quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Conselho Superior de 19 de Novembro


O Primeiro-Ministro (PM) veio no sábado dia 16 acenar com o sucesso da Irlanda, ao anunciar querer voltar a financiar-se nos mercados sem recorrer a mais empréstimos sob as condições da Troika, para começar a justificar antecipadamente as medidas de austeridade ainda mais duras que a coligação Coelho/Portas prepara impor aos portugueses quando falharem as injustas medidas que agora tenta fazer passar por via do Orçamento de Estado para 2014 -  medidas que o PM sabe ser inexequíveis, com decisão reprovadora do Tribunal Constitucional ou não.

Num primeiro momento, o Ministro Marques Guedes e escribas de serviço deixaram perceber espanto e decepção com a decisão irlandesa: tantas esperanças haviam posto no ir de carrinho com a Irlanda, que quando ela passou e os deixou apeados, maldisseram a sorte de terem de desbravar sozinhos o que será um programa cautelar da Troika, o mais tardar em Junho de 2014. Mas, na desfaçatez irrevogável que caracteriza a coligação Coelho/Portas logo trataram de sublimar o revés, convertendo-o em arma de arremesso - contra os portugueses e o PS, claro....

Para isso, vá de recorrer a truque de pacotilha, da que gastam os marqueteiros da coligação: durante anos andaram a propagandear que “Portugal não era a Grécia”, que o tigre irlandês “é que era” modelo que Portugal seguia.  Quando a Irlanda, por sua conta e risco, ousa levantar voo da prisão da Troika - porque tem condições para isso, que Portugal não tem - Coelho/Portas ensaiam a cambalhota na desgovernada coelheira, descartam a incapacidade herbívora de emular o tigre, tratando de brandir a proeza celta como incentivo para porem os portugueses a comer ... mais erva.

O PM debitou, com quantos dentes tem na boca, propaganda enganosa:
argumentou que Portugal para ter sucesso semelhante precisa ainda de fazer cortes em salários e pensões como a Irlanda. Ora, pelas mãos insensíveis e empobrecedoras de Coelho e Portas, em cortes nos salários dos sectores publico, cortes nas prestações sociais incluindo pensões, subsídio de desemprego e outros, Portugal já fez sacrifícios muito mais substanciais do que a Irlanda. Acresce que os níveis de desemprego são muitos mais gravosos em Portugal do que na Irlanda - de 2009 para 2013 o desemprego entre nós subiu de 10,6 para 17,4 e na Irlanda apenas de 12 para 13%.

Se Coelho e Portas se inspiraram na Irlanda, imitaram porventura  o que lá acharam de mais cruel e iníquo, mas nunca tentaram sequer emular na firmeza, inteligência e mesmo intransigência negocial irlandesa na Europa, batendo o pé à Alemanha, a outros governos preconceituosos e ultraliberais do Norte europeu e à barrosa Comissão Europeia.

A Irlanda, realmente, nunca foi modelo a que Portugal se pudesse colar: quando se viu forçada a pedir 85 mil milhões de euros  à Troika, a Irlanda tinha feito as contas do que precisava para resgatar os bancos ultra-endividados; tinha um plano de reformas do Estado faseado e já em curso, com objectivos  claros e datas;  tinha batido o pé à Alemanha, à Comissão Europeia e até o Parlamento Europeu, recusando mexer no IRC de 12,5 % - legalmente batoteiro na selva fiscalmente que se tornou esta  UE dominada pelo ultraliberalismo;  tinha um acordo de concertação social a ser rigorosamente cumprido e tinha um governo de coligação envolvendo o partido trabalhista, da família política do PS.

Tudo substancialmente diferente de Portugal, desde a reforma do Estado que o Governo levou dois anos (incluindo os mais de nove meses de gestação Portas)  para tirar do tinteiro, do acordo de concertação social que o Governo negociou mas  não cumpre e à inexistência  de consenso politico parlamentar que a coligação Coelho/Portas se empenhou em perpetuar.

E em muitas outras áreas as condições da Irlanda eram muito mais favoráveis do que as de Portugal, além da vantagem competitiva incomensurável de ser um país de língua inglesa, há décadas sede de multinacionais. Na Irlanda a economia está solidamente assente nas exportações, que representaram 108% do PIB entre 2009 e 2013, enquanto em Portugal, apesar do mínimo aumento que Coelho e Portas hossanam como milagre económico, não passam dos 39% do PIB.

A economia da Irlanda era, à partida,  muito mais competitiva do que a nossa, com mais capacidade de resistir á quebra da procura interna, em que a Troika e  coligação Passos/Portas, mais troikista  que a Troika, se empenharam. Por  isso a Irlanda se propõe voltar a buscar financiamento no mercado  quando apresenta um défice orçamental de  8,2 % - mais do dobro da meta que Portugal se obrigou a  cumprir em 2014, quando deveria regressar aos mercados. E a Irlanda paga já hoje 3,5  de taxa de financiamento nesses mesmos mercados. Enquanto Portugal - como explicou na Índia o inefável Ministro dos Negócios Estrangeiros dando mais umas machetadas no desconchavo governamental - se não conseguir taxas de juros de 4,5% em 2014, pode assobiar às botas de um eufemistico programa cautelar – restar-lhe-á um segundo resgate, puro e ainda mais duro.

O Primeiro-Ministro aplica-se agora a usar o exemplo da Irlanda para pressionar o Tribunal Constitucional e para pressionar o PS, supondo que o intimida como anti patriótico se não assinar o cheque em branco que a coligação pretende, para enterrar  mais o país naquilo a que chama de programa cautelar e que ninguém sabe o que poderá ser. Certo, certinho é que implicará mais condicionantes e prorrogará a supervisão da Troika. Porventura, será apenas um eufemismo para o segundo resgate que o próprio PM brandia ameaçadoramente antes das eleições autárquicas.

 
Se a receita da Troika e da coligação mais troikista do que Troika tiver resultado, Portugal fará como a Irlanda, vai financiar-se aos mercados e manda a Troika à fava... Se precisarmos de segundo resgate, é porque a Troika e a coligação Passos/Portas falharam. Resta a Passos demitir-se e passar o país a eleições. Só assim haverá governo com credibilidade, legitimidade e, espera-se, engenho e arte para negociar em nome de Portugal,  o que for preciso - chame-se segundo resgate, programa cautelar ou para-raios merkeloso, arrancado a Merkel e Barroso.