quinta-feira, 16 de setembro de 2004

Cultura viva


Hoje começou em Coimbra o VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Recebe cerca de 1500 participantes, metade dos quais brasileiros. Constitui uma iniciativa consolidada que, também em Coimbra, se iniciou em 1990. Depois, viajou pelo Brasil, Moçambique e Portugal. A partir dela desenvolveram-se projectos e redes conjuntas de investigação, trocaram-se alunos e professores, publicaram-se livros e revistas. Fizeram-se amigos e estreitaram-se relações entre os três continentes. Cultura viva sente-se nestes dias, como em outras ocasiões.
Mas nada disto motivou a Ministra da Cultura. Convidada para abrir o Congresso, faltou. Tinha de estar na cerimónia da trasladação dos restos mortais de Manuel de Arriaga. Coimbra fica longe? De Lisboa talvez, mas não do Brasil. A ausência do Governo português foi compensada pela presença de Governo brasileiro.

Maria Manuel Leitão Marques

Como referendar a Constituição Europeia? (Actual.)

«A propósito do referendo à constituição europeia, que V. defende, eu questiono qual a pergunta que V. nele gostaria ou proporia que fosse feita e que pudesse ter qualquer consequência prática. É que eu não consigo ver qual possa ser tal pergunta, dada a proibição constitucional à referendagem de tratados internacionais (proibição essa para a qual eu não vejo qualquer sentido, mas enfim).
Eu gostaria que V. me sugerisse uma qualquer pergunta exequível e de cuja resposta, sim ou não, se pudesse retirar, inequivocamente, a aprovação ou não, por Portugal, da constituição europeia.»

(Luís Lavoura)

Resposta
A nossa Constituição não admite a aprovação directa de convenções internacionais mediante referendo, tal como não admite a das leis. Só a Assembleia da República (ou o Governo, nos casos em que a Constituição o permite) pode aprovar leis ou tratados internacionais. É um tributo prestado à democracia representativa, que faz todo o sentido. Mas as decisões da AR podem ser previamente vinculadas por via de referendo popular que incida sobre questões políticas concretas que depois devam, ou não, ser vertidas em lei ou convenção internacional.
No caso da Constituição europeia, o referendo não pode, portanto, versar sobre a aprovação/rejeição do Tratado em si mesmo (tal como não poderia incidir globalmente sobre um projecto de lei). Está excluída portanto uma pergunta deste tipo: «Concorda com a aprovação e ratificação do Tratado constitucional da UE por parte do nosso País?». Tem de ser uma pergunta (ou mais) sobre as principais inovações de fundo contidas no tratado, sobretudo as mais controversas, a começar pela própria ideia de uma Constituição Europeia. Sem prejuízo de melhor elaboração, poderia ser, por exemplo, algo como isto:
«Concorda com a aprovação de um tratado instituindo uma Constituição para a UE, incluindo nomeadamente uma carta de direitos fundamentais, a garantia do princípio da subsidiariedade, a primazia do direito comunitário, a criação de um presidente do Conselho Europeu, a regra das votações por maioria qualificada e a possibilidade de uma política externa e de defesa comum?»
De uma questão destas pode retirar-se inequivocamente uma conclusão sobre a aprovação ou não da Constituição em geral. Obviamente, as questões de fundo referidas poderiam ser mais. Mas, a meu ver, convém não sobrecarregar a pergunta com questões secundárias.
Se a resposta da maioria dos votantes fosse "não" (supondo a participação da maioria dos eleitores), o tratado não poderia obviamente ser aprovado pela AR nem ratificado pelo PR.

Adenda:
Comentando este post, J. Pacheco Pereira afirma que «um referendo que tivesse esta pergunta, ou uma sua variante, seria uma farsa». Mas não explica porquê, nem por que é que um referendo sobre a Constituição em geral, abrangendo por atacado todo o seu longo e prolixo texto (centenas de artigos), já não seria uma farsa.

Sanções no PS (act.)

Não acho nada despiciendas as sanções políticas aplicadas aos principais protagonistas dos lamentáveis desacatos na lota de Matosinhos, na campanha eleitoral para as eleições europeias em Junho passado, incluindo o actual presidente do município, e a instauração de processos disciplinares a outros militantes envolvidos. Pelo contrário, trata-se de uma boa notícia no que respeita à criação de uma cultura de responsabilidade interna nos partidos políticos. E divergindo da posição de António Costa, também penso que foi correcta a opção por um inquérito aos factos. Nunca é supérfluo observar os princípios do "due process", incluindo no caso dos partidos políticos...

Adenda
Sobre a reacção pouco arrependida dos visados ver a pertinente crítica num blogue da juventude socialista de Famalicão.

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Exproprie-se a imprensa renitente!

Enquanto no Continente o partido no poder procura controlar a imprensa por via do poder económico, na Madeira o "duce" regional ameaça «expropriar» (sic) um jornal que ousa criticá-lo.
Perante esta aleivosia política e constitucional, em Lisboa o PSD nacional, o Governo da República e o Presidente da República assobiam para o ar...

PT-PSD

Segundo revela o Diário Económico de hoje, o Conselho de Administração da Lusomundo, o ramo de comunicação social do grupo PT (DN, JN, TSF, etc. etc.), vai incluir nada menos do que três conhecidas personalidades do PSD, Luís Delgado (o novo presidente executivo), João de Deus Pinheiro (antigo ministro e actual deputado europeu) e Silva Peneda (antigo ministro).
Uma verdadeira mistura "latino-americana" (sem ofensa): partido governamental - grupo económico - meios de comunicação influentes. Assim vai a independência dos media entre nós!

Serviços públicos pagos pelos utentes

1. «De algum tempo a esta parte tem-se feito a apologia do utente pagador.
Eu não concordo com este princípio. Os nossos impostos são utilizados, julgo eu, para a construção das infraestruturas do país, sejam auto-estradas, hospitais, escolas, etc., e pagamento dos vencimentos dos respectivos funcionários. Se depois para os utilizarmos temos que pagar portagens, taxas moderadoras, propinas, etc., estamos a pagar duas vezes.
Também não aceito o argumento de que se assim não for são as pessoas (das regiões) mais desfavorecidas (refere-se com frequência Trás-os Montes) que pagam para as pessoas (das regiões) mais ricas serem beneficiados. (...) São portanto os contribuintes das regiões mais ricas que pagam mais impostos e, portanto, parte das infraestruturas das regiões desfavorecidas. (...) ».

(Jaime Matos)

2. «Se a memória não me falha diz a CRP que o ensino superior é tendencialmente gratuito.
Eis uma questão a propósito de um caso bem concreto:
Sendo eu um ex-aluno da Faculdade de Direito de (...), desejei inscrever-me num Mestrado. Eis o meu espanto quando me comunicam que o preço (..) rondaria os 3500 euros (fora despesas de investigação, etcetera). Ou seja, um preço superior ao praticado por instituições não públicas (a Católica, por exemplo).
(...) A questão: não se estará, deste modo, a coarctar o desenvolvimento de pessoas com menos possibilidades monetárias? Eu pessoalmente, com tal notícia senti-me escorraçado...(...).»

(Hugo Alves)

3. «(...) Só uma achega mais à discussão sobre as taxas diferenciadas. Quando se pretende diminuir o peso da administração pública, é certamente errado criar situações em que aumenta a carga burocrática. E esta questão da diferenciação, com o número inimaginável de certidões que será necessário apresentar em outras tantas repartições, não facilita certamente a celeridade ou a simplicidade dos procedimentos burocráticos. Basta ver o que têm que sofrer os lisboetas que querem obter um certificado de residência aceitável para a EMEL. Em Bruxelas, onde vivo, esse certificado demorou-me cinco minutos a pedir e foi-me, é claro, enviado pelo correio. Demasiado simples! (...)»
(J. P. Pessoa e Costa)

O novo cardeal de São Bento

Após uma vacatura prolongada, o novo cardeal de São Bento pode muito bem vir a ser Bagão Félix. A sua essência jesuítica é um eficaz contraponto à superficialidade da regência. Noutras circunstâncias, menos exigentes, o seu antecessor soçobrou. Que destino conhecerá agora este Mazarin mediático, tão convencido da sua superioridade intelectual que é capaz de impor um discurso em directo no horário nobre das televisões para dizer coisa nenhuma?

Luís Nazaré

A conta da revisão

E se a nossa conta da revisão do automóvel diminuísse substancialmente? Eis o que pode acontecer se a proposta agora aprovada em Bruxelas chegar a ver a luz do dia e atingir o seu objectivo que é o da relativa liberalização do mercado das peças sobresselentes (spare parts).
De acordo com os estudos feitos pela Comissão Europeia, nos países onde essa liberalização está mais avançada, ou seja, onde é menor a protecção dos direitos de propriedade intelectual dos construtores de automóveis, o custo das peças é inferior em 10%. Para já não falar nas vantagens que a liberalização poderia trazer para os produtores independentes de peças.
Contudo, como seria de esperar, as medidas propostas pelo Comissário Bolkstein (Mercado Interno) sofrem uma forte oposição dos poderosos construtores de automóveis e dos países onde estes se situam. Ameaças de deslocalização e de retracção no investimento em inovação são usadas para travar tal ousadia. Eis a razão pela qual Portugal votou contra, entre outros, ao lado, da Alemanha e da França. Palmela exige? E nós? Nós pagaremos os custos da não-concorrência, pelo menos por enquanto.

Maria Manuel Leitão Marques

Taxas moderadoras

Em relação ao pertinente post de Nelson Faria, no seu reactivado blogue Veto Político, sobre o meu artigo de ontem no Público, acerca da questão das taxas no SNS, apraz-me esclarecer que, a meu ver:
a) Em teoria não é inconcebível a graduação das "taxas moderadoras" de acordo com os níveis de rendimento, pois se basta uma pequena quantia para dissuadir uma pessoa pobre de pedir por exemplo mais uma análise clínica, já uma pessoa rica só hesitará perante valores bem maiores; resta saber se os custos de uma tal diferenciação compensam. Em todo o caso, elas nunca poderiam alcançar um montante significativo, sob pena de perderem a sua natureza puramente preventiva de consumos desnecessários;
b) Porém,o que o Governo agora propõe não é propriamente a diferenciação económica das "taxas moderadoras" (cujo finalidade é simplesmente atenuar preventivamente a procura de cuidados de saúde supérfluos), mas sim a sua substituição por uma verdadeira taxa de pagamento dos cuidados de saúde por parte dos utentes, segundo o princípio do utilizador-pagador, como forma autónoma de financiamento do SNS, o que é uma coisa bem diferente; daí a sua provável inconstitucionalidade, por violação do princípio da gratuitidade.

Poderemos nós dormir tranquilos...

...depois de ler a edição da National Geographic do corrente mês de Setembro?

Dedicada ao aquecimento da terra (global warming), aí estãodevidamente analisados os inquietantes dados sobre a acumulação do dióxido de carbono e outros gazes com efeitos de estufa, a subida das temperaturas, o encurtamento dos Invernos, o degelo dos glaciares, a subida do nível das águas dos oceanos e a inundação das terras ribeirinhas, o desaparecimento de ilhas baixas, a diminuição dos caudais dos rios no Verão, a secagem de lagos, o desaparecimento das florestas tropicais, a mudança das estações, as alterações nas migrações das aves, as mudanças biológicas, etc. etc.
Não podemos ignorar!

Constituição Europeia (2)

Em Portugal nada se passa sobre esta matéria. O Governo nunca explicitou os seus objectivos na negociação da Constituição Europeia, nem esclareceu as posições adoptadas nem os resultados alcançados. Muito menos os deu a conhecer em S. Bento. Que se notasse, o Parlamento também não fez nenhuma discussão específica sobre o assunto. No debate interno corrente no PS o tema da Constituição Europeia não está na agenda (e por exemplo a moção de Manuel Alegre nem lhe faz referência...). O Governo sugeriu Junho de 2005 como data de realização do prometido referendo, data que me parece francamente tardia e que deveria ser inaceitável para o PS (por causa do Verão e da proximidade das eleições locais), mas este nada disse sobre o assunto. O Presidente da República, tão pouco. É como se a Constituição Europeia, que vai ser assinada em finais de Outubro em Roma, não existisse.
Assim vai a nossa democracia parlamentar!

Constituição Europeia (1)

Ainda no Continente muitos parlamentos continuavam em manso recesso (como entre nós sucede), quando há dias o ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Jack Straw, apresentou em Westminster um "livro branco" sobre a Constituição Europeia, dando conta das posições defendidas pelo governo britânico na CIG e dos resultados alcançados.
O sistema parlamentar britânico não deixa os seus créditos por mãos alheias, desde logo no que respeita à obrigação governamental de prestar contas ao Parlamento e de lhe proporcionar toda a informação politicamente relevante. A isto chama-se political accountability, o cerne da democracia parlamentar!

Ana Sousa Dias


Profissionalismo, inteligência, sensibilidade e charme -- eis a receita das notáveis entrevistas de Ana Sousa Dias no canal 2 da RTP (Por Outro Lado). Acaba de ser justamente distinguida com o prémio do Clube dos Jornalistas.
Ele há prémios bem merecidos!
(Imagem pedida de empréstimo, com o devido agradecimento, ao blogue "Indústrias Culturais").

terça-feira, 14 de setembro de 2004

Tal como prometido...

... aqui está o meu artigo de hoje no Público sobre a questão do pagamento dos cuidados de saúde pelos utentes (também coligido no Aba da Causa).

Filho és, pai também

Nunca sei ao certo a idade dos meus pais. Parece chocante? Não é. Não me preocupo especialmente com isso: eles já cá estavam quando comecei a pensar e nunca penso que poderão deixar de estar um dia destes. A minha mãe é uma força da natureza, talvez chegue aos 100. O meu pai, perto de novo aniversário, não tem assim tanta certeza. Vieram a Lisboa porque ele precisa certificar-se de que está bem. Jantamos e levo-os de volta ao hotel. Quando estou prestes a arrancar, lembro-me subitamente da idade dos dois. Então, fico à espera do sinal verde para os peões. Para vê-los fazer aqueles 15 metros e passar a porta do hotel. Percebo que os papéis se inverteram: agora sou eu quem se preocupa, quem quer vê-los em segurança, vê-los em casa, bem, não demasiado perdidos pelo afastamento da ilha, no meio da "confusão e do reboliço". E, sem que o percebam, fico em silêncio a vê-los atravessar a passadeira - o meu pai e a minha mãe de braço dado - enquanto saboreio uma lágrima cujo sabor sei já que não vou esquecer. Desligo a música no carro. Saio dali a pensar que, sim, quero recordar muitas vezes esta rara imagem dos meus pais de braço dado. Quero lembrar-me sempre dela quando já não for preciso saber quantos anos fazem. Quando for tarde demais.

O amor é mudo

É impossível não reparar na rapariga que lê, sentada sozinha na sua mesa do Caffe di Roma do Rato. É bela como as actrizes dos filmes franceses cheios de clichés do género: uma mulher bonita que lê poesia num café. Acrescente-se que a noite está fria e que ela bebe chá. O vapor não parece incomodar-lhe a leitura. À primeira vista esta mulher é perfeita dentro do lugar-comum do romântico: é linda, está só, lê. Deve ter tudo e, se não tem, pode decidir o momento de o ter. Súbito chega um rapaz bonito. Os sorrisos dos dois são próprios de comédia romântica. Trocam um abraço, um carinho recíproco e simultâneo no cabelo um do outro. E começam a falar, alegremente, de forma compulsiva, como se tivessem saudades, muitas saudades.
Mas não ouço nada, estou na mesa ao lado e não ouço nada. Deixo-me hipnotizar pelos seus gestos. Ele senta-se com ela. Continuam a falar sem que nada se ouça a não ser um muito suave som de respiração, um sussurro de ar que foi o que lhes ficou da voz. Ela mostra-lhe o livro e parece claro que falam dele. Falam daquele poeta desconhecido, partilhado a esta hora por dois mudos na mesa de um café.
A que soarão aqueles versos? Que som escutarão os dois apaixonados no interior do seu silêncio? Dizem que a poesia é para ser ouvida. Concordo. E invejo o poeta que toca misteriosamente dentro dos seus ouvidos, atrás das suas pupilas, no processar dos seus pensamentos. Invejo o silêncio da página branca com algumas linhas - cuja música só eles dois conhecem, tal qual uma língua morta ou que ainda está por nascer.

sim, às vezes a vida é perfeita

Num prego tardio ao balcão de um restaurante perto das (estupidamente chamadas) Twin Towers, vejo o King sentar-se ao meu lado. Na SportTV uma transmissão em diferido do Palmeiras-Santos, um típico jogo do campeonato brasileiro: mole, lento, aborrecido. Quando alguém acelera, é sabido que vai haver golo. Eusébio não tira os olhos do écran. Sim, estou a ver um jogo de bola ao lado de um dos melhores futebolistas de sempre. Percebo enfim porque sou cada vez menos católico e cada vez mais benfiquista - passe a heresia. É que este Deus está mesmo aqui ao lado a pedir-me lume.

Funerais civis

A polémica surda gerada pela realização de exéquias fúnebres do falecido presidente no Tribunal Constitucional na Basílica da Estrela (aparentemente transformada em "basílica do Estado"), quando era conhecida a sua filiação maçónica, põe em relevo mais uma vez a falta entre nós de espaços civis condignos para esse efeito. Se as exéquias religiosas fazem parte da liberdade religiosa dos crentes, em contrapartida os não crentes têm direito a exéquias não religiosas em espaços civis. O exemplo francês, onde existem serviços públicos funerários a cargo dos municípios, ilustra um exemplo de civilidade laica, onde os não crentes não têm de recorrer forçadamente às capelas funerárias das igrejas e à liberal generosidade da igreja católica (aliás, louvável), como sucede entre nós.

Nem tudo são direitos adquiridos

Na sua coluna de ontem no Público, Luís Salgado de Matos, a propósito da nova lei do arrendamento urbano, defende a extravagante ideia de que o Governo tem de salvaguardar a posição de todos os inquilinos beneficiários de rendas antigas, tendo portanto de os compensar a todos pelo aumento das rendas, sob pena de inconstitucionalidade. Esta ideia não tem nenhum fundamento, porém. Evidentemente, o Estado não tem de compensar quem beneficia de rendas baixíssimas, por efeito do seu congelamento legal ao longo de muitos anos, e dispõe de meios económicos bastantes para suportar o aumento das rendas. Os privilégios não são eternos...

O controlo

Confirma-se a nomeação de Luís Delgado para chefe do grupo de comunicação da PT, que inclui o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, o 24 Horas, a TSF e várias revistas. A escolha do até agora director da Lusa, conhecido e militantíssimo campeão de Bush e do PSD em tudo quanto é comunicação social (DN, SIC, Diário Digital), vem reforçar o controlo político do PSD sobre esse grupo (que já se tinha manifestado com a nomeação de Fernando Lima para director do Diário de Notícias) e revela a que grau chegou o casamento entre a PT (ainda com significativa participação do Estado) e o actual partido governamental.
Mais um passo no controlo do poder económico e político sobre a comunicação social.
(revisto)

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

A "parceria presidencial", segundo Morais Sarmento

Na sua entrevista ao Público o Ministro-de-Estado Nuno Morais Sarmento explicita o seu entendimento do papel do Presidente da República desta forma lapidar:
«Um Presidente não é um controleiro, não é um polícia da actuação do Governo. Pode ser um parceiro na definição de prioridades, no ajudar a marcar as reformas quando elas são difíceis, nos alertas que lança aqui e ali. É dessa forma positiva que eu vejo a actuação do Presidente da República e só ajuda este governo.»
Só há um problema nesta tentativa de redefinição da função do PR: no nosso sistema constitucional ele pode e deve ser um polícia do Governo, não tanto quanto ao cumprimento do seu programa (isso é assunto do executivo e do Parlamento), mas sim quanto ao respeito da Constituição e aos direitos da oposição e das regras democráticas em geral. A original teoria do "Presidente-parceiro-do-Governo" pode de facto «ajudar o Governo», mas tem o pequeno defeito de neutralizar a função de vigilância daquele e de o tornar corresponsável pela política governativa.
Não seria conveniente Sampaio lembrar o Governo de que ainda é Presidente?

O anátema da função pública

Do nosso leitor Fernando Barros, esta nota pertinente sobre a função pública:

"(...) sempre que se fala em que o número de funcionários públicos é superior a 700 000, tenho a tentação de chamar a atenção para o seguinte: haverá muita gente que (...) desconhece que neste avantajado número se incluem funcionários que exercem actividades nos seguintes sectores:
- defesa nacional (militares, portanto: GNR, BT, exército, marinha , força aérea, etc.),
- juizes e outros magistrados,
- professores dos vários sistemas de ensino,
- médicos , enfermeiros, etc,
- polícias,
- trabalhadores das autarquias locais.
Já agora, a curiosidade de que na função Reforma do Estado e Administração Pública trabalham 716 pessoas.
Ora, (...) sempre que nos canais televisivos se quer evidenciar o desmesurado número de funcionários, aparecem invariavelmente imagens de funcionários do "regime geral" (herdeiros dos antigos mangas de alpaca) de preferência com um carimbo na mão. Nunca um cirurgião e restante pessoal a fazer uma operação; jamais um professor na sua cátedra, nem muito menos um grupo de militares a rastejar por baixo de arame farpado. Daí que algum do menosprezo que se vai instalando na sociedade relativamente aos funcionários públicos recaia sobretudo naqueles que estão por detrás de um balcão a atender, bem ou mal, os utentes. Nunca a ira recai em qualquer outro sector. Sinónimo de funcionário público, para a generalidade do país, é só mesmo aquele 'antipático' e 'pouco trabalhador' que nos atazana a vida.

Há tempos assistia eu a um jogo de futebol aqui na minha terra (3ª divisão) quando um daqueles tontinhos que há por todo o lado, depois de ultrajar o árbitro com todos os nomes e já não sabendo de nenhum mais ofensivo, lhe gritou a plenos pulmões: "FUNCIONÁRIO PÚBLICO".
Não resisti a estas linhas."

JKO e as eleições no PS

Olá Ana Gomes,

Li a tua peça de hoje no Público sobre as eleições no PS e o teu apoio a Manuel Alegre. Como é óbvio, respeito o teu posicionamento e as tuas razões, embore discorde do fundamento de algumas. O que me deixou confundido foi a tua alusão a Juscelino Kubitschek de Oliveira (JKO). Citas uma famosa - e deliciosa, convenhamos - frase sua sobre a esquerda e a direita, sugerindo que Sócrates não passa de um JKO, desprovido de convicções políticas firmes. Ora bem, descontando o processo de intenções para fins internos, não consigo descortinar quais os exemplos bondosos em que te inspiras na história contemporânea do Brasil. O que há de mais próximo do registo da esquerda tradicional é Jango Goulart. Será ele a inspiração? Ou, talvez, Leonel Brizzola? JKO é, pura e simplesmente, o homem político mais lembrado pelas elites e pelo povo desde o Tiradentes. A justo título. Não se desdenhe de quem deixa uma marca de governação tão forte e tão progressiva como a que ele deixou, por mais sul-americana que seja. Sugiro-te que deixemos os exemplos estrangeiros de lado (porque não se nos aplicam) e a semântica ideológica para os doutorandos em filosofia política, porque do que precisamos é de política para o nosso tempo.

Saudações amigas.

Luís Nazaré

"Fim da gratuitidade do SNS" - comentários dos leitores

«Completamente de acordo com a segunda parte do seu comentário [no post sobre o "fim da gratuitidade do SNS]. Neste país, em que quem paga impostos são os mais pobres, a ideia de uma taxa moderadora baseada no sistema fiscal é iníqua. Quanto à primeira parte, se aceito o seu ponto de vista segundo o qual estas taxas poderiam vir a revelar-se inconstitucionais, sempre é verdade que pode discutir-se a bondade da solução adoptada na Constituição. Aqui como noutros domínios pode discutir-se se o princípio da universalidade no SNS não leva, em termos gerais, a que sejam os mais pobres a financiar os mais ricos. Parece-me o raciocínio muito semelhante à análise que faz da questão das propinas. Julgo ter lido um artigo seu em que se declarava favorável à existência de propinas --, no pressuposto de que seria possível assegurar uma actuação eficaz de apoio aos que dele precisem através da acção social escolar.»
(J. P. Pessoa e Costa)

«(...) Creio que a inconstitucionalidade da medida anunciada pelo actual Primeiro-Ministro advém (também) de outra ordem de factores: a distinção (basilar em matéria fiscal) entre taxa e imposto. A ser praticada tal medida, teríamos uma total afronta à jurisprudência constante (e no meu modesto entender, correcta) do Tribunal Constitucional: aplicar taxas diferenciadas (lato sensu) a um serviço cujo preço de execução é sempre o mesmo, mais não é do que um imposto indirecto. Sendo ainda mais explícto: "imposto encoberto" (...).
Não que eu discorde da medida. Acontece que para ser praticada seriam necessárias duas coisas: I - uma total alteração da Constituição em matéria fiscal; II - um volta-face do TC na sua jurisprudência (...).
Obviamente, a este pequeno-grande problema acresce o da evasão fiscal, como muito bem realçou.»

(Hugo R. Alves)

Mais "touros de morte"


Quem julgou que a excepção legalmente estabelecida para os "touros de morte" de Barrancos acabaria com essa questão em Portugal enganou-se redondamente (como era de esperar infelizmente). Agora foi a vez de Monsaraz , de novo invocando uma "tradição popular" (na foto vê-se a praça do castelo onde se desenrolam as touradas locais).
Só é de esperar que o precedente de Barrancos não se repita: primeiro, a impunidade para os infractores; depois, a reiteração da cena nos próximos anos; e finalmente a intervenção do Presidente da República a sugerir o alargamento da excepção. De excepção em excepção, não tardaria a legalização geral da barbárie do touricídio público para gáudio da plebe. Dá vontade de fugir!
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)

Fim da gratuitidade do SNS?

O anunciado aumento diferenciado das "taxas moderadoras" no serviço nacional de saúde (SNS) pode parecer uma boa ideia à primeira vista, mesmo em termos de justiça social, permitindo que os utentes mais abastados contribuam para diminuir as necessidades do seu financiamento por via do orçamento do Estado.
Mas, para além de questões de filosofia do SNS, tal ideia defronta pelo menos duas dificuldades sérias: (i) não se afigura ser compatível com a Constituição, que estipula que o SNS é "tendencialmente gratuito", o que não deixa grande margem para contrapartidas financeiramente significativas; (ii) com a opacidade e iniquidade do sistema fiscal que temos, a consequência seria termos muitos titulares de altos rendimentos (rendimentos de capital, profissões liberais, etc.) a beneficiarem de taxas ínfimas, dada a enorme evasão fiscal existente, enquanto os titulares de rendimentos por conta de outrem seriam onerados com taxas mais elevadas.

Adenda
Vou desenvolver esta temática no meu artigo de amanhã no Público.

domingo, 12 de setembro de 2004

Tema da semana: a "Basílica de Estado"

Segundo relata a imprensa, foi o próprio Presidente da República que defendeu que as cerimónias fúnebres do falecido presidente da Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida, cuja pertença à maçonaria era do conhecimento geral, decorressem na Basílica da Estrela e não na sede do Grande Oriente Lusitano, como teria sido preferido pelo próprio em vida. A justificação teria a ver com o facto de ele ser uma "alta figura do Estado".
Esta situação suscita algumas perplexidades. Existe alguma incompatibilidade entre os funerais de figuras de Estado e um templo maçónico? Existe alguma razão para a preferência oficial por um templo católico, mesmo quando se trata manifestamente de personalidades que não professam a religião católica? E se se tratar de alguém de outra religião (protestantismo, judaísmo, islamismo, budismo, etc.), também deverá ir para a Basílica da Estrela?
A meu ver, não existe nenhuma razão para optar por uma igreja como lugar "oficial" de funerais de Estado. Pelo contrário. A não ser que se conheça outra disposição feita em vida pelo próprio ou que seja preferida pela respectiva família, as cerimónias fúnebres de figuras de Estado deveriam ocorrer num edifício público, dotado do espaço e da dignidade necessária para essa função. As diferentes confissões religiosas, conforme a religião do falecido (se alguma), teriam obviamente acesso a esse local para procederem às exéquias fúnebres correspondentes.
Uma solução destas seria mais conforme com o princípio da separação entre o Estado e as igrejas e evitaria as situações desconfortáveis de realização de homenagem fúnebres em templos religiosos a pessoas que não professavam nenhuma religião (ou que eram crentes de uma religião diferente).

Adenda
Sobre este assunto ver também o post de Carlos Esperança, intitulado "Funeral de Estado" no blogue Diário Ateísta, novo nome do antigo Diário de Uns Ateus (actualização já efectuada na nossa coluna de links, ao lado).

Rupturas ou continuidades?

As eleições no PS têm servido para estimular o debate político, não apenas internamente mas também para o exterior. Temas como a reforma do Estado, o modo de prestação dos serviços públicos e outros foram já abordados nos jornais por alguns comentadores (e também aqui no Causa Nossa).
Este sábado, no Público, Augusto Santos Silva tratou de uma das questões mais relevantes para o futuro do PS. Demarcando-se de qualquer diabolização de autarcas ou de dirigentes partidários intermédios, interroga-se, no entanto, sobre a determinação e capacidade que poderá ter, ou não, o futuro secretário-geral para promover o funcionamento democrático do partido e, em especial, a sua indispensável abertura social e política ao exterior, modernizando-o efectivamente. Vale a pena ler (infelizmente, não se encontra online).

Maria Manuel Leitão Marques

O outro 11 de Setembro

«A barbárie terrorista de New York, há 3 anos, não deve fazer esquecer outro "11-9" negro, este em 1973, data do golpe sangrento de Pinochet no Chile contra o Governo de Salvador Allende, que liquidou a democracia nesse país e instaurou uma era de ditadura e de repressão cruel.
Ainda a propósito do terrível atentado terrorista de N. York, teria ele o mesmo impacto que teve e continuará a ter, se as suas vítimas fossem por exemplo a cidade de Bombaim ou de Bangkok, mesmo que causassem ainda mais mortos? Porque é que as desgraças suscitam muito mais comoção e horror no mundo, quando ocorrem no hemisfério Norte e nos países mais ricos?»

(MTQ, Porto)

sábado, 11 de setembro de 2004

Fotografia à procura de personagens ....

«Boa partida me pregaste agora, com a comoção desta memória trazida pela fotografia [descoberta pelo] Manuel Miranda [ver post abaixo, "Memórias Acidentais"]!
À tua esquerda, de óculos escuros, a modos que a falar com a mão que está sem dono, sou eu. E a seguir é o falecido Humberto Soeiro, também advogado aqui em Braga. Se não me engano a cabeleira em primeiro plano, à direita, é a do José Manuel Mendes. Mas pergunta-lhe, que esse tem memória de elefante. (...)»

(Alberto Jorge Silva, Braga)