Aparentemente Mário Soares gostaria de ver repetido o compromisso pré-eleitoral de 1983 entre o PS e o PSD, de acordo com o qual o próprio Mário Soares e Mota Pinto se comprometeram antecipadamente numa coligação pós-eleitoral de ambos os partidos, quem quer que as ganhasse.
As condições são porém muito diferentes. Primeiro, tratou-se então de formar um governo de largo suporte político e parlamentar para negociar e implementar o futuro acordo de saneamento financeiro com o FMI. Agora, o acordo já estará concluído e politicamente assumido pelos dois partidos antes das próximas eleições. Segundo, ao contrário do que se pensa, as clivagens políticas entre os dois partidos são hoje mais fundas do que eram então, não se afigurando que o PSD esteja disponível para abdicar da sua nova agenda liberal do "Estado mínimo". Terceiro, nem Sócrates nem Passos Coelho são Soares e Mota Pinto, que se estimavam mutuamente (Mota Pinto tinha mesmo sido ministro independente de um governo de Soares), ao contrário do que sucede agora, como revela o inaceitável veto do líder do PSD ao líder do PS.
Governos de grande coligação ao centro, cancelando a natural dialéctica alternativa entre os dois partidos de governo do nosso sistema político, favorecendo uma lógica de "loteamento" do aparelho de Estado entre ambos e deixando a oposição nas mãos dos partidos mais radicais, só podem ser defendidas como soluções excepcionais e transitórias, com um mandato muito claro, seja para responder a um situação de emergência, seja para superar os bloqueamentos estruturais no nosso sistema político (justiça, sistema eleitoral, administração territorial, etc.).