1. É manifesto que o PR só vetou novamente a lei da despenalização da eutanásia, com argumentos deliberadamente especiosos, para não a promulgar voluntariamente, "convidando" a AR a reaprovar o diploma, o que esta vai fazer, tornando a promulgação constitucionalmente obrigatória.
Sendo esta uma via constitucionalmente aberta ao PR, para se descomprometer politicamente em relação à lei, salvaguardando neste caso a sua oposição do foro religioso, não há nada a objetar a este "esquema" presidencial de veto instrumental. Embora "forçada", não deixa de haver promulgação presidencial, como é devida.
2. O que não faria nenhum sentido, constituindo uma violação qualificada da Constituição, seria admitir que o PR ainda pudesse recusar-se a promulgar o diploma, invocado uma objeção de consciência.
Primeiro, enquanto tais, no exercício dos seus poderes constitucionais, os titulares de cargos políticos não podem naturalmente invocar e prevalecer-se de direitos que, por definição, só cabem aos cidadãos. Por exemplo, enquanto cidadão, MRS pode praticar atos de culto religioso, mas não enquanto PR, dado o princípio da laicidade do Estado. Segundo, ao promulgar a lei, despenalizando a eutanásia em certas circunstâncias, muito exigentes, o PR não pratica nenhum ato de eutanásia nem obriga ou autoriza ninguém a praticá-lo, tanto mais que os médicos e outro pessoal de saúde, esses sim, têm assegurado o direito à objeção de consciência.
Por conseguinte, é manifestamente descabido invocar um direito presidencial de objeção de consciência como fundamento para incumprir uma, aliás taxativa, obrigação constitucional de respeitar a soberania legislativa da AR -, o que abriria a porta ao puro arbítrio presidencial à margem da Constituição.
3. Também não teria nenhum fundamento constitucional a hipótese de substituir o PR pelo presidente da AR, para efetuar a promulgação (como sugere o autor da referida ideia). A Constituição só admite a substituição por "impedimento temporário" do PR, ou seja, por incapacidade para exercer o cargo, e não para a prática momentânea de um certo ato, como a promulgação.
De resto, o Tribunal Constitucional, a quem compete verificar os impedimentos presidenciais, nunca poderia admitir essa ficção de impedimento pontual para a prática de certo ato presidencial, aliás constitucionalmente obrigatório.
Adenda
Um leitor comenta que, se um PR não puder de todo em todo, por pruridos religiosos, observar um princípio constitucional tão essencial como a soberania legislativa do peraarlamento, «só lhe resta abandonar o cargo e dar lugar a quem o possa fazer». Subscrevo.
Adenda 2
Como era de prever, o PR afastou prontamente qualquer tergiversacão sobre a promulgação, pelo que a questão não passou de excesso de imaginacão de um constitucionalista. Ainda bem!