Ou me engano muito - mas, infelizmente, temo que neste caso o risco de engano é cada vez menor - ou o processo Casa Pia vai acabar da pior forma possível. Sem apuramento da verdade dos factos, sem condenação dos culpados e sem absolvição efectiva dos arguidos cuja presunção de inocência foi transformada em presunção de culpa. Se tudo isto acontecer, também as vítimas dos abusos sexuais não verão reparada a ofensa monstruosa que as atingiu na carne e no espírito. E o descrédito da Justiça atingirá um ponto tal que ameaça pôr decisivamente em causa a confiança dos cidadãos no Estado de direito.
As sucessivas tropelias do Ministério Público e do juiz de instrução parecem não ter fim e, ainda agora, continuam a não ser respeitadas as normas impostas pelo Tribunal da Relação no sentido de os arguidos serem informados concretamente dos crimes que lhes são imputados. O entendimento que o procurador João Guerra e o juiz Rui Teixeira têm dos direitos constitucionais resume-se a uma abstracção kafkiana.
Enquanto tudo isto se passa, não faltam, porém, outros motivos de espanto. Numa entrevista à revista Visão, o advogado do embaixador Ritto, Rodrigo Santiago, conta que por pouco não chegou a vias de facto com o juiz Rui Teixeira. Este teria percebido (mal) que o advogado não lhe chamara "Vossa excelência" mas apenas "você" e acusou Santiago de ser "malcriado". O advogado ripostou-lhe na mesma moeda e seguiu-se uma cena de berraria que, por um triz, não descambou em troca de argumentos físicos, segundo a versão de Santiago.
Já se sabia que vivíamos num país de dinossauros excelentíssimos, mas quando as coisas atingem este nível patético de ridículo institucional nas relações entre pessoas civilizadas, que nos resta senão regressar à selva? Talvez aí as nossas empertigadas excelências encontrem o seu elemento natural.
Vicente Jorge Silva