quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

Impressões de quinta-feira

1. Universidade na minha rua
Na minha crónica desta terça-feira no "Público" critiquei o projecto de criação de mais uma universidade pública (em Viseu), quando o parque do ensino superior público se apresenta já manifestamente excedentário e está razoavelmente repartido sob o ponto de vista territorial.
Ontem e hoje cresceram as vozes contra essa iniciativa governamental, com a oposição do reitor da Universidade Coimbra, do presidente do conselho nacional dos institutos politécnicos e do presidente do CRUP (reitor da Universidade do Algarve) (ver o "Público" de hoje, sem link disponível). Os argumentos são em geral coincidentes.
Vale a pena citar por exemplo o Professor Adriano Pimpão:
«Não existe, neste momento, nenhuma justificação para mais uma instituição de ensino superior, pública ou privada, e os políticos sabem disso.»

2. Prémio "assobiar para o ar"
Este galardão eventual vai seguramente para a reacção do PSD e do Governo em relação à mensagem parlamentar do Presidente da República de ontem sobre as finanças públicas. Para ver nela uma crítica à oposição, em vez da censura ao Governo que ela é, é preciso ter muita "lata", realmente.
Ainda por cima o Presidente foi desta vez muito claro e excepcionalmente crítico da política governamental nesta área. Trata-se de uma verdadeiro libelo, que leva ao limite a "magistratura crítica" do PR em relação ao Governo, correndo o risco de ser acusado de apadrinhar as críticas da oposição. Mas, para além de constatações irrefutáveis sobre o insucesso da política orçamental na correcção do défice das finanças públicas (descontadas as medidas de emergência, por definição efémeras), o Presidente faz suas algumas propostas assaz consensuais de muitos financistas e economistas independentes sobre a gestão das finanças públicas à margem de simples preocupações conjunturais, bem como sobre a insustentabilidade dos níveis de evasão e fraude fiscal entre nós, tanto de um posto de vista financeiro como de justiça social (visto que essa situação beneficia sobretudo de quem mais deveria pagar).
De registar a diversidade de reacções na imprensa, desde a crítica política de José Manuel Fernandes, no Público (link hoje indisponível) até ao aplauso do editorialista do Diário de Notícias, passando pela compreensão dos diários económicos, tanto do "Jornal de Negócios" como do "Diário Económico".
Citando Miguel Coutinho (Diário Económico):
«A mensagem que o Presidente da República enviou aos deputados, apesar do intrigante momento em que o faz, é um retrato fiel e verdadeiro da sucessão de nós górdios em que se transformaram as finanças públicas em Portugal.
O que Jorge Sampaio diz é de uma clareza cortante. Diz, no que é uma crítica frontal ao Governo, que a consolidação orçamental tem assentado, sobretudo, em dois vértices frágeis: medidas de contenção da despesa corrente de natureza transitória e receitas extraordinárias.»

3. "Malditas regiões"
Na sua crónica semanal no "Jornal de Negócios", Luís Nazaré, companheiro de aventura aqui no "Causa Nossa", volta a atirar-se ao mapa territorial do País que vai resultar da criação das novas figuras intermunicipais, neste momento em curso em Portugal, reeditando no essencial a condenação que já tinha expresso aqui no CN. O seu diagnóstico não podia ser mais severo e merece reflexão.
Como o tema é de grande importância e pode comportar outras perspectivas, vale a pena voltar ao tema. Numa próxima oportunidade.

Vital Moreira

terça-feira, 13 de janeiro de 2004

Regionalização barata?

Referindo o Causa Nossa, no Estaleiro Bruno Rocha junta-se ao Luís Nazaré, na crítica ao mapa regional. «Agora, através das Áreas Metropolitanas, entrega-se a formação do mapa administrativo do país a casamentos autárquicos motivados previsivelmente por relações e conveniências políticas! (...). É uma forma aparentemente barata de "regionalização". Mas eu sempre ouvi dizer que o é barato sai caro».
MMLM

Daniel Oliveira

Numa polémica ao retardador, pequena polémica que tinha levantado a propósito de alguns dos mais ilustres habitantes da blogosfera terem um discurso que criticavam a outros fora do espaço virtual, um dos mais temidos polemistas respondeu-me dizendo que o que me preocupava era aquilo que as pessoas pensavam do documentário e livro que realizei e escrevi sobre o meu pai.
O Daniel Oliveira, no seu subversivo e excelente Barnabé, num texto de Novembro a que deu o título de A Arte da Manipulação, escreveu vários considerandos sobre o público e o privado, considerandos esmagadores sobre moral, ética e deontologia.
Sei que gostar de uma pessoa passa por aceitar os defeitos e as virtudes, sobretudo porque as virtudes e os defeitos são feitos de material relativo, coisa que acontece com quase tudo o que nos faz ser assim e não de outra forma. Conheço e gosto do Daniel há muitos anos, desde as batalhas políticas pela conquista da associação do Liceu Pedro Nunes. Depois trabalhámos juntos e com resultados óptimos. Sempre lhe cobicei a rapidez de raciocínio e a muito inteligente ironia. Recordo até de o ver como um modelo... Tinha uns 16 anos e o Daniel era estagiário no velho Século. Pensava que o jovem revolucionário, apesar de execrar as gravatas, seria aquilo que quisesse ser no futuro... Aliás, alguns anos passados continuo a pensar exactamente o mesmo. Mas talvez seja tempo, deixo-te esse conselho, de retirares A Superioridade Moral dos Comunistas da tua mesa de cabeceira. Tira-o da mesa de cabeceira e depois tenta-o exorcizar de dentro de ti... Não és superior a ninguém e o contrário também é verdadeiro. Quando o perceberes as coisas serão muito mais simples. E repara: não te estou a dizer para viveres de acordo com outros padrões morais. Apenas a pedir-te para não impores o teu silício moral aos outros.

Ps: E já agora... O texto que escrevi não era directa ou indirectamente sobre o meu pai. Era uma forma de explicares o teu título?

Um abraço do
Luís Osório

Luís Borges

Querido Luís Filipe Borges. Li com espanto que vais deixar de escrever no teu Desejo Casar. Quero dizer-te apenas duas ou três coisas que possa partilhar com outros e que sejam pessoais ao mesmo tempo.
Trabalhámos durante algum tempo e, já o reconheci algumas vezes, foste um dos melhores profissionais com quem tive o prazer de privar. Depois, num qualquer dia disseste-me que estavas a pensar aceitar um convite do Nuno Artur Silva e das suas Produções Fictícias. Lembras-te do que me disseste? Que só trocarias o Benfica pelo Real Madrid e que as Produções eram para ti a encarnação do Santiago Barnabéu. Fiquei contente por ti e vagamente preocupado. Vagamente porque sempre entendi que a tua mais valia passava pela inquietude e que nessa sofreguidão do espírito acabarias sempre por encontrar o antídoto para as tentações que se adivinhavam. O dinheiro que tens ganho a escrever coisas que talvez te preencham pouco não te deve fazer desistir do que tens dentro. Por isso a minha surpresa. Quando tiveste de desistir de alguma coisa escolheste riscar o que verdadeiramente gostavas de fazer. As tuas opiniões, divagações e tudo o resto foram postas de lado porque tens muito trabalho? Não desistas assim meu querido amigo. Ainda não é tempo. Pelo menos não desistas assim.
Luís Osório

Os meus votos

Durante uns dias estive ausente de todos os sítios possíveis. Não me acontece muitas vezes, mas o princípio do ano pediu-me silêncio e resolvi obedecer. É estranho: o silêncio e a ausência, mesmo que seja uma ausência de dias, não tem um peso sequer semelhante a qualquer outro tempo. Hoje, qualquer fuga é paga com um enorme sentimento de culpa... E cada vez nos sentimos mais culpados por coisas que não estão ao alcance do nosso entendimento. Somos culpados de quê? Somos escravos do quê?
Por outro lado, ainda bem que estou de volta. Nos meus sítios possíveis sentiram a ausência e o silêncio. Não me acontece muitas vezes, mas o princípio do ano ofereceu-me um certo apaziguamento. Excelente forma de tudo (re)começar.
Luís Osório

Serviço público ou mercantilização?

1. Uma carta
Ainda a propósito da reforma dos hospitais públiccos, recebi o seguinte comentário de um leitor:

«Li atentamente a sua nota "o espírito do serviço público"; concordo no essencial com a sua reflexão. No entanto, a actual "reforma dos hospitais" tem como principais objectivos: criar condições para que os Hospitais SA aumentem o seu capital inicial à custa do seu património (terrenos, instalações), permitindo-lhes recorrer a empréstimos bancários para colmatar as dívidas contraídas e assim ajudando o governo de uma forma habilidosa a manter o défice; que os Hospitais SA vão buscar novos financiamentos aos seguros e subsistemas, criando utentes de 1.ª e de 2ª.
Basta conhecer os contratos programa para perceber que os Hospitais SA são penalizados se ultrapassarem a produção contratada para os utentes do SNS, tendo uma folga para contratar doentes dos subsistemas e seguradoras. O que está em causa é a mercantilização do sistema e não o espírito do serviço público.»
[Rui Lourenço]

2. E a minha resposta
Obrigada pelo seu comentário. É pelas razões que invoca e por outras, ainda mais graves, que podem surgir, que me parece que a discussão é importante e que a regulação, acompanhamento e avaliação, públicas e transparentes, são indispensáveis (ver o Editorial de Amílcar Correia no "Público" - A vocação dos hospitais).
Não sou contra os novos métodos de gestão dos hospitais, se eles melhorarem o serviço público prestado (e para isso é indispensável conservar o espírito de serviço público, referido por Dahrendorf). Mas qualquer reforma não pode também esquecer um pressuposto básico: o de que os recursos financeiros para qualquer serviço público (saúde, justiça, educação) não são ilimitados, devendo ser usados da forma mais eficiente. Por isso, verifiquei com agrado que a experiência pioneira do Hospital de Santa Maria da Feira tinha tido resultados positivos. É cedo para tirar conclusões sobre o pacote dos hospitais SA, mas não para estar atento ao que está a acontecer. Vejo, com agrado, que esse é o seu caso
Maria Manuel Leitão Marques

Carta de um (autoqualificado) fascista

1. «De cara ao sol e braço ao alto»
Não resisto a publicar, por inteiro (omitindo só o nome do autor), o seguinte e-mail que há pouco recebi:

«Exmo Sr. Dr.,
Li no blogue onde escrevinha, a sua resposta à carta do Tenente-Coronel piloto-aviador Brandão Ferreira [ver aqui o meu post] e juro-lhe que não queria acreditar no que estava a ler!!!
De facto como diz um grande amigo meu "quem sabe nunca esquece". Então o senhor pelo facto de não concordar com a prosa do Sr. Tenente-Coronel, ATREVE-SE a qualificar o texto do mesmo de "despautério", "discurso revoltante", "inacreditável", e mais grave do que toda esta adjectivação, é o facto do senhor perguntar-se como é que este texto "PODE ser escrito e publicado".
Eu digo-lhe porque é que este texto pode ser escrito e publicado, é porque graças a bons portugueses, entre os quais evidentemente não se incluem nem o senhor nem os seus companheiros de blogue, as vossas doutrinas marxistóides não triunfaram neste rectângulo à beira mar plantado.
O facto do senhor e outros como você terem abandonado o PCP pode enganar os incautos ou os distraídos, mas a pessoas como eu não engana o Sr. Dr.
Vossa Exe. continua a ser o que sempre foi, um marxistóide revoltado, autoritário e arrogante que como todo o lixo oriundo dessas paragens não admite que o contrariem. Nos bons velhos tempos talvez metendo uma "cunha" ao camarada Cunhal ainda conseguisse que o Tenente-coronel Brandão Ferreira fosse passar uma temporada nalguma "estância de férias" siberiana, como infelizmente para si os tempos mudaram agora até já é obrigado a ler artigos de "fascistas" em jornais de referência, é de facto inacreditável, ai, que saudades do Zé dos bigodes!!!!
Pois meu caro Doutor vá-se habituando, e desde já lhe digo, que por muitos "saltos de indignação-e de revolta" que o senhor e o seu amigo Joãozinho dêem, vão ter mesmo que levar connosco, os fascistas.
Apesar da constituição nojenta e vergonhosa que temos, e que proíbe os fascistas de serem cidadãos, a nós ninguém nos cala, desde 1945 que tentam e nós ainda cá andamos, altivos e orgulhosos, de cara ao sol e braço ao alto!!!
Passar mal [sic],»
[RP]

2. A liberdade dos fascistas em regime democrático
Além do mais, que é obvio, há duas outras coisas que me distinguem do autor desta carta: 1ª - eu não ataco nem insulto pessoas, critico e refuto ideias ou argumentos; 2º - eu não condenei o facto de o texto citado ter sido publicado, mas sim o facto de isso ter sucedido num jornal como o "Público", que a meu ver não surgiu propriamente para dar guarida a ideias fascistas ou afins.
A CRP proíbe organizações fascistas mas não proíbe ideias fascistas nem a sua expressão pública. Esteja portanto descansado o autor da missiva e os seus correlegionários. No regime democrático não existe censura para proibir os seus escritos, nem Pide para os prender pelas ideias, nem tribunais plenários para os condenarem por isso à prisão e à interdição profissional. E tudo isto está garantido na tal odienta Constituição que deputados constituintes como eu aprovámos em 1976.
Sinta-se portanto o autor da carta livre para ser e se comportar verbalmente como fascista, como nesta sua carta, desde que não passe aos actos... Isso de termos de "levar" com eles já fia mais fino. Alto aí! O regime democrático pode ser condescendente, mas não pode ser tolo!

Vital Moreira

Perguntas maliciosas

1. "Civilizações diferentes"
Mais uma pérola do inefável Alberto João Jardim. Segundo o "Expresso", ele declarou, a despropósito da situação da justiça: «Estou cada vez com menos pachorra para aturar este Estado e por isso quero uma autonomia mais avançada, para os senhores de lá não se incomodarem connosco e nós não nos incomodarmos com eles», avançou Jardim, concluindo: «são duas civilizações diferentes».
Pergunta: Por que espera Jardim para declarar a independência da Madeira, para ficar com uma autonomia ainda mais avançada?
(Aparte: O continente agradecia!...)

2. Governadores civis
Numa recepção aos governadores civis, o Primeiro-ministro «sublinhou a importância dos governadores civis como interlocutores do Governo junto das populações dos respectivos distritos», disse fonte do gabinete de Durão Barroso à agência Lusa (ver aqui).
Pergunta: Não é verdade que, tal como anunciado durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2002, o programa político do PSD inclui a extinção do cargo de governador civil, seguramente por ele se considerar desnecessário? Ou tratou-se de uma saudação piedosa para um despedimento colectivo anunciado?

3. "Legal e transparente"
A maioria governamental rejeitou a proposta de inquérito parlamentar apresentando pela oposição sobre o caso da transformação da entidade instituidora da Universidade Lusíada em fundação, contra-argumentando que se tratou de um processo "legal e transparente" (ver aqui).
Perguntas:
a) Se foi tudo "legal", por que é que foi preciso um acto legislativo individual para "legalizar" a operação?
b) E se foi transparente, por que é que foi decidido por um Governo com vários membros ligados à dita Universidade, em manifesto conflito de interesses?

4. Imunidades
O director-geral dos impostos determinou a isenção dos carros do Estado quanto ao pagamento de multas municipais «quando se encontrem em serviço».
Perguntas:
a) Pela mesma ordem de razões não seria de isentar o Estado de todas as contribuições, taxas coimas locais, libertando-o do horrendo despotismo municipal a que ele se encontra sujeito?
b) E por aplicação de um princípio de reciprocidade, não seria de isentar os municípios de todos os impostos, taxas e sanções estaduais, tudo como revolucionária medida de descentralização e autonomia municipal?

5. E se fossem eles?
Vários analistas desvalorizaram a gravidade da existência no processo Casa Pia de cartas anónimas e depoimentos avulsos a denunciar altas personalidades políticas, criticando mesmo o Presidente da República por ter ligado excessiva importância ao caso.
Pergunta: E se fossem elas mesmas as pessoas mencionadas nos tais depoimentos e cartas, continuariam elas a achar isso irrelevante?

6. A China "socialista"
Dizem as agências que o Governo chinês anunciou na semana passada que vai despedir mais de nove milhões de trabalhadores até 2006, no âmbito da última fase de reestruturação do sector público. «A pressão do desemprego sobre a economia chinesa manter-se-á durante os próximos 20 ou 30 anos», afirmou Zhang Silin, ministro do Trabalho.
Pergunta: O PCP, que anunciou uma visita próxima ao PC Chinês, ainda continua a considerar a China como um "país socialista"?
(Aparte: Bizarro "socialismo", esse!).

Vital Moreira

Blogposts nocturnos (5)

1. Favoritismo (I)
Ficou agora a saber-se que, sem qualquer anúncio público, pela calada dos acordos discretos, o Ministro Pedro Lynce tinha ampliado o privilégio da concessão do serviço público à Universidade Católica de Viseu, de modo a contemplar o curso de Medicina Dentária, que antes não estava abrangido. Deste modo, o Estado passa a suportar o diferencial entre as empoladas propinas da UC e as propinas do ensino público (resta saber se tendo em conta o montante mínimo ou máximo legal destas...).
Trata-se de um acto singular de privilégio e uma evidente operação de favoritismo dessa universidade, que obviamente voltou a "capturar" em seu proveito o departamento do ensino superior. Resta saber o que fazem o Tribunal de Contas e a PGR, os quais, recorde-se, têm a seu cargo a defesa da legalidade financeira e administrativa (embora a segunda pratique pouco).
Note-se que o acordo é tão reservado que não se encontra sequer mencionado nem no website da UCP nem no do Ministério do Ensino Superior.

2. Favoritismo (II)
Um parecer oficial do Conselho Consultivo da PGR - que se pode ver aqui -veio confirmar o que toda a gente sabia, ou seja, a ilegalidade do despacho de Pedro Lynce que permitia a entrada da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros no curso de Medicina, ao abrigo de um esquema excepcional cujos requisitos ela não preenchia. Esse acto custou a demissão dos dois ministros, que pagaram assim politicamente a leviandade do favorecimento. Mas o director-geral do ensino superior, que agenciou o tratamento de favor e elaborou o frustrado parecer em que se fundou o acto ilegal, continua em funções. Nem teve a hombridade de se demitir com o ministro cuja queda causou nem foi demitido pelo sucessor daquele (trata-se de um cargo de livre nomeação e exoneração). Há alguma moralidade nisso? Cesteiro que faz um cesto...

3. A honra perdida da ministra das Finanças
O cambalacho da isenção retroactiva do "pagamento especial por conta" (PEC) dos taxistas constitui um fundo golpe na imagem de rigor da Ministra das Finanças. Na verdade, é uma verdadeira imoralidade. Uma vez que aquela medida visava introduzir alguma moralidade em sectores onde quase ninguém paga impostos (e tal é o caso dos táxis), a endrómina que acabou na sua isenção dessa obrigação, incluindo a devolução das importâncias já pagas, destroça qualquer ideia de coerência financeira e de igualdade dos contribuintes. Como é que os demais sectores, não beneficiários da generosidade governamental, podem ficar quietos?
É evidente a cedência à força desestabilizadora dos taxistas. O Governo teve medo e desarmou a contestação à custa do erário público, da igualdade entre os cidadãos e da honra da Ministra das Finanças. Tudo indica que não foi uma boa troca...

Vital Moreira

segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

A catedral da Câmara Municipal de Lisboa

Sob a manchete «Niemeyer vai desenhar nova catedral de Lisboa» na 1ª página do semanário "Expresso" de sábado passado, a peça jornalística começa assim: «Pedro Santana Lopes vai convidar o arquitecto brasileiro Óscar Niemeyer para projectar a nova catedral de Lisboa».
Esfreguei os olhos de incredulidade. Como? Num Estado constitucionalmente laico é o presidente de um município que se encarrega de contratar o arquitecto de um templo? Depois, lá mais para o interior do artigo, sempre se diz que a decisão cabe, como não podia deixar de ser, ao patriarcado de Lisboa, que é o "dono da obra". Afinal a revelação inicial sobre o convite não passa talvez de uma operação de propaganda pessoal do presidente da CML, com a prestimosa cooperação do "Expresso".
Mas, bem vistas as coisas, a questão não é tão inocente como isso. A simples admissão, sem escândalo público, de que o Estado ou os municípios possam assumir responsabilidades na construção de uma catedral (ou templo de qualquer religião) testemunha a degradação do respeito pelo princípio da separação entre o Estado e as igrejas no nosso país. De facto, os templos e demais edifícios religiosos devem ser um assunto das respectivas igrejas. Não compete ao Estado nem aos municípios nenhum papel nesse âmbito, salvo as comuns funções municipais em matéria urbanística. Não se imiscua portanto o presidente da CML em assunto estranho às atribuições municipais.
Já bastam as violações correntes do princípio da separação (exibição oficial de símbolos religiosos nas escolas públicas, cerimónias religiosas encomendados por organismos oficiais, ensino religioso a cargo e a expensas do Estado, lugar protocolar especial dos dignitários da Igreja Católica, etc., etc.). Só nos faltava que os poderes públicos se encarregassem de construir igrejas. A poucos anos do centenário da implantação da República, corremos o risco de o celebrar sobre os escombros de uma das suas mais eminentes conquistas civilizacionais.

Vital Moreira

O espírito do serviço público

Empresarializar ou não a gestão de alguns serviços públicos, como os hospitais, tem suscitado, por um lado, as críticas mais radicais, sem qualquer abertura para eventuais vantagens desta reforma, e, por outro, a adesão sem restrições às opções tomadas pelo Ministro da Saúde, sem concessão aos seus riscos.
Creio que qualquer das posições pode ser perigosa. A primeira, porque ignora que há um problema a resolver, o da eficiência da gestão pública. E a segunda, porque corre o risco de desvalorizar que é preciso avaliar a bondade da solução. Ambas as posições partem de dogmas e preconceitos que é preciso ultrapassar. Fazê-lo significa admitir que a gestão pública, nos formatos tradicionais, nem sempre tem constituído a forma mais conveniente de organizar a prestação de serviços públicos e que o seu custo é por vezes desproporcionado em relação à qualidade do serviço prestado. E, ao mesmo tempo, implica não esquecer que a gestão empresarial não é uma receita mágica, económica e eficiente por definição, e que pode não ser sempre a solução mais adequada aos objectivos dos serviços públicos.
Mas para além disso, reformar ou não os serviços públicos, escolhendo um modelo empresarial ou qualquer outra solução, implica previamente responder a uma questão básica - mais difícil do que se pensa -, que é a de saber: «quando é que os serviços públicos estão a funcionar mal?»
No Público de ontem Ralph Dahrendorf tocava no essencial desta questão. O conhecido sociólogo germano-britânico refere que há serviços públicos, como a saúde ou a educação, que devem ser «avaliados de forma mais complexa do que através da obtenção de objectivos mensuráveis» e sublinha a importância da avaliação por parte dos interessados, feita por associações de utentes, mesmo que «fracas e vistas como maçadoras pelos profissionais». O retorno ao espírito de serviço público - a qualidade e o espírito dos que gerem e trabalham nos serviços públicos, não apenas por «interesse próprio ou por caridade», como se ensinava nas grandes escolas francesas - também é sustentado pelo autor.
Eis uma excelente proposta para ser discutida. Afinal, a reforma dos hospitais é somente um exemplo de um paradigma que já foi experimentado em outros serviços públicos (alguns institutos, no final dos anos oitenta) e irá provadamente ser ensaiado em outros casos.

Maria Manuel Leitão Marques

domingo, 11 de janeiro de 2004

O horror regional

Só este fim-de semana me dei verdadeiramente conta do que os novos poderes estavam a tramar em matéria de organização administrativa do país. O mapa que o Expresso publica sobre a "nova regionalização", fruto dos arranjos inter-comunitários da nova lei sobre o ordenamento do território, é profundamente inquietante. Já suspeitava que esta legislação, inspirada pela clarividente cabeça do ex-ministro Isaltino, iria resultar num desastre. Mas ninguém imaginaria que o horror pudesse atingir as proporções que se desenham, perante o mais estranho dos silêncios da classe pensante, o desconhecimento do povo e a inacreditável complacência informativa dos media.
Os mesmos que combateram o projecto de regionalização e que animaram os espantalhos do caciquismo e do despesismo regional deveriam agora dizer o que pensam desse novo mapa que Durão Barroso se prepara para inaugurar, já amanhã, com a nóvel Comunidade Urbana do Vale do Sousa (soa bem, não soa?). Em vez das cinco regiões que a direita, as elites urbanas e o povo chumbaram em referendo, teremos mais de vinte, contra os actuais dezoito distritos e a desejável lógica de racionalização administrativa que os tempos recomendam.
Por ora, deliciemo-nos com o futuro mapa. O Algarve, como sempre, mantém a sua lógica própria. As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mais concelho menos concelho, serão o que já eram. Mas o que dizer do esquartejamento do resto do país, onde o Minho vai ser partido em três regiões, o Douro Litoral noutras tantas, o vale do Tejo em Oeste, Lezíria e Médio Tejo (além de Lisboa), o Alentejo cindido em quatro pedaços e os sobrios distritos de Coimbra, Leiria (embora com o território reduzido pela independência do Oeste) e Aveiro promovidos à ridícula condição novo-rica e enganatória de "grandes áreas metropolitanas"?
E ninguém nos pergunta nada? Nem ninguém contesta a irracionalidade e a falta de estética do futuro mapa administrativo da nação? Ou estamo-nos todos nas tintas?

Luís Nazaré

Distinguir o que é distinto

Uma coisa são os factos que são notícia - porque são significativos e de relevante interesse público. É o caso da anexação ao processo da Casa Pia de cartas anónimas visando o Presidente da República e o comissário Vitorino. É também o caso da apresentação às testemunhas de fotografias de importantes figuras do Estado e da Igreja. Nenhum segredo de justiça justifica, por razões técnicas ou outras, a ocultação destes factos e abusos judiciais. Todos temos o direito de conhecê-los.

Outra coisa, porém, é o aproveitamento alarve e eivado do sensacionalismo mais inqualificável - como é prática habitual nos noticiários da TVI - de declarações de testemunhas, com a descrição pormenorizada de actos sexuais que teriam sido praticados por alguns dos acusados no processo. Qualquer mente minimamente esclarecida, sabe distinguir perfeitamente as duas coisas e não confunde aquilo que é notícia com aquilo que é mero vómito informativo, sem qualquer relevância e interesse público.

É óbvio que aos novos aspirantes a censores não convém fazer a destrinça entre uma coisa e outra, no que são acompanhados, naturalmente, pelos produtores dos vómitos informativos. As recentes declarações de José Eduardo Moniz, director da TVI, em defesa da liberdade de informação são, por isso, de uma revoltante hipocrisia. Mais: são um nojo equiparável ao nojo que ele faz passar nos seus noticiários, em busca de audiências.

Combater a deriva do sensacionalismo nos media não passa por um qualquer aparelho censório. Sabe-se onde começa a censura mas não se sabe onde é que acaba. Aqui impõe-se, pelo contrário, a existência de uma entidade reguladora com poderes eficazes e transparentes (como não é o caso da actual Alta Autoridade para a Comunicação Social). E impõe-se, como é evidente, uma celeridade maior na aplicação das leis existentes - uma vez que se trata de crimes abrangidos também pela legislação geral. Se essas leis forem aplicadas com a severidade indispensável, os exploradores do lixo televisivo e impresso encontrariam motivos para pensarem duas vezes. Uma vez que, como está definitivamente comprovado, nenhuma auto-regulação será praticada por quem vive do exercício impune da desregulação selvagem.

Vicente Jorge Silva

O sono dos justos e os monstros da razão

O processo da Casa Pia está a ter efeitos demolidores não só no sistema de justiça e no estado de direito, mas no próprio bom senso e na sanidade mental de muita gente responsável. À confusão de valores juntou-se a confusão sobre a natureza das coisas, mesmo quando elas são completamente distintas. E como a liberdade é o mais precioso dos bens mas também o mais vulnerável, começou já atacar-se a liberdade a pretexto de defender o segredo de justiça. Sintoma revelador: a tentação censória tomou de assalto alguns espíritos até aqui insuspeitos de inclinações autoritárias.

Veja-se o artigo (oportunamente desmontado por Vital Moreira e Miguel Sousa Tavares) em que Pacheco Pereira leva as suas velhas obsessões conspirativas a um ponto delirante e de manifesta má-fé intelectual. Veja-se a recente intervenção parlamentar de Assunção Esteves, presidente da comissão de Assuntos Constitucionais, visando a restrição da liberdade de imprensa. Mas veja-se, sobretudo, porque o assunto foi menos falado, o convite explícito que o bastonário da Ordem dos Advogados dirigiu aos jornalistas no sentido de estes se "censurarem" (sic). A propósito: já se reparou como José Miguel Júdice fala cada vez mais e parece perdido na lógica e coerência das suas sucessivas declarações?

Como o processo da Casa Pia entrou em rédea solta e atingiu um grau de puro surrealismo judicial (vide os episódios das cartas anónimas e do álbum de fotografias apresentado às testemunhas), a lucidez das mentes parece também ter já sido contaminada pelo vírus da surrealidade e pelo pânico desta corrida para o abismo. Que é que está em causa, afinal? Os factos ou as notícias sobre os factos? Protegidos pelo segredo de justiça, os factos deixariam de sê-lo - ou só passariam a sê-lo quando o processo se tornasse público? E então? A solução (bem provisória e ilusória) será esconder os factos - e factos de uma gravidade inusitada - em nome do segredo de justiça (que, aliás, não tem aqui qualquer relevância) e permitir a ocultação de situações de inexplicável e absurdo arbítrio judicial?

Como já foi lembrado, antes punha-se o acento tónico na necessidade de rever os prazos do segredo de justiça, de modo a contrariar a manipulação das fugas de informação. Agora,
defende-se o contrário. Antes, pretendia-se a transparência total, agora quer-se tapar o sol com a peneira. Será que dormiremos o sono dos justos enquanto o sono da razão judicial vai gerando novos monstros?

Vicente Jorge Silva

sábado, 10 de janeiro de 2004

"Quadratura do círculo" (bis)

Respondendo às minhas observações sobre o desequilíbrio da composição do programa de debate político agora rebaptizado com o nome em epígrafe, J. Pacheco Pereira recorre à história do Flasback para mostrar que ele teve uma composição política variável, sem ligação orgânica ao trio PP-PSD-PS. Penso que isso é assim para uma primeira fase do programa, mas que as coisas mudaram desde que a susbtituição de Nogueria de Brito por Lobo Xavier tornou claro que se tinha consolidado a lógica da representação "oficiosa" de certas áreas políticas. Tudo indica que a mesma lógica se imporia necessariamente, se porventura algum dos outros intervenientes deixasse o programa. E factos são factos: há dois representantes da direita e somente um da esquerda (o que entre outras coisas confere a JPP o privilegiado lugar central...). De resto, não encontro razão para concordar com JPP quando ele duvida «que, se o Flashback tivesse a preocupação de assegurar uma representação ao espelho do parlamento, conseguisse a variabilidade de posições e discussões que por lá passaram.» O senso comum levaria a esperar o contrário.

Vital Moreira

Norberto Bobbio

Morreu Norberto Bobbio (1909-2003) - dados biográficos e bibliográficos aqui e aqui -, um dos mais influentes pensadores italianos das últimas décadas e uma das personalidades mais relevantes do pensamento político europeu do século XX. Formado em Direito e em Filosofia, ele foi sobretudo um filósofo doDireito, com uma obra que faz parte das referências obrigatórias neste domínio. Mas foi também um grande pensador da política, com contribuições indispensáveis sobre a teoria da democracia e dos direitos humanos e sobre a harmonização entre o pensamento liberal e o pensamento socialista, ou seja, entre o liberalismo político e os direitos sociais, numa síntese entre a herança de Marx e a tradição liberal, a que poderíamos chamar socialismo liberal ou liberalismo social, que mais não é do que uma revisitação teórica da tradição socialista e social-democrata europeia.
Por minha parte penso que entre os pensadores que correspondem aos princípios básicos da "Causa Nossa" se encontra seguramente Norberto Bobbio. Fica-nos a sua obra.

Vital Moreira

Revoltante!

Foi o meu estimado colega e amigo prof. João Vasconcelos Costa, no seu blogue "Professorices" - dedicado especialmente aos temas do ensino superior, que desde há muito o interessam como a poucos -, que me chamou a atenção para o despautério ontem aparecido no "Público", intitulado "Não Pagamos",
Não, não é nenhum texto de algum dirigente estudantil contra as propinas, o que seria trivial. O seu autor é um tenente-coronel na reserva, radicalmente crítico da oposição estudantil às propinas, o que em si também não seria digo de especial atenção. Eu próprio critiquei a atitude e o radicalismo das formas de luta estudantis nos últimos tempos.
O que choca no referido texto é o facto de o autor ter aproveitado a ocasião para um discurso retintamente reaccionário acerca das lutas estudantis contra o Estado Novo, quando aliás os estudantes não lutavam contra as propinas (tanto ou mais pesadas como hoje), mas sim por valores tão pouco venais como a liberdade e a democracia, o fim da guerra colonial, a democratização e a autonomia da Universidade.
Veja-se esta inacreditável passagem desse texto, digna de qualquer saudosista do regime autoritário:

«Subverteu-se [depois do 25 de Abril de 1974] toda a casta de autoridade fazendo-a filha de práticas "fascistas"; conotou-se a ordem e a disciplina com normativos ditatoriais e instalou-se no córtex das pessoas que elas só tinham direitos e deveres nenhuns. Finalmente promoveram-se a lugares de responsabilidade pessoas que pelo seu passado, ou criaram anti corpos relativamente às organizações que tutelam ou estão à partida diminuídos ou inibidos de exercerem os seus cargos. Por exemplo um célebre estudante que por várias vezes fugiu à frente dos cassetetes da polícia e mais tarde veio a ser Ministro da Administração Interna, ou o cidadão que aquando da crise académica de 1969, aquando da inauguração da faculdade de matemática em Coimbra se gabava de ter "apalpado" o fundo das costas ao então Presidente da República e mais tarde, feito Secretário de Estado.»

É evidente a referência directa a, respectivamente, Alberto Costa e a Alberto Martins (antigos dirigentes estudantis que chegaram a ministros no regime democrático, em governos do PS), com algumas falsidades à mistura, como a alegada participação do segundo em qualquer humilhação física de Américo Tomás.
Nesta mesma linha, o autor poderia ter acrescentado vários outros casos de perigosos agitadores estudantis dos anos 60-70 que chegaram a altos cargos políticos no regime democrático, incluindo, acima de todos, um que chegou mesmo a Presidente da República (entenda-se: Jorge Sampaio)! Como é que Portugal pode estar sujeito a ter nos mais altos cargos políticos (que deveriam estar reservados para pessoas bem formadas) duvidosas personagens que desafiaram a autoridade legítima do Estado Novo, as cassetetes da polícia de choque e o seu braço protector, a PIDE !? De, facto todos deveriam ser «inibidos de exercerem os seus cargos», como estatui o zeloso tenente-coronel.
Trata-se de um discurso revoltante, cujo aparecimento está porém em sintonia com os sinais dos tempos que correm. Independentemente dos critérios editoriais do "Público", é inacreditável como um discurso retintamente provocatório e odiento como este (note-se a chocante referência à «fuga à frente das cassetetes da polícia») pode ser escrito e publicado hoje em Portugal num jornal sério (ainda por cima escrito num Português periclitante). Decididamente, o revisionismo ideológico da ditadura, aliás com cobertura em certas esferas governamentais de hoje, ainda está para nos reservar desagradáveis surpresas como esta...
Tens razão, João, é caso para um "salto de indignação" -, e de revolta!
[Na imagem: Coimbra, 1969]

Vital Moreira

sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

Não dobrar a língua

Caro Vicente

A tua excelente carta à Ana Gomes leva-nos sempre a pensar que muitas pessoas (jovens e mulheres, sobretudo) se afastam do exercício de cargos políticos precisamente por isso: por temerem que nunca ou quase nunca vão poder exprimir-se com franqueza (geralmente, considerada como politicamente incorrecta ou ineficaz).

Mas talvez não seja bem assim. Existem casos exemplares a provar o contrário. Na interiorizada e velha democracia inglesa, o Mayor de Londres, Ken Livingstone, é de outro género. Já ocupou o cargo duas vezes, uma em nome do Labour e outra como independente (eleito contra o Partido e, por isso, foi dele expulso). Acaba de ser readmitido no PT por Tony Blair, que assim pretende assegurar a vitória nas próximas eleições.

Dizem que Livingstone teve de dar garantias ao partido de que seguirá escrupulosamente as regras definidas pela direcção. Mas, como se relata no Público, o "mayor" deixou entender ontem à BBC que manterá aquela que é a sua característica mais distinta: dizer exactamente o que pensa e com as palavras que escolhe: "Nunca tive de dobrar a língua. Sou aquilo que sou."

Maria Manuel Leitão Marques

A conspiração

O processo Casa Pia ameaça pôr à prova os limites da imaginação conspirativa.
A propósito da fuga da notícia das cartas anónimas constantes do processo, citando entre outros o nome do Presidente da República, há agora a teoria da conspiração por conta dos acusados e do PS. Como essa notícia só podia beneficiar a defesa, desacreditando a acusação, estão encontrados os culpados...
Nesta linha J. Pacheco Pereira, ontem no Público e depois no Abrupto, procedeu a uma meticulosa montagem de dados para reconstruir esta alegada conspiração socialista destinada a descredibilizar a acusação. Porém, como mostra hoje Miguel Sousa Tavares, no mesmo Público, a fuga só pôde existir porque as cartas estão lá, escritas e enviadas por alguém e, depois, colocadas no processo pelo Ministério Público, sabendo que elas haveriam de vir a público mais tarde ou mais cedo. A nova teoria da conspiração - destinada obviamente a contra-atacar a "teoria da cabala" do PS - está portanto fatalmente incompleta. A não ser que os defensores dela dêem o passo que até agora não tiveram a coragem de dar, mas vão deixando nas entrelinhas, ou seja, a de que as próprias cartas se poderiam dever também aos autores da cavilosa conspiração. E retrospectivamente seria de supor também que já teria sido o próprio PS a contratar o depoimento que envolveu Ferro Rodrigues. Tudo somente para lançar a confusão!
A teoria da conspiração socialista tem ainda a vantagem de ilibar as fugas de informação que ao longo do processo saíram contra os arguidos, bem como as operações de contra-informação cirurgicamente lançadas, como a que recentemente se referia aos alegados sinais biológicos que comprometeriam o deputado Paulo Pedroso.
Outro efeito da teoria da conspiração é o branqueamento do Ministério Público e das deficiências da investigação, que podem comprometer, elas sim, o êxito da acusação. O director do "Público" José Manuel Fernandes - insuspeito de simpatias com o PS nesta questão - escreve hoje a respeito deste ponto:
«(...) torna-se cada vez mais evidente que a forma como a investigação foi conduzida, sob a responsabilidade do Procurador-Geral da República, criou um monstro processual que é uma inesgotável "caixa de Pandora". Não me surpreenderia pois que tudo um dia acabasse como o processo da FP-25: com uma juíza a mandar os réus em liberdade dizendo-lhes que está convicta da sua culpabilidade mas sem provas no processo para os condenar. A incompetência e a leviandade são, para nossa desgraça, defeitos generosamente distribuídos por amplos sectores do aparelho judicial e, se no passado assistimos a tantos casos lamentáveis, o mediatismo do actual e o horror dos crimes cometidos não é garantia que termine melhor. Pior: os sinais que há muito venho denunciando de uma excessiva concentração de poder no Ministério Público, associado a manifestações de justicialismo anti-classe política, são hoje ameaças ao nosso Estado de Direito. »

Vital Moreira

Enviesamento político da televisão

1. Uma carta
De um leitor (Rui Silva) recebi uma carta a contestar o meu post sobre o predomínio de políticos-comentadores de direita na televisão. Diz ele no essencial:

«(...) Como deve calcular, discordo consigo. Ou melhor, o seu relato dos factos é correcto: de facto, a maioria dos comentadores "high profile" são de direita. A sua interpretação (que está apenas implicita...) é que não é. Para analisarmos este problema temos de nos perguntar: que tipo de comentadores é que os "media" desejam?Comentadores que se limitam a repetir as "party lines" ou comentadores com um pensamento e uma acção autónoma das dos partidos? Vozes "engagées" (corrija-me o francês!) ou vozes autonómas e independentes?
É óbvio que os "media" (com razão ou sem ela) preferem os segundos pelo brilho, pela originalidade e pela independência das suas posições.
Se observar os comentadores de direita que enumerou vê que quase todos eles (Marcello Rebelo de Sousa, José Pacheco Pereira e Pedro Santana Lopes) têm, goste-se ou não delas, opiniões e acções que divergem muitas vezes das do partido a que pertencem. Hoje em dia, observamos que este espírito de independência está à direita.
(...) Por outro lado, há um problema de promoção pessoal. As pessoas da esquerda que se promovam melhor nos media, ora essa!
PS. Já agora, o Miguel Sousa Tavares em que lado o põe? Na esquerda ou na direita?»

2. Resposta
Para mim é evidente que no caso do Flashback, para além da sua indicutível qualidade pessoal, os três protagonistas estão lá primordialmente para representar qualificadamente três diferentes perspectivas políticas, correspondentes a outras tantas áreas políticas, e por isso mesmo são todos agentes políticos (aliás, o VLX foi preencher a vaga de um anterior representante do PP). Ora, considerando que o arco político nacional não compreende somente essas três áreas, existe, portanto, uma deliberada exclusão dos pontos de vista à esquerda do PS. Isto para além do desequilíbrio a favor da direita (2 contra 1).
O mesmo se passa com os políticos-comentadores televisivos (aliás um fenómeno sem muito paralelo noutros países, onde predominam os debates pluripartidários). Eles estão lá enquanto agentes representativos de certas áreas politicas, e por isso existe igualmente um manifesto desequilíbrio a favor do PSD. O alegado "mercado dos comentadores" - são os "melhores" - não chega para justificar esta preferência das estações privadas. Mesmo quando alguns destes comentadores divergem da orientação partidária, essa divergência tem somente a ver com o melhor modo de prosseguir os interesses partidários, não significando por isso independência partidária. Por outro lado, não é possível acreditar que na esquerda não existe ninguém com suficiente gabarito para o efeito. Aliás, recordo que nos debates dominicais entre Santana Lopes e José Sócrates na RTP 1, que o primeiro abandonou para ir a solo para a SIC, não me consta que o segundo ficasse a perder (para dizer o menos...).
De resto, existe um dever político e ético de pluralismo político da televisão - que é um mercado limitado, com licença pública -, que neste aspecto a televisão não está a respeitar.
Não mencionei o Miguel Sousa Tavares, simplesmente por que ele é um jornalista profissional, sem actividade política e sem filiação partidária conhecida, pelo que não pertence ao mesmo "campeonato" dos políticos-comentadores.

Vital Moreira

Maré de elogios

Depois do Mar Salgado, foi a vez do Ter Voz - um blog vivíssimo e assaz pluralista de malta do PS, que eu, aliás, não conheço pessoalmente - elogiar o Causa Nossa. Jiminy Cricket resolveu brindar-nos com um espicho monumental. «Imprescindível», diz ele.
Tanto aplauso só pode causar embaraço aqui no CN. Tanto mais que com uma audiência em crescimento constante (a atingir nesta altura mais de 1000 visitas diárias) as nossas responsabilidades são cada vez maiores...

Correcção

Na Rua da Judiaria Nuno Guerreiro corrige a fonte que serviu de base ao meu post "crimes de guerra" de ontem. É evidente que não me dei conta de que a notícia, cuja fonte indiquei com um link, não tinha fundamento; e, confesso, tendo em conta as violações dos mais elementares direitos humanos que as forças israelitas têm cometido nos territórios ocupados, já estou predisposto a aceitar como verdadeiras todas as barbaridades alegadamente cometidas nesta guerra atroz (aliás, de lado a lado).
Mas factos são factos. Aqui fica feita a correcção, com as devidas desculpas. O post deve ser dado como não escrito. Prouvera não ter de o repetir perante notícias verdadeiras. Infelizmente, é uma ilusória esperança ...

Vital Moreira

"Nova referência"

No Mar Salgado Nuno Mota Pinto saúda o "Causa Nossa", que «está a transformar-se numa nova referência da blogosfera pátria».
Registo e agradeço a galhardia. Pela minha parte também me apraz antever «interessantes discussões, algumas concordâncias e muitas discordâncias (...)». Felizmente é disso que é feito o debate intelectual e político.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

Fontes

A propósito da controvérsia do véu islâmico, um leitor (Nuno Figueiredo) recorda uma citação de John Stuart Mill, que considera especialmente pertinente:

"The only freedom which deserves the name is that of pursuing our own good, in our own way, so long as we do not attempt to deprive others of theirs, or impede their efforts to obtain it...The only purpose for which power can be rightfully exercised over any member of a civilized society against his will is to prevent harm to others. His own good, either physical or moral, is not sufficient warrant." ( in "On Liberty", John Stuart Mill, 1989).

Com efeito. Em matéria de liberdades fundamentais vale sempre a pena remontar às fontes mais genuínas do pensamento liberal-democrático.

Crimes de guerra

A notícia não podia ser mais clara: "Soldados israelitas incendeiam campo de refugiados em Rafah"
E depois esclarece-se que militares israelitas que guardavam um colonato judaico na Faixa de Gaza lançaram fogo a um campo de refugiados palestinianos vizinho, em Rafah, acabando por matar a tiro um homem que se encontrava em casa. Um terrorista -, pensarão imeditamente os fãs de Sharon. Não, de todo: de acordo com familiares e testemunhas, «o homem, de 42 anos, encontrava-se a fechar uma janela da sua casa, quando os soldados de um posto de observação do campo de Rafiah Yam o alvejaram».
Aos que só vêem os atentados dos extremistas palestinianos, convém perguntar quantos candidatos a terroristas não serão gerados por estes actos terroristas do exército de ocupação israelita.

Mercado da saúde

A notícia de que alguns hospitais empresarializados (vulgarmente conhecidos por "hospitais SA") estão a negociar com companhias seguradoras acordos que poderiam prever cláusulas de tratamento preferencial, incluindo por exemplo, a não sujeição a listas de espera, parece implicar uma discriminação contra os doentes do SNS. Ora isso não seria compatível com o lugar desses hospitais como estabelecimentos do serviço público de saúde.
Não estão em causa os acordos para conquistar doentes do sector segurador. Depois da sua empresarialização, os hospitais passaram a fazer parte de um "mercado de saúde", estando no seu papel conquistar "clientes" fora do SNS, em concorrência com os hospitais privados e mesmo os outros hospitais públicos. Mas isso não pode ser feito à custa dos doentes do SNS, financiados pelo Estado, violando o princípio da acesso universal e da não descriminação. De outro modo, os hospitais poderiam envolver-se crescentemente com o lucrativo sector dos seguros, expulsando para os outros hospitais públicos os doentes do SNS.
Eis um problema que tem de ser encarado pelo Governo, que é o dono deles, e se tais cláusulas forem para a frente, não pode deixar de ser tratado pela Entidade Reguladora da Saúde. Começa a sentir-se a sua falta. Entretanto, seria conveniente não criar factos consumados, aproveitando a demora na sua instalação.

Vital Moreira

"Quadratura do círculo"

O "Flashback", que deixou lugar cativo na história da TSF e dos programas de debate político na rádio, está de volta, agora na SIC Notícias, com o nome de Quadratura do Círculo, com os mesmos protagonistas, a saber, A. Lobo Xavier (PP), J. Pacheco Pereira (PSD) e José Magalhães (PS).
Só é pena que, numa expressão desequilibrada do espectro político, o programa figure dois participantes da direita contra um da esquerda, com óbvia falta de representação dos pontos de vista à esquerda do PS. Aliás, estaria em melhor consonância com a "quadratura" do nome. Pior só a distribuição dos políticos-comentadores televisivos até agora, com três da direita (M. Rebelo de Sousa, P. Santana Lopes e, de novo, J. Pacheco Pereira) e somente um da esquerda (A. M. Carrilho).
Mesmo assim, longa vida para o ressuscitado Flashback. Num panorama em que o discurso político é dominado por monólogos mais ou menos couraçados, um programa de debate entre pessoas do gabarito destas só pode ser benvindo.

De novo o lenço de cabeça islâmico

No Turing Machine, Porfírio Silva contesta a minha posição e defende a proibição francesa do véu islâmico nas escolas. Infelizmente não tive conhecimento de um anterior post seu sobre o mesmo assunto, pelo que só agora me é dado comentar a sua posição.
O seu ponto de vista converge no essencial com o argumento feminista, sobretudo francês, embora não só. A proibição teria por razão de ser e justificação libertar as jovens islâmicas da opressão, religiosa e sexual, que o uso do lenço de cabeça significa para elas. Se elas não usam livremente esse atavio, a proibição legal de o usarem significa uma libertação.
Sucede que, mesmo não pondo em causa a tese da "opressão", eu não acredito em libertações à força, nem por via legal. Certamente que existem fenómenos de opressão "comunitária", que devem ser combatidos e punidos, como toda e qualquer violação de direitos fundamentais (sou favorável à vigência dos direitos fundamentais também nas relações entre particulares, cabendo ao Estado impedir e punir essas violações). De resto, esses fenómenos não existem somente no islamismo, mas virtualmente em todas as religiões, mesmo as menos fechadas (por exemplo, é livre a opção pelo sacerdócio quando as crianças entram nos seminários?). Por isso apoio todas as medidas legislativas e administrativas para punir o acto de forçar alguém a usar símbolos ou vestes religiosas.
Mas não acredito que todas as jovens islâmicas, ou sequer a maior parte delas, usem o lenço porque forçadas. Esse argumento não tem apoio nos factos conhecidos. Por isso, enquanto houver quem, livremente, quiser usar símbolos religiosos em público, sem que isso lese ninguém, não vejo por que é que não há-de poder fazê-lo, inclusive nos estabelecimentos públicos. Isso sucede em todos os países democráticos, sem escândalo ou conflito de maior.
Não se trata de "relativismo cultural"; trata-se de respeitar o direito à diferença pacífica e de privilegiar a liberdade individual (mesmo que condicionada por qualquer "obscurantismo religioso"), quando inofensiva. Ora a quem é que ofende o uso do lenço islâmico ou do kippa judaico ou da cruz cristã?
Obviamente isto não coonesta os fenómenos de proselitismo agressivo ou de utilização de factores religiosos com objectivos racistas. Mas, para combater os abusos de uma liberdade não se deve suprimir essa liberdade. Ou seja, para "libertar" quem usa o lenço forçadamente não se torna necessário proibi-lo a toda a gente, mesmo a quem o usa por convicção religiosa. Há maneiras menos radicais e porventura mais eficazes de alcançar aquele objectivo.
Lembro-me do radicalismo por exemplo dos que, entre nós, em 1910 proibiram os sacerdotes de usar vestes religiosas fora das igrejas e do extremismo dos que queriam em 1975 libertar o povo do "obscurantismo de Fátima", atacando as peregrinações. O resultado não foi propriamente exaltante. Entre o absolutismo proibicionista - claramente autoritário - e o relativismo individualista e social, eu prefiro claramente este.
Por outro lado, expulsar à força para fora da escola pública a diversidade religiosa é o caminho mais directo para a proliferação de escolas religiosas privativas, aliás tendencialmente pagas pelo Estado. E isso seria conferir o maior dos triunfos às posições comunitaristas e fundamentalistas.
Eis o fundamento das minhas posições nesta matéria. Mas não conto evidentemente convencer o meu opositor. Nestes temas as precompreensões de cada um não são facilmente contornáveis. O mais que podemos é racionalizar os argumentos e explicitar os valores por detrás deles. Foi o que aqui tentei de forma sumária.

Vital Moreira

Ainda Vítor de Sá

1. Uma carta aberta
Frederico Mira George dirige-me uma carta aberta no "Saudades de Antero", que agradeço e registo aqui:

«Esta coisa de opinar...
Olhando para o seu post sobre a morte do Vítor de Sá [aqui] e para o post do Pacheco Pereira no "Abrupto" [aqui], encontramos visões tão diversas, que saber pelas vossas opiniões quem foi V. de S., é pura coincidência. No entanto, é isso que é fantástico na vida, não haver "verdades", as coisas são mesmo como nós as vemos. O que ficará para a história da resistência ao fascismo, do 25 de Abril, do 25 de Novembro e por aí a fora, assim como da participação política e profissional do Vítor de Sá, realmente ninguém sabe. E isso é bom. Muito bom. Irónico desfecho historicista da vida de um historiador.»

2. Um breve comentário
Como se sabe, a opinião sobre as pessoas é sempre parcelar e subjectiva. Mas eu conheci de perto o Vítor Sá, embora efemeramente, ao contrário de JPP, que além disso não conseguiu resistir a reflectir a sua animosidade anti-PCP. Mais importantes dos que as opiniões são os factos. E no caso do VS, eles são indiscutíveis e impressionantes; o próprio Pacheco Pereira os refere extensamente na biografia que fornece de VS nos "Estudos sobre o comunismo" (que eu menciono no meu post). O mesmo sucede com a sua abundante obra de investigador, que está publicada.
Por isso, podendo ser naturalmente divergentes as opiniões pessoais, não me parece, porém, ajustado dizer que "ninguém sabe" o que ficará da participação política e profissional do VS.

3. Achegas e correcções biográficas
De uma carta de Marcos Sá (neto de VS), dirigida a terceira pessoa, permito-me respigar alguns relevantes dados biográficos do recém-falecido:

«(...) Em 1942 iniciou a luta contra o regime salazarista. Os Democratas de Braga "um núcleo de resistência e formação ideológica", do qual faziam parte Victor Sá, Armando Bacelar, Lino Lima, Francisco Salgado Zenha, Flávio Martins, Humberto Soeiro (entre outros), marcou a luta nacional contra o regime fascista. O documento dirigido "Aos Portugueses" e assinado por 100 democratas em 31 de Janeiro de 1959, que terminava dizendo a Salazar para "abandonar o poder" foi um dos documentos mais importantes da oposição ao regime fascista. O documento foi projectado e redigido por Lino Lima e Victor de Sá. Depois de impresso, foram distribuídos por diversas regiões do País, do Minho ao Algarve. (...)
Victor Sá filia-se no PCP em 1979.
Ingressa na Faculdade de Letras do Porto como professor auxiliar, estando na origem da criação do centro de História daquela Universidade e da revista História. Para além da actividade docente (também deu aulas na Univerisidade do Minho) continua a investigar e publicar intensamente, dedicando-lhe a editora Livros Horizonte uma colecção "Obras de Victor Sá". Mantém-se politicamente activo, sendo por duas vezes eleito para a Assembleia da República (1979 e 1980), como cabeça de lista da APU e em 1985 é eleito Presidente da Assembleia Municipal de Sintra. Jubila-se em 1991, depois de em 1990 ter recebido a Ordem da Liberdade por Mário Soares, ingressando então na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia. Em 1991 formaliza a doação do seu arquivo de documentação à Biblioteca Pública de Braga/Universidade do Minho e contribui generosamente para a instutuição de um prémio de História Contemporânea, destinado a jovens investigadores. Recebeu por último a medalha de ouro da cidade de Braga e a Universidade Lusófona atribuiu-lhe o seu nome - Prof. Victor Sá - à Biblioteca que ajudou a criar.»

Vital Moreira

Blogues de esquerda e de direita

Na revista do Expresso ("link" inexistente) Paulo Querido - especialista em blogues e co-autor de um valioso livro sobre o assunto recentemente editado - analisa a blogosfera portuguesa em 2003. Comparando os blogues da esquerda com os da direita, PQ escreve que "os melhores cronistas da direita têm blogues individuais, enquanto os da esquerda se têm agrupado em blogues colectivos".
Mas esta tendência comporta consideráveis excepções, como o próprio deixa entender. Por exemplo, alguns conhecidos blogues de esquerda são individuais (caso de A Praia), ou devem muito protagonismo a um dos seus autores (caso do Barnabé); do mesmo modo alguns dos mais visitados blogues da direita são colectivos, por exemplo o desaparecido Coluna Infame, que foi um blogue de culto da direita, e entre os actuais o Mar Salgado. Além disso, os blogues colectivos, tanto de esquerda como de direita, não passam muitas vezes de grupos de blogues individuais, sem "linha editorial" e sem "agenda" de grupo (ver o caso do Causa Nossa...). Em todo o caso há claramente uma tendência distinta nos dois campos.