"Acabou-se a troca de couves por armas", disse há dias o Ministro da Defesa, Augusto Santos Silva. Disse bem.
Eu, de couves por armas, nunca tinha ouvido falar. Mas de carrinhos-de-bébé por armas, sim – um estranho negócio, contratado pelo Estado português à pala das chamadas “contrapartidas”.
O Ministro disse o que precisava de ser dito, sobretudo depois de ter sido emitida pela Comissão Europeia uma Declaracão Interpretativa restringindo o (ab)uso do art. 296º do Tratado CE para subtrair os contratos de Defesa às regras do Mercado Interno. E depois de ter sido aprovado pelo PE, em Janeiro de 2009, um pacote legislativo sobre aquisições de equipamentos de Defesa, incluindo a Directiva 2009/81/EC. E uma vez que a própria NATO desaconselha aquisições na base de contratos de contrapartidas.
A Directiva 2009/81/EC estabelece regras comunitárias para os contratos de aprovisionamento de armas, munições e material de guerra (incluindo materiais e servicos relacionados), mas também para a aquisição de equipamentos sensíveis, materiais e serviços para fins de segurança não militares.
Trata-se esta de matéria em que muito trabalhei ao longo da última legislatura no PE, como membro da Subcomissão de Segurança e Defesa, em articulação com o meu Camarada Joel Hasse Ferreira, membro da Comissão do Mercado Interno. Logo a 4 de Novembro de 2005 organizei em Lisboa uma Audição Pública, com especialistas europeus e nacionais, justamente sobre a legislação europeia em preparação relativamente à aquisição de equipamento de Defesa.
E trabalhei (e continuarei a trabalhar) nesta matéria por estar ciente da desastrosa experiência de opacidade, irracionalidade, desperdicio e corrupção inerente aos contratos de aquisição material de defesa e segurança feitos por Portugal na última década. Com especiais responsabilidades do governo Barroso-Portas (mas também do PS) e contando com o amén acrítico de todos (chefias militares e policiais, altos funcionários públicos e direcções empresariais incluidas).
Recorde-se que há meses atrás foi admitido que as percentagens de implementação dos programas de contrapartidas de alguns dos maiores contratos de aquisição de material de defesa feitos por Portugal nesta década – os dois submarinos (€1210 milhões), as viaturas blindadas Pandur (€516 milhões) e os helicópteros EH-101 (€403 milhões) – são de 25%, 12% e 24%, respectivamente... Um baixissimo grau de cumprimento, a sugerir que as empresas envolvidas partem do princípio de que, em Portugal, o Estado é “flexível” na defesa dos interesses nacionais, mesmo os contratualizados...
A Directiva 2009/81/EC foi publicada no Jornal Oficial da UE a 20 Agosto de 2009. A partir desse dia os Estados Membros têm dois anos para a transpôr para a legislação nacional. Mas não precisam de esperar pelo fim do prazo, obviamente.
O «PÚBLICO», de 21 de Dezembro, diz que esta Directiva só vai ser transposta para a lei portuguesa em 2011.
Espero que haja engano.
Sendo o procedimento destes últimos anos tão desastroso para o erário público, para equipar adequadamente as nossas Forças Armadas e para a confiança dos cidadãos no Estado e nas instituições políticas (partidos políticos incluidos), porquê esperar mais um ano para o mudar e passar a fazer respeitar nacionalmente a nova Directiva comunitária?