Como é sabido, defendo um papel próprio para o Presidente da República como "quarto poder", que consiste em assegurar a representação e a dignidade do Estado, preservar o regular funcionamento das instituições, garantir a unidade e a coesão territorial do País, favorecer a estabilidade política, moderar os excessos governamentais, defender os direitos da oposição, arbitrar conflitos políticos, promover a coesão social.
Sem competências nem responsabilidades governativas, incumbe-lhe respeitar a autonomia política do executivo em funções e proporcionar-lhe condições de governabilidade. Não cabe ao Presidente da República apadrinhar governos nem constituir-se em oposição. Por mais simpatias ou antipatias que lhe mereça o governo em funções, impõe-se ao Presidente um dever de distanciamento e de neutralidade institucional entre o Governo e a oposição.
Dotado pela Constituição de alguns poderes fortes, mas por definição excepcionais -- nomeadamente o poder de veto legislativo e o poder de antecipação de eleições parlamentares --, o poder de acção do Presidente passa essencialmente pelo seu soft power, pelo poder de conselho e de influência, pela sua autoridade e credibilidade pessoal, pelo seu sentido de Estado, pela ponderação e elevação das suas posições.
Por tudo isto, concordo globalmente com a visão de autocontenção e de recusa do intervencionismo presidencial que Cavaco Silva apresenta sobre a magistratura presidencial no prefácio à mais recente colectânea dos seus discursos.
Só é pena que Cavaco Silva nem sempre tenha respeitado esta boa cartilha da magistratura presidencial (basta lembrar o seu "assassino" discurso de tomada de posse há dois anos) e que não consiga afastar a suspeição de que outra seria a sua postura e a sua intervenção, se se não tratasse de um governo da sua própria família política...