, a corajosa decisão da CM de Lisboa deve ser aplaudida e seguida por outros municípios.

Adenda
Um leitor invoca a «liberdade de propaganda, que é inerente ao direito de ação partidária». Mas nenhum direito constitucional pode ser exercido por meios ilícitos, que é o que está aqui em causa, mediante ocupação selvagem da propriedade pública, a qual não merece menos proteção do que a propriedade privada.

Adenda 2
Uma leitora socialista de Lisboa objeta que «enquanto retira os painéis de propaganda dos partidos políticos, a CML mantém os seus próprios painéis de publicidade institucional», de que junta algumas fotos (uma das quais publico). 
Mas não devemos confundir duas coisas inteiramente distintas: um coisa é a publicidade institucional de um município, em suportes devidamente licenciados, e outra coisa é a propaganda ilegal de partidos políticos em suportes instalados a esmo. A primeira pode ser debatida e contestada politicamente pelo PS nas instâncias municipais competentes (AML e CML) e terá de ser removida, logo que marcadas as eleições autárquicas, em obediência à regra da imparcialidade das autoridades públicas; a segunda, não pode pura e simplesmente ser admitida, pelas razões acima expostas. Aproveito, aliás, para estranhar tanto a complacência de um partido "institucional" como o PS, na CML e na CNE, com estas formas selvagens de propaganda partidária, à margem da legalidade democrática, como a inconsistência do PSD, que em Lisboa parece levar a sério a defesa do meio-ambiente urbano, mas que nos demais municípios do país alinha plenamente na sua depredação. Não fica bem a nenhum deles. Quando algumas vozes dos dois lados sugerem "pactos de regime" entre ambos os partidos, eis um tema possível para começar: pôr fim à indisciplina caótica da propaganda política, em que os partidos com mais meios e menos escrúpulos triunfam.