quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Decide contra o Governo, logo não é isenta!

«1 - A maioria considera que a Alta Autoridade para a Comunicação Social é a entidade competente para apurar a verdade;
2 - A AACS conclui terem existido pressões governamentais no "caso Marcelo";
3 - Perante as conclusões da AACS, o presidente do grupo parlamentar do PSD afirma que a AACS já devia ter sido extinta e que o que é necessário é ter uma entidade reguladora isenta(!);
4 - As the British say: I arrest my case!!!».


(Manuel Duarte)

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

O endividamento

A desaceleração do endividamento dos particulares (crédito ao consumo e para aquisição de habitação), que vinha ocorrendo desde final de 1999, foi interrompida em 2004, voltando a subir (dados recentes do Banco de Portugal). E agora Dr. Santana Lopes, como vai safar-se desta, depois de ter andado para aí a dizer que o endividamento dos consumidores era devido à irresponsabilidade dos governos socialistas? Como escrevi nessa altura (da comunicação do PM ao país), deveria ser mais cuidadoso e, sobretudo, menos demagógico. O endividamento só tinha desacelerado e já desde o tempo do PS. Agora, para a próxima, só lhe resta aprender a lição e exigir mais rigor e melhor fundamentação a quem lhe faz os discursos. Se for capaz...

O saneamento

Se o relato da Capital de hoje (parcialmente online) sobre as pressões governamentais para o afastamento do director de informação da RTP é verdadeiro -- e há boas razões para crer que sim --, então estamos perante um gravíssimo acto de abuso governamental da televisão pública.
O caso consubstancia duas conclusões, qual delas a mais inquietante: (i) que o actual modelo da RTP e da RDP como empresas públicas sob controlo governamental directo constitui um terreno fértil para a instrumentalização governamental do serviço público de televisão (e de rádio); (ii) que o actual Governo não tem escrúpulos nem limites nessa manipulação.

Comissários

Um tal Domingos Jerónimo, até agora secretário de Estado da presidência do Conselho de ministros, uma espécie de chefe de gabinete do Primeiro-Ministro graduado em membro do governo, acaba de ser nomeado para secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), que agrega os serviços secretos nacionais. Um cargo desses supõe obviamente uma adequada competência específica e um mínimo de isenção partidária. Não se conhece nem uma nem outra no currículo do novo titular do cargo.
Se os indigitados para estes cargos de especial responsabilidade no Estado tivessem ao menos de passar por uma sabatina pública na comissão parlamentar competente, para explicarem as suas competências e propósitos, haveria seguramente menor tentação para a nomeação de puros comissários partidários, como ocorre no caso concreto.

Com décadas de atraso

Aqui há anos, um professor universitário estrangeiro, ao apear-se do comboio na sua chegada a Coimbra, julgou ter-se enganado na paragem, não podendo acreditar que aquele miserável apeadeiro era a estação ferroviária de célebre cidade universitária!
Quantas vezes não protestei ao longo destes anos contra essa prova terceiro-mundista de subdesenvolvimento e de desigualdade de tratamento territorial em Portugal? Quantas vezes não me interroguei sobre a maldição ferroviária de Coimbra, que nem sequer beneficiou da qualidade e da beleza de outras estações da linha do Norte, como por exemplo Santarém e Aveiro? Quantas vezes não me indignei com o conformismo e com a insensibilidade dos agentes políticos e das "forças vivas" da cidade e da região perante a indigência da gare ferroviária, onde se entra por uma cancela de ferro e uma passagem de nível?
Agora parece que Coimbra vai ter finalmente uma estação ferroviária nova e que o inóspito (des)conjunto de edifícios e alpendres desabrigados e feios vai ter o destino que merece, ou seja, a demolição. Já não era sem tempo!

Causa Aberta: A minha causa

«A minha causa é a paixão da educação. Mas haverá ainda, depois de tanto desgoverno e de tanta asneira, quem consiga dizer isto sem corar de vergonha?»
José Gustavo Teixeira

Os "concertos" da sapataria


«Ao divulgar esta fotografia, tirada na Praça Machado de Assis, ao prédio de gaveto das Ruas Machado de Castro e Virgílio Correia, convido os leitores a entrarem no ambiente calmo da Sapataria Norbal, disponível às horas de expediente, sem grandes aglomerados, numa zona central e aprazível. Uma pérola em dó sustenido, metáfora da cidade dos doutores.
Numa localidade de província as sapatarias dedicam-se a fazer consertos, isto é, a deitar meias solas, engraxar, pregar um salto, vender um par de palmilhas, entregar uns atacadores, coser uma fivela e o mais que é mister. Em Coimbra - cidade universitária - tudo é diferente. Mas o melhor é entrar por alguns instantes na sapataria e, enquanto espera que a cola reponha o salto do sapato, que não resistiu aos buracos do largo em frente ou à pastilha elástica que o prendeu ao passeio, sempre se delicia com «concertos rápidos» que não deixarão de aliviar a alma.
A Câmara não cuida da cidade, mas podia zelar pela língua portuguesa. Nem é preciso incomodar o vereador da cultura, basta um vereador que saiba ler».
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)

(Carlos Esperança, Coimbra)

terça-feira, 16 de novembro de 2004

A auto-disciplina das profissões

Tal é o tema do meu artigo no Público de hoje, a propósito da recente publicação da jurisprudência disciplinar da Ordem dos Advogados (texto também recolhido no Aba da Causa - link na coluna da direita).

Bizarrias institucionais

Pode ler-se esta estranha notícia no Jornal de Notícias de hoje:
«Segundo fonte da direcção socialista, o PS e a Maioria têm estado em contacto com o Tribunal Constitucional (TC), no sentido de ser formulada uma pergunta [sobre o referendo da Constituição europeia] que possa merecer a aprovação da maioria dos juízes conselheiros.»
Ora, não consta que:
a) o procedimento legal do referendo preveja uma fase prévia de consultas e/ou negociações com o TC;
b) o estatuto do TC inclua funções consultivas dos partidos políticos;
c) o TC possa vincular-se antecipadamente por opiniões obtidas em consultas individuais dos seus membros;
d) possa haver uma espécie de fiscalização pré-preventiva do referendo promovida por outrem que não o Presidente da República, a quem de resto compete convocá-lo.

«Mistérios» da RTP

A demissão de Rodrigues dos Santos e da equipa da direcção de informação da RTP foi motivada, aparentemente, por um episódio «menor»: a nomeação de uma correspondente em Madrid que não teria sido a melhor qualificada no concurso de selecção. Ou seja: a administração da RTP foi sensível a pressões políticas no sentido de destacar essa jornalista e não outro profissional mais habilitado para Madrid.

No passado, episódios destes constituíam o pão nosso de cada dia, não apenas na RTP mas noutros órgãos de informação mais vulneráveis à influência política dos governos em funções. Aliás, estão por esclarecer quais terão sido os critérios «jornalísticos» que levaram à designação da antiga editora de política nacional do «Diário de Notícias» para assessora de imprensa da nossa embaixada em Madrid, no tempo em que Durão Barroso era primeiro-ministro.

Se juntarmos estes dois episódios «espanhóis», talvez se possa estabelecer conexões elucidativas sobre a promiscuidade político-jornalística que, em Portugal tem, como se sabe, uma história muito antiga (e não se restringe, longe disso, à actual coligação). O trânsito «natural» e directo entre redacções de jornais e assessorias políticas de imprensa (ou vice-versa, como foi o caso de Fernando Lima no DN) é uma das manifestações mais flagrantes dessa promiscuidade.

O chamado «caso Marcelo» funcionou como excelente detonador de situações anómalas que eram anteriormente cobertas pelo manto diáfano da normalidade. É esse um dos seus principais méritos, aliás. A partir daqui, será cada vez menos pacífico disfarçar o que nunca deveria ter sido disfarçado: os jogos de bastidores políticos que interferem com os critérios profissionais na gestão dos órgãos de informação (públicos, mas por vezes, também, privados). Quando um caso «menor», como o da nova correspondente da RTP em Madrid, serve para pôr a nu uma realidade maior, isso constitui, pelo menos, um sinal de que dificilmente as coisas poderão continuar como dantes.

Tudo isso não se compadece, porém, com a carência de explicações dadas, até ao momento, sobre a demissão da direcção de informação da RTP. Será que o «caso Marcelo» também aqui fez escola? Será preciso que Rodrigues dos Santos seja ouvido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social para se saber mais sobre um assunto cujo esclarecimento se impunha logo à partida? Se o jornalismo não se conforma com a opacidade, Rodrigues dos Santos deveria ter sido o primeiro a dar um exemplo de transparência? Já chega de calculismos e «mistérios»!

Vicente Jorge Silva

A quadratura do círculo

Por mais que digam e façam os líderes do PSD e do CDS, a crise conjugal entre os dois partidos não só é óbvia como também não tem nada de surpreendente. O processo de vampirização eleitoral entre os dois parceiros da coligação é um dado adquirido: juntos, não somam mas subtraem na conta final. E a tendência para a hegemonização ideológica do partido maior (mas ideologicamente mais difuso) pelo partido mais pequeno (mas ideologicamente mais demarcado) tem sido ilustrada por vários episódios, nomeadamente parlamentares, quando estão em jogo questões de «valores morais» (o aborto, por exemplo) ou até de estratégia política. O paradoxo é que a coligação só existe com eles, mas com eles juntos eleitoralmente os dois correm o risco de perder. É a quadratura do círculo.

Mais Bush

Bem pode desiludir-se quem alimentava qualquer ilusão de que no segundo mandato Bush poderia moderar o arrogante unilateralismo de Washington na política externa. A saída de Colin Powell da pasta dos assuntos exteriores e a sua provável substituição por Condoleeza Rice, mais papista do que o papa, mostram que nas suas desavenças com os falcões da Defesa (Rumsfeld, Wolfowitz, etc.) foram estes que levaram a melhor.
Vêm aí tempos mais perigosos.

Alternativa

Ainda há espíritos assaz pacientes para analisar as esotéricas "teses" para o próximo congresso do PCP e apresentar uma alternativa. Devem ser dos poucos que as lêem e dos que, ainda menos, se importam. Bem-aventurados sejam!

O PSD na clandestinidade

Ao passar em revista o rol das personalidades notáveis do PSD que não constam da lista dos novos órgãos directivos do partido e ao tentar encontrar alguém conhecido na composição do novo conselho nacional, dá para pensar que há um PSD na clandestinidade desde que Santana Lopes assumiu a liderança do Partido. Como é fácil imaginar, esse PSD escondido vai aparecer em força na campanha de apoio a Cavaco Silva nas eleições presidenciais, se ele for candidato, como tudo indica. Como coabitarão então os dois partidos, o cavaquista e o santanista?

"A verdade" segundo Santana Lopes

Foi sob um enorme dístico "verdade", em letras garrafais, que decorreu quase todo o congresso do PSD. Quando um partido, para mais no governo, sente necessidade de proclamar que fala verdade, sabemos que se prepara para mentir.
A técnica consiste em sublinhar uma migalha de verdade irrelevante para esconder o principal. Foi o que sucedeu com o discurso de Santana Lopes em defesa do orçamento. Nada mais longe da verdade, como demonstra, números em riste, Nicolau Santos no Expresso online. Um devastador desmentido das "verdades" santanalopistas.

Estamos condenados ao sobressalto?

Demissão colectiva da direcção de informação da RTP: aposto que o Governo vai dizer que se trata de uma questão interna da RTP, entre a administração e a direcção editorial, a que ele é totalmenre alheio. E como toda a gente sabe, o Governo não tem nada a ver com a administração da televisão pública, não é?!
O que é que tem este Governo, que ameaça não deixar pedra sobre pedra na comunicação social? Depois do caso Marcelo, do caso Diário de Notícias e agora do caso RTP, o que é que se seguirá? Estamos condenados ao sobressalto?

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

"As culpas de Guterres"

«(...) Também eu, na altura, considerei acertada a demissão de Guterres. O seu segundo Governo era um desastre. O PS tinha sido claramente derrotado nas urnas [nas eleições autárquicas]. A perda das Câmaras de Lisboa, do Porto, de Coimbra, et j?en passe, não podiam ser pura e simplesmente esquecidas. O Governo tinha contribuído em muito para essa derrota, com as cenas tristes que protagonizou, do orçamentos limianos à Fundação para a Prevenção Rodoviária, a demonstrarem um autismo difícil de explicar. Esquece-se hoje que Sousa Franco, que Ferro Rodrigues recuperou, foi pura e simplesmente posto de lado para abrir a porta a Pina Moura. Esquece-se que existia uma desorientação geral, a nível do Governo e do Partido, principalmente depois da demissão de Jorge Coelho. Guterres fez bem em demitir-se porque já não lhe era possível governar com um mínimo de credibilidade ou de eficácia.
Pode discutir-se se as coisas deviam ter-se passado como se passaram, nomeadamente através do recurso a eleições antecipadas (embora a minha opinião seja que qualquer outra solução no quadro parlamentar de então careceria de legitimidade). (...) Mas não deve discutir-se a demissão. Ela foi a única saída possível para uma situação desesperada: pode imaginar-se o que seria um «lame duck» Guterres a gerir o país, com o apoio de apenas um pequeno conjunto daquelas pessoas que constituíam a sua guarda avançada? (...)»

(José Pedro Pessoa e Costa)

Causa Aberta: "A minha catarse"

«Causa Aberta, mas sempre, sempre aberta no meu coração.
Vivi vinte e oito anos num regime que já existia, para o qual nunca contribuí, mas, também, durante muito tempo não conheci mais nenhum. (...) Fui bater com o meu corpinho num dos lugares mais sórdidos do Mundo, naquela altura, a Guiné. Destroçado física e moralmente regressei. Fiz a minha vida normal mas hoje estou a pagar caro a estadia que o Estado me ofereceu durante dezanove meses.
25 de Abril de 1974. Rua. Manif´s. Comissão de Trabalhadores, era empregado bancário. Nacionalizações. Uma festa. Euforia. Reuniões em cima de reuniões. Uma loucura.
Chegado a esta fase da minha vida e fazendo uma retrospectiva não é que começo a interrogar-me o que ando cá a fazer? Trinta anos de trabalho. Reforma antecipada quase com pistola apontada às costas. Nunca tive o previlégio de ganhar uma só eleição pós 25.4 e tenho de assistir a esta parada de incompetência megalómana? Onde tenho andado? No lado errado do globo? Está tudo doido? Sou eu que estou louco. Farto de não fazer nada a não ser chular a reforma que me dão para não trabalhar, reflecti. Pára de pensar. Não te atormentes. Viva a democracia. As maiorias é que governam. Contigo ou contra ti. Tens de te sujeitar. Tu é que escolheste. Junta-te aos grandes.
PÁRA.
A minha causa é a causa das minorias. Dos desempregados, os trabalhadores espoliados, os estudantes, os unidos de facto, das mulheres que abortam, os pobres do terceiro mundo, os miseráveis, como nós, moral e economicamente do quarto mundo, ecologista, contra a globalização, contra o capital, anti-Bush, pró-iraquino, pró-palestiniano.
Estas são algumas das minhas Causas.(...)»


José Ferreira
(Descomprometido partidariamente, sonhador nas horas vagas e manifestante profissional qualquer que seja o lado de onde venha - calculam qual seja, não?)

Causa Aberta: A minha causa

«A mudança climática que já estamos a sentir vai trazer enormes alterações a todos os níveis. Basta pensar que pequenas alterações médias da temperatura implicarão, por exemplo, a subida dos mares e alterações da agricultura a nível global, com todas as implicações decorrentes (fome, guerras pela água, disseminação de doenças, diminuição da biodiversidade, etc...).
A minha causa devia ser a causa de todos nós, e em particular dos decisores políticos que foram eleitos para zelarem pelo país a longo-prazo. Se zelarem pelo país a curto-prazo (leia-se, "durante o seu mandato") só estão a tomar decisões no interesse deles e dos seus amigos, não estão a cuidar das suas autarquias, regiões, ou do país.
A minha causa é que eleitos e oposições pensem no país de uma forma altruísta e não autista.»


João Pinto

Vozes do Centro



No suplemento "Debates sobre o Centro" da edição regional do Centro do Público de sábado passado (indisponível on line) o tema era a identidade e visibilidade política da região (ou a falta delas). Certamente por acaso -- há acasos sintomáticos -- os dois deputados que aparecem a "representar" a região, escrevendo sobre ela, aliás bem, são Marques Mendes e João Cravinho, ambos deputados por Aveiro, mas nenhum deles oriundo nem residente da região...
(A imagem pode ser vista em tamanho maior, clicando sobre ela).

Aditamento:
No referido suplemento é publicada a minha resposta a cinco perguntas colocadas pelo jornalista Rui Baptista. Como não se encontra disponível online, procedi à sua reprodução no Aba da Causa, para consulta de algum eventual interessado.

domingo, 14 de novembro de 2004

Santana ao espelho

Santana Lopes propõe-se ser primeiro-ministro até 2014. A ambição releva quase da ficção científica, género de que o chefe do Governo deverá ser um fã não assumido. Mas no congresso do PSD Santana propôs-se separar a «ficção» (alimentada pela oposição, pelos media e pelos comentadores perversos, como o inevitável mas não citável Marcelo) da «realidade» ou a «verdade» (que seriam a obra realizada por si e o seu Governo).

Na obsessão de querer ser amado a todo o custo e ao ver-se permanentemente ao espelho («espelho meu, haverá alguém mais belo do que eu»?), Santana projecta imagens que lhe devolveriam um reflexo enebriante de si mesmo (a «realidade», a «verdade»), rejeitando tudo quanto possa perturbar essa evidência (e que seria, por isso, da ordem da «ficção»). Ora, Santana só funciona verdadeiramente (e brilhantemente, sublinhe-se) como actor de uma ficção centrada nele próprio.

O seu talento de tribuno é insuperável (compare-se a sua espantosa fluência no improviso com o ar postiço e robotizado de Sócrates), mas é um talento que gira no vazio musical das palavras, das palavras reduzidas ao seu estrito poder galvanizador, das palavras como puro factor ficcional (para efeitos de sugestão própria e, suplementarmente, para as audiências que se propõe amestrar).

Santana pode dizer uma coisa e o contrário que, aos seus olhos, isso não tem, rigorosamente, a menor importância. Ele não parece ter consciência das suas contradições ou foge delas como o diabo da cruz. É por isso que lida tão mal com as interpretações das suas palavras que não se enquadram naquilo que gostaria de ver publicado, ou melhor, «espelhado» (o espelho, sempre ele). Daí também, porventura, a sua reacção aos títulos da imprensa sobre o «desafio» que fez a Cavaco para concorrer a Belém (ah! o tempo que ele perde a discutir com os media, esse eterno espelho...).

Transportado pela embriaguez do verbo improvisado (já viram como é um actor perfeito nesse género e como soa a falso sempre que lê um texto?), Santana apenas concebe uma «realidade» e uma «verdade» que sejam o reflexo da contemplação narcísica de si mesmo. O mundo começa e acaba nele. O resto é ficção. Só que, de facto, a ficção está no espelho onde ele se vê.

Vicente Jorge Silva

As culpas de Guterres

Tendo participado nos "Estados Gerais" de 1994-95, fui contudo um dos primeiros críticos da governação de Guterres, especialmente no segundo governo. Basta recordar as minhas crónicas da época no Público. Por isso estou particularmente à vontade para discordar dos que consideram uma imperdoável "fuga" a sua demissão no seguimento da derrota das eleições locais de Dezembro de 2001, como insiste António Barreto no Público de hoje. Na altura defendi mesmo a demissão, como exercício de responsabilidade democrática. Parece-me evidente que nas circunstâncias -- sem maioria parlamentar, à mercê das oposições, perante uma crise financeira já declarada, depois do descrédito dos orçamentos "limianos" --, já não existiam condições mínimas de governação. A pesada derrota das autárquicas -- que foi uma inequívoca moção de censura popular ao Governo -- tornaria insuportável a posição do Governo, sujeitando-o a uma permanente flagelação pela falta de apoio político e arrastando por mais um ano (talvez até ao chumbo do orçamento seguinte) uma agonia governativa de que a primeira vítima seria o País.
Talvez ele devesse ter submetido uma moção de confiança ao Parlamento, obrigando as oposições a derrubá-lo (ou a proporcionar a formação de outro governo com condições de governabilidade), mas não compreendo como é que se lhe poderia exigir que permanecesse em funções nessas condições, contribuindo desse modo para agravar a crise de confiança política e a crise das finanças públicas, por falta de apoio parlamentar para adoptar medidas de disciplina financeira, como se tinha mostrado em relação às severas medidas de controlo da despesa pública propostas por Pina Moura no verão de 2001.
As culpas de Guterres estão antes, no mau governo, e não na demissão. Ele pagou com a demissão o seu insucesso governativo, e o PS com a derrota nas eleições subsequentes, como é próprio da democracia. Não creio que se deva reescrever a história desse período especialmente contra ele, em vista da disputa presidencial que se aproxima.

sábado, 13 de novembro de 2004

Acossamento

No congresso do PSD foram frequentes as queixas sobre a crítica dos "media" -- desde Santana Lopes a Morais Sarmento, entre vários --, sempre sublinhadas com vivos aplausos dos delegados. Só faltou o improvável ministro Gomes da Silva a reincidir na sua original tese da conspiração "objectiva". Mas é evidente que nas hostes do partido governamental reina o ressentimento contra a imprensa (apesar dos comissários governamentais em acção no meio) e que nele medra uma sensação de acossamento. Costuma ser um sinal antecipado de derrota...

Do Capitólio à Rocha Tarpeia

Manuela Ferreira Leite, então ministra das Finanças, foi entusiasticamente ovacionada como heroína no último Congresso do PSD. Não participa sequer no actual Congresso, depois de se ter oposto à investidura de Santana Lopes como presidente do partido e primeiro-ministro sem um congresso "ad hoc". É hoje uma militante simplesmente desprezada e indesejada. Se porventura viesse dizer perante o Congresso o que lhe vai na alma sobre o abandono da sua política de rigor orçamental e disciplina financeira receberia provavelmente uma monumental vaia.
Quando o populismo toma conta da política vai uma pequena distância da glória ao ostracismo...

Patrocínio pouco recomendável

Durante anos, Santana Lopes andou a vender proselitamente o velho elixir de «uma maioria, um governo, um presidente». Autocandidatou-se mesmo para ser a componente presidencial do tal três-em-um. Ontem, porém, ao anunciar o apoio do PSD a uma eventual candidatura presidencial de Cavaco Silva (solução que antes considerara desastrosa), SL acrescentou -- no que pode ser uma declaração combinada -- que isso depende de uma decisão pessoal do antigo primeiro-ministro e que se trata de uma «candidatura acima dos partidos» --, o que manifestamente não condiz com a famosa palavra de ordem.
O que é que mudou? Mudou o essencial, ou seja, o agora desejado candidato (à falta de outro com algumas chances eleitorais) nunca aceitaria disputar as eleições presidenciais numa "santíssima trindade" com esta maioria e com este governo, sob pena de alijar à partida qualquer hipótese de chegar a Belém. Esta maioria e este governo não são parceria recomendável para ninguém...

"Palestino", não "palestiniano"

«Não digam, não escrevam "palestinianos". É um seguidismo desnecessário da palavra francesa ou inglesa equivalente. Até há pouco, todos os dicionários incluíam apenas a palavra "palestino". Agora contêm também o neologismo "palestiniano" mas referem que se trata de estrangeirismo. Desgraçadamente, o novel Dicionário da Academia é omisso quanto a "palestino". Melhor fora que tivesse ficado pela palavra em que findou a primeira tentativa de Dicionário - "azurrar". Como então alguém satirizou, acabou onde os burros começam...
A verdade é que ninguém diz "filipiniano" ou "argentiniano". Se nós, portugueses, não defendermos a nossa língua, quem o fará?»

(M. Gaspar Martins - Porto)

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Cavaco e Guterres: acabou o tabu?

Afinal, depois de tantas voltas e reviravoltas, o longo mistério das presidenciais parece ter desfecho anunciado. Segundo tudo indica, será mesmo um duelo Cavaco-Guterres, como os amantes de emoções fortes gostariam de ver em cena.

Guterres quebrou o silêncio, esta semana, num congresso da Associação 25 de Abril, para tecer algumas considerações relativamente previsíveis mas carregadas de «subentendidos» políticos sobre a situação actual do país. E Cavaco foi mesmo a grande novidade do discurso de Santana Lopes na abertura do congresso do PSD.

Santana é um verdadeiro artista e, por isso, pouco lhe importará que aquilo que ainda ontem dizia sobre as desvantagens de uma candidatura presidencial de Cavaco se tenha subitamente metamorfoseado em vantagens evidentes. Resistirá o Professor a esta avenida que se abre à sua frente, ele que, mais do que nunca, faz questão em assumir uma postura suprapartidária? É óbvio que os tabus tácticos não acabaram, nem o de Cavaco, nem o de Guterres. Mas serão apenas isso, apenas tácticos. A não ser que...

Arafat: contrastes e paradoxos

No espaço de escassas horas, pudemos ver o contraste quase irreal, mas cruamente revelador, entre as imagens das cerimónias fúnebres no Cairo e do enterro de Arafat em Ramallah. Primeiro, uma cena gélida e perfeitamente coreografada, com os autocratas árabes alinhados ao lado uns dos outros como se fossem múmias (só a emoção da filha de Arafat destoava verdadeiramente). Depois, o caos e a histeria popular em Ramallah, esse luto furioso e agressivo dos deserdados. Duas cenas complementares do desconcerto e impotência árabe.

Agora que Arafat foi enterrado (mas com o mistério a pairar acerca da causa efectiva da sua morte) volta a especular-se sobre a possibilidade de uma saída para a trágica questão palestiniana. Mas quem acredita verdadeiramente nisso? A esperança de um Estado palestiniano independente não foi apenas boicotada sistematicamente pelo poder israelita e seus protectores americanos. Foi-o também pela incapacidade da liderança de Arafat em conseguir passar da clandestinidade para a luz do dia: da resistência armada para a construção de uma entidade política digna desse nome.

O ideal palestiniano não teria porventura sobrevivido sem Arafat. Mas também é certo que esse ideal acabou por ser condicionado pelos acidentes da sobrevivência política de Arafat. Chefe incontestado da nação palestiniana, apresentou-se como solução do problema até que acabou por tornar-se, também, parte do problema.

O autocratismo de Arafat favoreceu a incompetência e a corrupção da direcção palestiniana, num reflexo em pequena escala dessas detestáveis oligarquias árabes que se fizeram representar, com pompa e circunstância, no Cairo. Arafat foi, sem dúvida, um dos últimos ícones do séc. XX (o outro que resta é Mandela). Mas que o seu desaparecimento possa ser visto, e não apenas por Bush e Sharon, como uma esperança para o futuro da Palestina constitui uma ironia trágica na longa tragédia de um povo.

Vicente Jorge Silva

Arafat morreu. A Palestina resiste, logo vive.

Arafat vai hoje a enterrar. Todos os palestinianos o choram, mesmo os que justa ou injustamente o criticaram. Ele é o pai-fundador da naçao palestina (e a barriga de aluguer involuntaria, a contragosto, é Israel). E a um pai, que lutou encarniçadamente, contra tudo e todos, para impor a naçao, agradece-se e perdoa-se tudo (o fundador de Portugal, até na própria mae batia e os portugueses encolhem os ombros... ).
A naçao de Arafat está viva. Resiste, logo existe. Resiste por todas as formas à humilhaçao diária de uma ocupaçao tao brutal como refinada na perfidia, uma ocupaçao que só pode ser imposta por quem interiorizou o sofrimento de muitas geraçoes, ao ponto de tanto se desumanizar.
Presto emocionada homenagem a Arafat. O heroi, o lutador, o combatente infatigável, o politico astuto, o lider caloroso e profundamente humano, até nos erros. O homem que deu esse passo gigante, decisivo, que só um forte e corajoso líder podia dar, de reconhecer a existencia do Estado de Israel, para trazer um dia a paz aos dois povos e à regiao. Porque a Palestina existe no mapa, resiste na Cisjordania, em Gaza, em Jerusalém, no coraçao de cada palestiniano na diáspora e na consciencia de cada cidadao do Mundo. Porque a naçao Palestina há-de ter um Estado e viver em paz com Israel. Porque Arafat, um homem pequenino de grande visao e força animica, nunca nunca desistiu de lutar.

Ana Gomes

A praça edificada

Dando seguimento a um pedido de um munícipe, o Ministério Público pediu a anulação judicial da deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, datada de 2003, que aprovou um empreendimento imobiliário numa ampla praça pública junto ao Estádio Municipal, cujo espaço foi cedido para o efeito a um grupo privado. O negócio foi justificado pela necessidade de realizar dinheiro para pagar o dito Estádio, reconstruído para o Euro 2004. A questão é que essa privatização imobiliária conflitua manifestamente com o destino da praça no Plano Director Municipal.
Porém, as obras já estão praticamente terminadas e dezenas de apartamentos estão vendidos, pelo que uma eventual anulação judicial pode vir a ter nulos efeitos práticos. Ora, o MP tem a incumbência constitucional de defender a legalidade, podendo impugnar directamente os actos administrativos ilegais. Tudo justifica que esse poder seja exercido especialmente quando a ilegalidade importar graves prejuízos para o interesse público e ainda mais quando não haja nenhum lesado especial que esteja interessado em impugnar o acto. Era manifestamente o caso. Sendo "prima facie" evidente a ilegalidade, o MP deveria ter actuado imediatamente, sem necessidade de pedido de ninguém, suscitando também a suspensão cautelar dos efeitos do licenciamento, para impedir a consumação da ocupação da praça.
É lamentável ter de concluir que muitas barbaridades urbanísticas (e outras), geralmente de notória ilegalidade, só vingam porque o Ministério Público não exerce as funções que constitucionalmente lhe incumbem.