quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Quando os tribunais erram (4): Desvalorizar os ataques à integridade moral

1. A condenação penal dos "negacionistas" das vacinas por injúrias pessoais a Ferro Rodrigues (nessa altura, presidente da AR) e a Gouveia e Melo (nessa altura, comissário para a campanha anti-Covid) tem um aspeto positivo e outro assaz negativo, que esvazia o primeiro.

O primeiro consiste em que essa condenação judicial, por acusação do Ministério Público, mostra que, rejeitando as conceções absolutistas da liberdade de expressão contra os titulares de cargos políticos, esta tem como limite a integridade moral dos visados, pelo que os ataques pessoais à sua honra não podem gozar de imunidade penal, só por se tratar de políticos. O aspeto negativo está na manifesta leniência da pena aplicada (multas de muito baixo montante), o que, além de nem servir de dissuasor de crimes semelhantes, revela que, no entender do tribunal, embora a honra dos visados mereça proteção penal, ela não vale muito, pelo que se justifica uma boa atenuante quanto à sanção.

Não sendo imunidade, fica lá perto: os grupos radicais não têm razão para se preocupar com esta sentença.

2.  Ora, justamente por causa do agravamento do extremismo agressivo, é tempo de a justiça penal passar a dar o peso devido a dois aspetos que têm vindo a ser indevidamente secundarizados.

Em 1º lugar, a integridade moral das pessoas não é menos valiosa nem é menos digna de proteção do que a sua integridade física - bastando para isso ler a Constituição -, pelo que não pode comprender-se que um grave insulto ao presidente da AR, que é a 2ª figura no protocolo do Estado, seja menos grave do que puxar os cabelos a uma agente da PSP (crime que no caso foi punido com pena de prisão, embora suspensa). 

Em 2º lugar, caso sejam alvo de ataques à sua honra pessoal, os titulares de cargos públicos não merecem menos proteção, só por o serem, como parece resultar desta sentença. Pelo contrário, o facto de serem titulares de cargos públicos deveria constituir uma agravante, porque as injúrias públicas contra eles também lesam a autoridade e o respeito pela democracia representativa de que elas são servidores.

É também a honra da República que fica lesada.