A narrativa política deste Governo assenta em três mistificações factuais:
-- primeiro, a ideia de que a crise orçamental por que passamos se deve ao desvario do PS na gestão das contas públicas, escondendo que, tal como noutros países, ela foi desencadeada e fomentada pela crise económica iniciada em 2008, que reduziu consideravelmente a receita pública e fez aumentar a despesa (subsídio de desemprego e gastos sociais, apoio às empresas e ao emprego, etc);
-- segundo, a ideia de que a programa de austeridade em curso não passa de fiel aplicação do acordo com a troika negociado e assinado há um ano pelo governo do PS, quando a verdade é que o Governo decidiu deliberadamente ir muito além desse programa, intensificando e apressando o programa de austeridade, de modo a encurtar o ciclo da consolidação orçamental, por óbvias razões de estratégia eleitoral;
-- terceiro, a ideia de que se algumas coisas estão a correr bem, ou até melhor do que o esperado, como o aumento das exportações e a redução do desequilíbrio das contas externas, isso se deve somente às medidas tomadas por este Governo, como se fosse possível obter resultados significativos nessa área em menos de um ano e como se muito se não devesse às políticas anteriores de redução da importação de energia (aposta nas energias renováveis) e de fomento da competitividade externa do país (política de educação, de formação profissional, de diminuição dos custos administrativos das empresas, de flexibilização do mercado de trabalho, etc.).
Em vez de diabolizar "a outrance" a herança socialista, o Governo deveria reconhecer o quanto lhe deve. E o PS também poderia fazer muito mais no combate à falsa narrativa governamental...
[revisto]