quinta-feira, 19 de julho de 2007

Etiópia: borla para a presidência portuguesa da UE?

Addis Ababa, 15.5.2005 - o povo acreditou e votou massivamente

Addis Ababa, 15.5.2005 - A UE observou. (Da esquerda para a direita, o Embaixador da Holanda, eu, Tim Clarke, chefe da Delegação da Comissão da UE, e o Embaixador britânico, Bob Dewar).

Addis Ababa, 15.5.2005. Esperando pacientemente, à torreira do sol, para votar.

Ankobar, 12.5.2005. Etiópia - tão extraordinária, tão oprimida e tão isolada!


Trinta prisioneiros políticos, considerados como prisioneiros de consciência pela Amnistia Internacional, foram no princípio desta semana condenados a prisão perpétua, em Addis Ababa, na Etiópia. O “crime” cometido foi o de expressarem as suas ideias e protestarem pacificamente contra a fraude nas eleições de 2005, que eram supostas ser livres e democráticas mas não foram - como certificou a Missão de Observação Eleitoral da UE, que esteve seis meses com mais de duzentos observadores no terreno e que eu tive a honra de chefiar.
O julgamento em que foram condenados não passou de uma farsa (como relatado aqui), orquestrada pelo perverso Primeiro Ministro Meles Zenawi.
Entre os detidos estão membros eleitos do parlamento, o eleito presidente da Câmara de Addis Abeba, outros líderes da oposição, activistas de direitos humanos, jornalistas, etc.
Conheço vários dos presos e muitas noites durmo mal ao pensar que eles estão na cadeia e até há dias sob a ameaça de pena de morte. Como eles avisaram ainda antes das eleições que era o que lhes ia acontecer, porque conheciam a natureza totalitária do regime de Meles Zenawi e percebiam que o truque das eleições era só para inglês ver (literalmente Tony Blair inventou a “respeitabilidade” de Meles, que até nomeou para a sua defunta «Africa Commission») .
E durmo mal não apenas porque eles estão presos: mas porque o Conselho e a Comissão da UE continuam miseravelmente calados. E no entanto a UE – o maior doador de ajuda ao desenvolvimento da Etópia, sem a qual o actual regime não sobreviveria - é co-responsável pela sorte daqueles presos: foi em nome da UE que eles foram incitados (inclusivamente por mim) a não abandonar o processo eleitoral, que a UE garantia que vigiaria e actuaria.... Mas só o PE tem repetidamente comdenado a prisão, exigido a sua libertação e denunciado a repressão brutal a que está submetido todo o povo etíope.
O governo de Meles é tão ilegítimo e tão odiado pela população que precisa de se entrincheirar na opressão mais feroz e por isso tem vindo sistematicamente a aniquilar toda e qualquer voz contrária. Os apelos desesperados de etíopes – juízes, professores, jornalistas, médicos, etc - que se vêm obrigados a fugir do país chegam-me a um ritmo diário.
É tanta a fraqueza da clique de Meles que teve de se pôr ao serviço de George W. Bush através da invasão da Somália, com os resultados desastrosos que se conhecem – como no Iraque, agora é que é fartar vilanagem para a Al Qaeda.... E Meles está encurralado – tem os oficiais que lhe são leais (na maior parte tigrays, como ele) cada vez mais a rarear e as tropas etíopes a morrer que nem tordos. E não pode retirar porque o patrão lhe roeu a corda - dos 8.000 elementos da Força da ONU decidida há meses para a Somália, só chegaram pouco mais de mil ugandeses, que não chegam obviamente para as encomendas... Comissão e Conselho da UE aqui também continuam caladinhos que nem ratos, de cabecinhas a dar a dar, em assentimento a mais esta desastrada aventura busho-melesiana.
Pois!Não é só Robert Mugabe! É com muita gente da laia de Meles Zenawi que os governantes da UE dizem que vão extrair compromissos solenes quando se sentarem à mesa da Cimeira EU-África. Compromissos que, para gente desta laia, não valem o papel onde estarão escritos, evidentemente.
No mínimo, e ao menos por decoro, convinha que a Presidência Portuguesa e os Estados-Membros da UE sejam vistos a pressionar a libertação dos presos, para que ela se concretize antes da Cimeira. Ainda por cima, podem mesmo vir a obter resultados e mais cedo do que julgam! Porque para Meles, vem mesmo a calhar mostrar-se compassivo, numa jogada "à la Khadaffi" com as enfermeira búlgaras e o médico palestiniano: já no início de Setembro, Meles vai ter de enfrentar as celebrações do Milénio do Calendário Etíope. Ele é pérfido, mas nada parvo: sabe bem que não vai poder impedir o povo de descer à rua nessa altura. E por isso estará a preparar a libertação dos presos, aproveitando para afivelar cara de “misericordioso” – até já fez os presos na cadeia assinar “pedidos de perdão e clemência”.
Se a presidência portuguesa se afoitar a diligenciar am Addis Abeba, como de resto lhe compete, ainda averba esta de borla!.....