E assim foi. Poucas horas depois, frente ao Quartel do Carmo, o mesmo Salgueira Maia seria o protagonista na rendição de Marcelo Caetano e do regime, culminando o triunfo da sublevação militar, que o povo de Lisboa e do resto do País iria transformar, ato contínuo, na mais dinâmica e bem-sucedida revolução popular da história nacional.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 25 de abril de 2024
Nos 50 anos do 25A (3): A caminho da vitória
quarta-feira, 24 de abril de 2024
O que o Presidente não deve fazer (47): O dever de reserva institucional
1. As insólitas considerações do PR acerca da personalidade do anterior Primeiro-Ministro e do atual , nomeadamente a qualificação de Montenegro como "rural" e de Costa como "oriental", são manifestamente descabidas no discurso presidencial, por pelo menos três motivos: (i) porque violam manifestamente um elementar dever de respeito e reserva institucional do chefe do Estado; (ii) porque, embora de índole supostamente psicossocial, elas refletem os preconceitos típicos da elite lisboeta contra os políticos que vêm da "província" (caso de Montenegro) ou os que têm origem étnica exótica (caso de Costa); e (iii) porque foram proferidas perante a imprensa estrangeira, onde se impunha ainda mais discrição e prudência institucional do PR no seu juízo sobre os chefes de Governo.
Uma conduta condenável, sem desculpas nem atenuantes.
2. Mais uma vez, e aqui de forma especialmente grave, MRS esqueceu duas distinções que são essenciais num Presidente da República, como representante de toda a coletividade: a distinção entre aquilo que ele pensa e o que pode dizer e a distinção entre aquilo que ele pode dizer numa tertúlia de amigos de confiança e o que pode dizer publicamente.
É afinal a distinção entre um político de verbo incontinente e um PR que respeita a dignidade do seu cargo e a personalidade dos demais servidores da República com quem interage.
Euroeleições 2024 (3): O risco da deriva para a direita
terça-feira, 23 de abril de 2024
Não dá para entender (39): Levar a sério as eleições europeias
Subitamente, os líderes dos dois principais partidos do regime democrático tomaram decisões bizarras sobre as respetivas candidaturas às próximas eleições do Parlamento Europeu.
Por um lado, sem precedente na história do partido e sem qualquer explicação pública convincente, o líder do PS resolveu despedir todos os nove eurodeputados socialistas em exercício - onde se contam três ex-ministros e dois ex-secretários de Estado de anteriores governos socialistas -, prescindindo da rica experiência por eles adquirida em Bruxelas e Estrasburgo, aliás geralmente bem avaliada, e das posições adquiridas na bancada socialista europeia e no PE e daquelas a que poderiam aspirar no próximo mandato. Por sua vez, também sem qualquer explicação pública, o líder do PSD decidiu prescindir do valor seguro do presidente da CM do Porto, Rui Moreira, como cabeça de lista, que era dado como certo por todas as fontes bem informadas (ver Marques Mendes no seu comentário de domingo à noite), trocando-o, à ultima da hora, por um jovem e politicamente incerto comentador político na moda, cujo registo político inclui uma candidatura a deputado nacional pelo CDS há alguns anos.
Não havendo nenhuma notícia de que qualquer deles tenha ensandecido subitamente, estas estranhas decisões só podem ser explicadas por desconhecimento sobre as exigências do mandato parlamantar europeu - que não é uma ociosa sinecura, como muita gente pensa - e por uma correspondente incapacidade para levar a sério o Parlamento Europeu e a sua importante agenda política no próximo quinquénio. Deveras preocupante, com efeito!
sábado, 20 de abril de 2024
Perguntas oportunas (2): Impunidade
A comentadora São José Lopes pergunta hoje no Público porque é que a PGR não se demite, depois da arrasadora decisão da Relação de Lisboa que reduziu a pó o caso Influencer, em que o MP, além de imputar uma série de crimes a várias pessoas, entre as quais dois ministros e um presidente de câmara municipal, submetendo várias delas a prisão preventiva, conseguiu também envolver no caso o Primeiro-Ministro, por delitos até agora não identificados, o que levou à sua demissão e à crise política subsequente.
A resposta mais evidente seria: porque não não lhe resta um pingo de vergonha institucional. A resposta verdadeira é, porém, a seguinte: porque entende que o Ministério Público, em geral, e a PGR, em especial, não têm de prestar contas a ninguém e que pode, portanto, invocar que a decisão do TRL foi "somente" sobre as "medidas de coação" determinadas pelo MP e prosseguir a pseudoinvestigação, a fim de manter o ex-PM como refém político por tempo indeterminado.
A verdade é que, entre nós, os abusos de poder do MP gozam de impunidade.
segunda-feira, 15 de abril de 2024
Assim não vale (10): Um "programa de estabilidade" politicamente "ajeitado"
1. No seu último parecer sobre as perspetivas económicas e financeiras, já depois da nomeação do novo Governo, o Conselho de Finanças Públicas instava o Governo a apresentar no novo Programa de Estabilidade, que está obrigado a apresentar pelos normas da UE, «as contas [das novas políticas que pretende implementar] e anuncie o impacto orçamental de medidas como a recuperação do tempo de serviço dos professores, a valorização das forças de segurança e as descidas de impostos».
Ora, no Programa de Estabilidade hoje apresentado na AR, o Governo ignora totalmente essa recomendação do CFP e apresenta as perspetivas económicas e orçamentais em termos de "políticas invariantes", ou seja, sem o impacto das novas políticas que se comprometeu a seguir, quer quanto a nova despesa, quer quanto à redução das receitas fiscais. Por isso, o CFP entendeu não dar parecer sobre o documento.domingo, 14 de abril de 2024
Sistema eleitoral (9): A "ignóbil porcaria" de 1901
1. Não percebi o argumento de Rui Tavares no suplemento do Expresso desta semana sobre a reforma eleitoral de 1901 (Hintze Ribeiro), que veria a ser injustamente designada como "ignóbil porcaria", e sobre uma alegada afinidade política com o que se passa atualmente em Portugal.
Segundo o autor, a referida lei eleitoral teria visado salvaguardar o tradicional bipartidarismo e o rotativismo cartista, entre "regeneradores" e "históricos"/"progressistas" e dificultar o aparecimento de novos partidos. É certo que a divisão dos centros urbanos, designadamente Lisboa e Porto, em círculos eleitorais separados, agregados a zonas rurais adjacentes, conseguiu afastar os republicanos do parlamento seguinte. Mas o novo sistema eleitoral, ao aumentar o número de deputados e ao substituir os círculos uninominais por círculos plurinominais com representação de minorias, só poderia ter resultados contrários aos assinalados pelo autor, facilitando a representação parlamentar de mais partidos, incluindo os republicanos, como se veio a verificar nas eleições seguintes, até ao fim da monarquia. As supostas intenções da “ignóbil porcaria” viram-se completamente frustradas.
Argumento improcedente, portanto.
2. Também não vejo que relação tem a situação de 1901 com a atual, aliás pouco esclarecida pelo autor.
Primeiro, não houve nenhuma alteração recente da lei eleitoral, nem se perspetiva nenhuma. Segundo, a combinação do sistema proporcional com círculos eleitorais muito grandes, com um limiar de eleição muito baixo (menos de 2% em Lisboa), só pode levar a uma elevada fragmentação parlamentar, como se está a verificar nas últimas eleições, sem que os dois grandes partidos do rotativismo governativo democrático tenham defendido ou apresentado qualquer proposta para contrariar esse tendência (salvo a tradicional proposta do PSD de diminuição do número de deputados, que no entanto tem tido sempre a oposição do PS).
Paralelismo sem fundamento, portanto.
sábado, 13 de abril de 2024
Um pouco mais de jornalismo sff (31): A inventona governamental da descida do IRS
1. Saúde-se o pedido público de desculpas do Expresso aos leitores, denunciando em termos fortes, como se impunha, a falsificação governamental sobre a valor da baixa do IRS, que afinal é menos de 200 milhões, em vez dos 1500 milhões de que o Governo falou em pleno debate parlamentar, apropriando-se, sem escrúpulos, da baixa efetuada pelo anterior Governo e já em vigor (na campanha eleitoral a AD prometera 3 500 milhões!...).
Todavia, não se entende como é que o semanário não se deu conta de que a medida anunciada na AR, tendo em conta os descontos previstos e os escalões abrangidos, não podia atingir aquele montante. A rotunda fake news do Governo é imperdoável, mas a falta de verificação pelo periódico também é censurável.
2. Também não andou bem o Público de hoje, que, já depois de descoberta a falsidade do anúncio dos 1 500 milhões na AR, coloca em título da notícia que «descida de 1500 milhões no IRS afinal só traz alívio adicional de 200 milhões», misturando alhos com bugalhos, só esclarecendo no corpo da peça o caso da apropriação da descida efetuada pelo PS no orçamento em vigor e de que, portanto, os contribuintes já estão a beneficiar no IRS cobrado este ano. Por conseguinte, o título correto seria: «Afinal, Governo só alivia o IRS em 200 milhões, e não em 1500, como anunciado na AR».
Como tenho escrito muitas vezes, o diabo está nos títulos, que é o que a maior parte das pessoas leem.
sexta-feira, 12 de abril de 2024
Contra a corrente (8): Benesses por atacado
1. Depois de o próprio líder socialista se ter adiantado a propor ao Governo um acordo sobre o aumento imediato das remunerações de várias categorias profissionais do Estado (professores, polícias, militares, etc.), também tenho poucas dúvidas de que o PS vai igualmente aprovar a nova baixa do IRS, embora reduzida, anunciada por Montenegro (poucos meses depois da entrada em vigor da redução do mesmos imposto decidida pelo anterior Governo socialista).
Todavia, duvido que tais medidas de aumento substancial da despesa pública e de redução da receita fiscal fossem tomadas por um Governo PS, por receio de que viessem a exigir a redução da despesa social (saúde, educação, proteção social, habitação, etc.), que sustenta o Estado social, ou a pôr em causa o saldo as contas públicas e a necessária redução do peso da dívida pública.
Também aqui, não se pode ter sol na eira e chuva no nabal.
2. É certo que que, como mostrou há dias o Conselho das Finanças Públicas, confirmando as previsões do anterior Governo, são muito positivas as perspetivas económicas e financeiras herdadas pelo novo Governo - como nenhum outro, há muitos anos -, e o aumento do rendimento disponível que aquelas medidas implicam pode mesmo estimular o crescimento económico previsto, por aumento da procura interna.
Todavia, além de se traduzirem num política pró-cíclica, que pode pressionar a inflação, trata-se de medidas politicamente irreversíveis, com impacto significativo permanente no aumento da despesa e na redução da receita pública, que dificilmente podem considerar-se prudentes num País com o elevado nível de dívida pública (e do seu custo) e de despesa social, como é o caso de Portugal.
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Às avessas (7): Um proposta descabida
1. Uma das medidas mais estranhas previstas no programa do novo Governo, na área da justiça, consiste em questionar a atual separação entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais, promovendo «um estudo e um debate sobre as vantagens e desvantagens» da sua unificação (ponto 6.2.1.).
Ora, salvo uma ou outra contestação isolada, não existe nenhum movimento nesse sentido entre os operadores judiciários desde o início do atual regime democrático. O dualismo jurisdicional é tradicional em Portugal e nos demais países de influência francesa. Está consagrado na Constituição, pelo que não poderia ser afastado sem revisão desta.
Pior do que não dar solução a problemas reais, é inventar soluções para problemas que não existem.
2. Em vez de pôr em causa a separação de jurisdições, o que se impõe é fazê-la valer onde ela tem sido indevidamente derrogada, retirando aos tribunais administrativos a competência para matérias que lhes deviam caber, como sucede, por exemplo, com os litígios relativos à defesa da concorrência e à regulação pública da economia, questões de natureza caracterizadamente jurídico-administrativa, que, segundo a Constituição, deviam ser da competência dos tribunais administrativos, mas cujo julgamento foi confiado a um tribunal especializado de âmbito nacional integrado na jurisdição comum, o Tribunal da Concorrência, da Regulação e da Supervisão.
Aqui, sim, justifica-se um estudo e um debate sobre as vantagens e desvantagens desta (e outras) inconsistência judicial.
quarta-feira, 10 de abril de 2024
Causa palestina (10): Uma boa notícia
Uma medida muito positiva do programa de Governo hoje apresentado na AR, na área da política externa, representando aliás uma inovação em relação ao programa eleitoral da AD (que era omisso nesse ponto), é a defesa da solução dos dois Estados para o conflito israelo-palestino, na base do «reconhecimento do direito à autodeterminação do povo palestiniano».
Saúde-se esse notável avanço de Portugal no sentido de uma justa saída para o sangrento conflito de décadas, desde a fundação do Estado de Israel, passo que o anterior Governo do PS não foi capaz de dar, apesar da posição firme nesse sentido desde há semanas anunciada pelo Governo socialista espanhol de Pedro Sánchez. Resta saber se esta prometedora inflexão política do novo MNE vai ser acompanhada de uma firme condenação da destruição sanguinária que Israel está a perpetrar em Gaza e da horrível crise humanitária que a acompanha.
O que outros pensam (6): A remuneração dos políticos
Concordo com este texto de A. Azevedo Alves, que propõe, com boas razões, a elevação da remuneração dos políticos. Nem sequer a 1ª medida de austeridade orçamental tomada por Sócrates em 2010, cortando 5% nas remunerações do setor público, foi revertida até agora no que respeita ao vencimento dos membros do Governo e outros titulares de cargos políticos, ao contrário de todas as outras!
Tantos anos depois, é altura de revisitar a questão, vencendo o complexo populista, à esquerda e à direita, que tem impedido os partidos de governo de equacionar o assunto, amenizando uma das barreiras que tornam o exercício de cargos políticos, sobretudo os executivos, tão pouco atraente para tanta gente.
Assim vai a política (18): Um jogada política com riscos
1. Compreende-se a carta do líder do PS ao chefe do Governo, reiterando um compromisso oral anterior, de apoiar a satisfação de reivindicações salariais de vários grupos profissionais da função pública, dos professores às polícias, algumas das quais o programa eleitoral do PS também contemplava.
Por um lado, com essa iniciativa, PNS adianta-se na exigência de medidas politicamente populares, que de outro modo seriam exploradas exclusivamente pelo Governo; por outro lado, ao exigir a sua negociação em dois meses, PNS pretende evitar que o Governo as remeta para o orçamento para 2025, jogando com elas como chantagem contra o PS na votação do orçamento, em relação ao qual este quer manter mãos livres.
Boa jogada de antecipação política, portanto.
2. Mas o risco político deste "jogada" do PS também é duplo: primeiro, ser acusado pelas demais oposições de uma operação oportunista que coloca entre parêntesis a sua reclamada liderança da oposição; e depois, ser usado pelo Governo como desculpa para a hipótese de o aumento da despesa pública que aquelas medidas importam ajudar a consumir o excedente orçamental previsto para este ano, retirando ao PS o argumento de laxismo orçamental do Governo.
Também na política, não há bela sem senão.
terça-feira, 9 de abril de 2024
Um pouco mais de jornalismo, sff (30): Pretenso purismo terminológico
1. Usando argumentos da direita na recente polémica dos logótipos governamentais, o editorial de hoje do Diário de Notícias defende que o Governo não devia usar a expressão "República Portuguesa", porque é somente o órgão executivo do Estado, e não a República.
Ora, tal como o demais "órgãos de soberania", também o Governo é órgão da República Portuguesa, que é o nome oficial do País. Desde logo, se o chefe do Estado se designa como Presidente da República e o parlamento como Assembleia da República, torna-se pertinente falar também em Governo da República, até para o distinguir dos governos regionais dos Açores e da Madeira.
Portanto, desde que dos documentos resulte evidente que se trata do Governo, como sempre sucede, este tem todo o direito de neles invocar a entidade política em nome da qual atua (tal como um governo regional invoca a respetiva Região, ou uma câmara municipal, o seu município). Acresce que é o Governo que conduz a política europeia e a política externa do País, pelo que faz todo o sentido assumir-se como governo da República Portuguesa nas suas relações com outros Estados e com as organizações transnacionais.
O que não faz sentido é, em documentos ou símbolos oficiais, usar "Portugal" em vez de "República Portuguesa".
2. Levando ao extremo o seu purismo político-terminológico, o autor entende também que «em lugar de chamar ao OE Orçamento do Estado, este dever-se-ia designar Orçamento do Governo, [pois] é este último quem decide onde aplicar o dinheiro (poder) que recebe... do Estado (povo)».
É difícil concentrar tanta confusão em tão poucas palavras. Antes de mais, a expressão "orçamento do Estado" é a designação constitucional (CRP, art. 105º) e está correta, pois o documento prevê as receitas e as despesas de todo o Estado, incluindo as que são privativas do PR, da AR e dos tribunais, e não somente do Governo e da Administração dele dependente. E não é o Governo que «decide onde aplicar o dinheiro», pois só lhe cabe elaborar a proposta de orçamento, cabendo a sua aprovação à AR (e a promulgação ao PR).
Em suma, como artigo de opinião, este texto não se recomenda; como editorial, é reprovável. Um jornal como o DN deveria assumir posições mais ponderadas nos seus editoriais, que não podem ser meras opiniões jornalísticas de responsabilidade individual, como outras.
Não dá para entender (38): Fusão doutrinária das direitas?
1. Não se compreende bem como é que um liberal assumido, como Passos Coelho, se dispõe a apresentar e, implicitamente, a patrocinar «um 'manifesto' contra “os adversários da família”, “a ideologia de género” e “a cultura de morte”», que é coletânea de textos de um conjunto de autores, que, embora com algumas exceções, representa doutrinariamente o que de mais radicalmente de direita antiliberal existe entre nós, combatendo todos os avanços das últimas décadas no sentido de alargar a liberdade individual, nomeadamente a emancipação feminina, a IVG, o casamento de pessoas do mesmo sexo, a morte assistida em condições-limite, etc.
A publicação de um "manifesto" destes é especialmente inquietante em cima das celebrações do cinquentenário do 25 de Abril, que abriu caminho, desde logo na Constituição de 1976 e na subsequente revisão do Código Civil, à desmontagem da conceção corporativa da família da Ditadura.
2. Que os autores dos textos defendam a suas ideias, individualmente ou organizadamente -, nada a objetar numa democracia liberal. Mas que elas recebam a cobertura política de um ex-líder e ex-primeiro-ministro do PSD - o atual partido no Governo -, isso é muito menos compreensível, comprometendo sem dúvida o partido onde continua a ter muitos adeptos e em cuja campanha eleitoral participou recentemente.
Será que, antecipando uma eventual união política, deixou de haver fronteira doutrinária entre a direita liberal e a direita retrógrada?
segunda-feira, 8 de abril de 2024
Assim não vale (9): Despudor político
domingo, 7 de abril de 2024
História constitucional (9): A cidadania política em Portugal
1. O livro De Súbditos a Cidadãos, organizado por José Domingues e por mim, e publicado em 2022 (como se assinalou AQUI) pelas edições da Universidade Lusíada, no âmbito dos comemorações do bicentenário da Revolução Liberal, acaba de ser publicado em versão inglesa na mesma editora (imagem acima) para permitir o acesso a um público, especialmente académico, mais vasto do que os falantes de português. Alguns dos textos foram revistos pelos seus autores para este reedição.
Beneficiária do financiamento da FCT, tal com a versão originária, também esta reedição inglesa se encontra disponível em acesso livre no site da UL.
2. Com origem num colóquio a várias vozes realizado no Porto em 2020, o livro traça as origens da moderna cidadania política entre nós, através da revolução política e constitucional do vintismo, e recorda o seu aprofundamento em dois outros importantes momentos constitucionais, a saber, o republicanismo e o atual regime democrático.
Nas vésperas da celebração do cinquentenário da Revolução do 25 de Abril de 1974, esta reedição assinala mais uma vez o legado que o vintismo e o republicanismo deixaram em matéria de cidadania política à Constituição de 1976.
sexta-feira, 5 de abril de 2024
Não dá para entender (37): Candidatos a fingir
Pelos vistos, há "independentes" com elevado prestígio académico e profissional, que aceitam dar o nome como candidatos em listas eleitorais, em lugares de destaque, obviamente para ajudar a atrair eleitores, mas que depois se permitem nem sequer assumir o mandato.
Depois, queixemo-nos do descrédito da política e da alienação dos eleitores. Os eleitores e as eleições merecem mais respeito...
quinta-feira, 4 de abril de 2024
Um pouco mais de jornalismo sff (29): Fazer eco dos "recados" governamentais
quarta-feira, 3 de abril de 2024
Maus augúrios (2): Um Governo desafiador, apesar de ultraminoritário
1. O discurso do novo PM na tomada de posse do Governo PSD+CDS só pode ser interpretado com uma deliberada provocação às oposições, e em especial ao PS, imputando-lhes uma obrigação de "deixar o Governo trabalhar" e a responsabilidade de assegurar a estabilidade política.
Ora, sendo o Governo ultraminoritário, é a ele que cabe promover os compromissos políticos necessários com os partidos de oposição, à esquerda ou à direita, para conseguir fazer aprovar a legislação, em geral, e o orçamento, em especial, sabendo, porém, à partida, que não pode pretender realizar integralmente o seu programa político, por falta de apoio eleitoral e parlamentar.
Numa democracia parlamentar, não é vocação das oposições, muito menos do principal partido de alternativa governativa, sustentar o Governo.
2. Conto-me entre os que defendem que o PS, como partido de governo que não deixou de ser, deve fazer uma oposição responsável, e não caprichosa, ponderada, e não sectária, aberta à negociação com o Governo, e só votando contra as medidas incompatíveis com o seu próprio programa político.
Todavia, para haver uma oposição responsável exige-se um Governo disponível para negociar e fazer concessões e para aceitar que todos os partidos têm "linhas vermelhas" políticas e doutrinárias que não podem sacrificar. Ora, a postura desafiadora de Montenegro não aponta para aí, mas sim para a chantagem sobre o PS e para a vitimização política pelas eventuais derrotas parlamentares que não conta evitar.
Perante este discurso, a impressão que fica é que Montenegro quer "encostar o PS à parede" e vai jogar tudo na demissão do Governo numa ocasião politicamente propícia, acusando os socialistas de "bloqueio" à ação governtiva. Maus augúrios, portanto, para o "clima" político e para a estabilidade governativa.
terça-feira, 2 de abril de 2024
Aplauso (39): O teste do algodão
Justifica-se plenamente esta iniciativa de António Costa, de pedir explicitamente ao MP junto do STJ para ser ouvido com toda a brevidade sobre a investigação a que está sujeito desde há quase cinco meses, sem, nesse longo período de tempo, ter sido sequer informado pessoalmente sobre que conduta delituosa versa a investigação e muito menos sem ter sido ouvido para prestar declarações sobre o assunto.
Agora como cidadão comum, que tem de decidir sobre a sua vida pessoal, profissional e política, o ex-PM tem um interesse mais do que legítimo em ver esclarecida a suspeita, tão depressa quanto possível, e não se vê que interesse pode ter o MP - salvo o de o manter indefinidamente como refém político - em conservar o silêncio inquisitorial que tem mantido sobre a tal (pseudo)investigação.Portucaliptal (32): Um bom exemplo
1. Durante décadas, sob pressão da indústria de celulose e do correspondente lobby florestal, assistimos à transformação do País num imenso eucaliptal, com enormes manchas territoriais de monocultura do eucalipto, por montes e vales, sem paralelo em qualquer outro país europeu.
Apesar dos seus óbvios impactos negativos - desfeiando a paisagem, favorecendo a erosão dos solos, afetando os recursos hídricos, reduzindo a biodiversidade, tornando a floresta mais vulnerável aos incêndios -, sucessivos governos de diversa orientação política não somente consentiram mas também incentivaram essa destruição da paisagem nacional.
Uma história politicamente deprimente!
2. Felizmente, nos últimos anos, por efeito da ação dos grupos ecologistas, foi-se quebrando o consenso nacional favorável ao eucalipto - largamente devido ao investimento maciço do setor na propaganda mediática e na "captura" política dos governos -, tendo crescido a consciência pública sobre os malefícios da eucaliptização extensiva.
Esta iniciativa de substituição do eucalipto por espécies autóctones do município de Albergaria-a-Velha - um dos muncípios do distrito de Averio mais atingidos por essa praga florestal - mostra essa nova sensibilidade cívica, até porque não é isolada. Embora, sendo iniciativas micro, elas merecem ser saudadas e divulgadas como exemplos a seguir por outros municípios.
A batalha contra o eucalipto só agora começa.
segunda-feira, 1 de abril de 2024
O que outros pensam (5): O domínio partidário no comentário político
«Chega-me falar de uma originalidade portuguesa: dois ex-líderes dos partidos que se juntaram numa mesma coligação têm o monopólio do comentário sem contraditório em canais abertos generalistas. Espaços que garantem, à partida e de longe, maior audiência. De tal forma poderosos que já ajudaram a eleger um Presidente (também ex-líder do PSD) e têm outro na calha para o mesmo projeto.
Não fazendo grande esforço para disfarçar a função política dos seus espaços exclusivos, Luís Marques Mendes e Paulo Portas não hesitaram em participar diretamente na campanha eleitoral das últimas eleições, saltando da cadeira de analistas para o palanque de comícios e, de novo, para a cadeira de analistas. Nada contra. Os comentadores não têm de ser neutros. Grave é que duas pessoas empenhadas na campanha da mesma força política tenham mantido este monopólio nas televisões portuguesas.»
[Daniel Oliveira, «Mendes e Portas serão as novas "conversas em família"?», no Expresso]
Estou de acordo, com eu mesmo anotei AQUI. A Lei da Televisão obriga as televisões a respeitarem o pluralismo político - que se impõe sobretudo às televisões de sinal aberto, protegidas por não haver liberdade de acesso a tal atividade -, o que não sucede manifestamente no caso da propaganda monopartidária travestida de comentário politico.
No cinquentenário do 25 de Abril (3): As conquistas da Revolução e os novos desafios
- o elevado gabarito dos conferencistas, todos especialistas reputados nos temas abordados, e a diferença entre as suas abordagens, que suscitaram interessantes questões da assistência;
Trata-se, portanto, de uma reflexão importante não somente sobre as mudanças trazidos pela Revolução, nos planos político, económico, social e cultural, mas também sobre os antigos e novos problemas que reclamam uma resposta ao regime democrático conquistado há cinquenta anos.
domingo, 31 de março de 2024
Não concordo (46): Dois erros na formação do Governo
1. Além da problemática nomeação de uma advogada para a pasta da Justiça nas atuais circunstâncias, como referi anteriormente, há mais dois aspetos em que discordo na composição do novo Governo.
O primeiro é a nomeação da Juíza-Conselheira Margarida Blasco para ministra da Administração Interna (ou qualquer outra pasta), porque, desde sempre (por exemplo, AQUI), considero que a nomeação de magistrados judiciais para cargos políticos sem prévio abandono da carreira judicial viola flagrantemente o princípio da separação de poderes e a independência partidária da magistratura (e não estou sozinho neste ponto). Apesar de já jubilada, tal estatuto (a que voltará depois de deixar o Governo) não representa abandono da carreira judicial, mantendo-se vinculada às incompatibilidades próprias da magistratura.
A meu ver, a "porta giratória" entre cargos judiciais e cargos políticos não é compatível com o princípio do Estado de direito.
2. O segundo aspeto negativo é o regresso dos assuntos europeus ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Como defendi anteriormente AQUI, o pelouro dos assuntos europeus - que compreende essencialmente a representação do Governo na formação de "assuntos gerais" do Conselho da União, e a articulação da representação ministerial nacional nas nove restantes formações especializadas do Conselho - tem a ver sobretudo com políticas internas, desde a economia ao ambiente, pelo que deveria continuar sob responsabilidade de um secretário de Estado, na presidência do Conselho de Ministros, ou seja, sob a égide e autoridade superior do Primeiro-Ministro, tal como no Governo cessante.
Além de injustificada, até porque o MNE sempre teria direito a integrar o conselho de ministros da política externa da UE, esta solução constitui, a meu ver, um retrocesso prejudicial à coordenação das políticas da UE com as correspondentes políticas internas, que são competência dos demais ministros sectoriais, e que deveria continuar sob responsabilidade do PM, e não de um ministro sectorial, como o MNE.
sábado, 30 de março de 2024
Causa palestina (9): Guerra de extermínio
O que se passa com a invasão de Gaza por Israel é um verdadeira guerra de extermínio populacional: destruição generalizada de infraestruturas e do parque habitacional, tornando o território inabitável, matança massiva e indiscriminada da população (mais de 35 000 mortos, sendo mais de metade mulheres e crianças, obviamente combatentes do Hamas...), expulsão massiva de populações dos seus lugares de residência, proibição de acesso da ajuda humanitária às zonas mais críticas, fome generalizada. Uma catástrofe humanitária.
Entretanto, as potências ocidentais (US e UE) não passam da crítica verbal, continuando a deixar mão-livre a Netanyahu na guerra de extermínio em que Israel está empenhada. O Tribunal Internacional de Justiça acaba de intimar Israel a não praticar atos de violação dos direitos do povo de Gaza ao abrigo da Convenção das Nações Unidas contra o Genocídio. Mas o que é que ocorre em Gaza senão uma clara tentativa de genocídio, em avançado estádio de execução?
sexta-feira, 29 de março de 2024
Corporativismo (57): Conflito de interesses no Governo
1. Uma das soluções problemáticas no novo Governo PSD&CDS é a nomeação de uma advogada como Ministra da Justiça, depois da recente guerra política movida pela Ordem dos Advogados contra a reforma das ordens profissionais (que instituiu a separação entre a sua função de representação e defesa de interesses profissionais e a sua função oficial de regulação e supervisão da profissão) e contra a redução do âmbito dos chamados "atos próprios" (ou seja, exclusivos) dos advogados.
A bastonária da OA apressou-se a felicitar a nomeação da sua associada e a exprimir a esperança de que a nova Ministra reverta as referidas reformas. A titular da pasta fica em maus lençóis: ou vai ao encontro dos interesses da sua corporação profissional, propondo ao parlamento a reversão da reforma e arriscando um litígio com a Comissão Europeia - que impôs tal reforma como condição do PRR -, ou resiste à pressão corporativa, arriscando um voto de desconfiança da sua classe.
Os conflitos de interesse geram estes dilemas.
2. Se o Governo optar pela 1ª via, revertendo a meritória reforma (apesar de moderada) da regulação pública das chamadas profissões liberais, teremos a estranha situação de ver um Governo de direita, supostamente mais liberal quanto ao papel do mercado, a reverter uma reforma assumidamente liberalizadora de um Governo de esquerda, por princípio menos liberal em termos económicos, e efetuada com a cobertura da UE e da OCDE.
O que está em causa é obviamente o conflito entre o protecionismo profissional, que as ordens atavicamente defendem, e um módico de concorrência na prestação de serviços profissionais, em prol dos interesses dos utentes, sobretudo dos clientes empresariais, numa economia cada vez mais "terceirizada" e cada vez mais aberta à concorrência externa, onde aqueles serviços profissionais assumem cada vez maior importância.
Para um Governo apostado em aumentar o crescimento económico, a escolha racional parece óbvia. Todavia, quando os interesses corporativos prevalecem, podem registar-se contradições entre a doutrina e a prática política.
O SNS em questão (28): A receita da privatização
Com o novo Governo PSD&CDS, é de esperar uma aposta numa maior privatização dos cuidados de saúde, pretextando o défice de resposta do SNS.
Por isso, vale a pena ler este recente estudo publicado na revista Lancet, que questiona as alegadas vantagens da privatização (agradecendo a Rosalvo Almeida a referência). Citando o sumário:
«(..) Com base nos dados disponíveis, a nossa análise apresenta provas que questionam as justificações para a privatização dos cuidados de saúde, concluindo que o fundamento científico para maior privatização dos serviços de saúde é fraco».
Infelizmente, a ineficiência do SNS entre nós e o argumento ideológico contra ele levam ao triunfo da opção privatizadora.
quarta-feira, 27 de março de 2024
Aplauso (38): O partido adulto na sala
1. Fez bem o PS em contribuir para desbloquear a comprometedora ameaça de crise institucional criada na AR pela imprudência do PSD, ao confiar ingenuamente no acordo com o Chega para assegurar a eleição do Presidente da AR, acordo que Ventura rompeu sem escrúpulos políticos (e já sem surpresa).
Mesmo que a legislatura não venha a ser cumprida, e o PS não chegue a exercer a sua parte na presidência da AR, fica sempre o óbvio significado político deste episódio: o PSD experimentou mais uma vez os custos do "namoro" sem rede com a direita radical, e o PS reforçou o seu estatuto de partido capaz de, sem deixar de protagonizar a oposição ao Governo, sacrificar os seus interesses políticos imediatos em prol do prestígio das instituições democráticas.
É bom saber que em casos de emergência institucional há "partidos adultos na sala", capazes dos compromissos necessários para os superar.
2. Para além de se inspirar numa prática do Parlamento Europeu em anteriores legislaturas, a repartição temporal da presidência do parlamento pelos dois principais partidos tem a seu favor neste caso a igualdade de deputados entre o PSD e o PS, e esta solução pode vir eventualmente a iniciar uma "convenção constitucional", pelo menos nos casos em que o partido vencedor das eleições, ou tido como tal, não tem uma maioria de deputados no seu campo político para eleger o Presidente da AR, ou não consegue ativá-la, como neste caso.
As regras de uma democracia constitucional não se resumem aos preceitos constitucionais, incluindo também as práticas instituídas que não sejam incompatíveis com aqueles.
No cinquentenário do 25 de Abril (2): Recordar o "antigo regime"
1. A um mês dos 50 anos da Revolução importa registar as principais manifestações e opiniões sobre o evento que mudou profundamente Portugal - para melhor!
Uma tarefa obrigatória consiste em lembrar o regime político caracterizamente antiliberal, antidemocrático e antiparlamentar a que a Revolução veio pôr fim e a degradante situação económica, social e cultural a que a maior parte dos portugueses estava sujeita, até porque não falta quem continue a louvá-lo.
Infelizmente, entre os saudosos não se contam aí somente os seus ideólogos e beneficiários e os herdeiros destes.
2. Julgo que podemos começar por este luminoso texto Fernanda Câncio de no Diário de Notícias de há pocuos dias, sobre as "Saudades da ditadura".
Um excerto:
«Não passamos a vida a louvar haver uma sólida rede de apoio estatal para permitir aos cidadãos enfrentar o desemprego, a doença, a velhice, a pobreza. Não nos passa pela cabeça lembrarmo-nos de que coisas como subsídio de desemprego, pensões para todos - mesmo para quem, por esta ou aquela razão, por responsabilidade própria ou azares da vida, não fez descontos - e subsídio de parentalidade são conquistas da democracia».
Há uma coisa que nem o tempo nem a contrainformação podem apagar: a opressão política, económica, social e cultural do chamado "Estado Novo".