Num artigo de hoje na revista Visão o Professor Freitas do Amaral volta a defender o recurso a eleições como saída necessária para a presente crise política, defendendo que a "escolha do primeiro-ministro pertence ao povo".
Por mim, embora entenda que o Presidente da República pode invocar razões mais do que suficientes para convocar eleições em vez de nomear um novo governo da actual maioria parlamentar, penso porém que isso se deve a uma livre opção presidencial e não a uma obrigação de entregar a escolha do novo chefe do Governo aos eleitores. Este entendimento não decorre da Constituição nem é uma imposição política do nosso sistema de governo. O líder do Governo não é eleito, sendo nomeado pelo Presidente no quadro da composição parlamentar existente. É dessa nomeação presidencial e desse apoio parlamentar que decorre a sua legitimidade democrática, não de eleições. Suponho que nunca nenhum primeiro-ministro se considerou eleito para o cargo.
Defender que a escolha do primeiro-ministro deve resultar necessariamente de eleições teria pelo menos as seguintes implicações: (i) as eleiçõs parlamentares seriam definitivamente desviadas da sua função constitucional, que é a de formar uma assembleia representativa das correntes e forças políticas do Pais; (ii) o Presidente da República deixaria de ter qualquer margem de decisão para escolher o Primeiro-ministro em cada situação concreta, poder que a Constituição inequivocamente lhe concede; (ii) sempre que o primeiro-ministro morre, fica impedido ou se demite, teria de haver novas eleições; (iii) deixaria de ser possível constituir um segundo governo na mesma legislatura, mesmo que na base da mesma maioria parlamentar; (iv) o primeiro-ministro passaria a ter a mesma legitimidade eleitoral do Presidente da República e da AR, tornando-se dificilmente justificável a possibilidade da sua demissão por qualquer deles, como prevê a Constituição.
Enfim o nosso sistema de governo deixaria de ser de tipo parlamentar ou semipresidencialista, como se tem entendido (conforme a perspectiva), para passar a ser um regime "governamentalista". A Constituição teria de ser reescrita.