Não me parece convincente a fundamentação da decisão do Tribunal Constitucional sobre a inconstitucionalidade da suspensão do 13º e do 14º meses de remuneração do pessoal do sector público com remunerações acima de certo montante.
Na verdade, não havendo nenhuma protecção constitucional do direito àquelas prestações -- que na verdade são "bónus" atribuídos por lei e que por lei podem ser retirados, se observados os princípos da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade --. nem sendo por isso inaceitável a sua suspensão -- o que o Tribunal admite --, a única fundamentação da decisão é uma alegada violação do princípio da igualdade, por estar abrangido somente o pessoal do sector público, enquanto os trabalhadores do sector privado ficam isentos dessa privação de rendimentos. Na lógica do Acórdão a inconstitucionalidade não está propriamente no sacrifício financeiro imposto aos funcionários públicos mas sim no facto de não se ter imposto semelhante sacrifício aos trabalhadores do sector privado...
Ora a verdade é que só pode comparar-se aquilo que é comparável. E a meu ver é inegável que em matéria de finanças públicas há uma óbvia distinção entre os dois universos: os funcionários públicos pesam na despesa pública, porque são pagos pelo orçamento do Estado (lato sensu), com dinheiro dos contribuintes, ou com dinheiro tomado de empréstimo, que os contribuintes hão-de ter de pagar. Além disso, como é notório, os niveis de remuneração e de segurança no emprego no sector públcio são globalmente mais favoráveis do que no sector privado. Por isso, pode haver razões relevantes para que em matéria de contribuição excepcional e temporária para os encargos públicos, se possa exigir mais ao sector público (onde se contam os próprios deputados peticionantes e os juízes do TC...) do que ao sector privado.
Numa matéria com estas implicações e no "estado de necessidade orçamental" em que o País se encontra, a decisão do TC deveria ser "à prova de bala" na sua fundamentação. Infelizmente não é.
Se o Tribunal deixa muito a desejar na decisão de fundo, erra manifestamente ao decidir que as normas julgadas inconstitucionais se possam continuar a aplicar até ao final do ano, cumprindo integralmente os seus objectivos para o corrente ano. Não faz sentido nenhum que o Tribunal deixe continuar a aplicar as normas que mal ou bem acabou de declarar inconstitucionais...