Voltando a conferir valor absoluto ao princípio da protecção da confiança (sem paralelo na jurisprudência constitucional comparada), o Tribunal Constitucional reiterou o seu entendimento, a propósito da convergência das pensões, de que as prestações públicas conferidas por lei se tornam constitucionalmente intocáveis, mesmo que isso se traduza numa manifesta desigualdade, não somente em relação aos que beneficiam de prestações de valor menor em igualdade de circunstâncias (os pensionistas do sector privado) mas também em relação aos que no futuro venham a aceder às mesmas prestações (os futuros pensionistas do sector público).
O problema é que as prestações públicas são pagas pelas contribuições e impostos de todos, incluindo neste caso pelos demais pensionistas, actuais ou futuros, que em igualdade de circunstâncias continuam a receber ou passarão a receber menos do que os actuais pensionistas do sector público. O excesso de segurança para alguns traduz-se num défice de equidade para os demais.
Adenda
Estando o País internacionalmente comprometido a atingir a meta do défice inscrito no orçamento, a poupança prevista para o corte nas pensões do sector público agora inviabilizado pelo Tribunal Constitucional só pode ser compensada por cortes equivalente noutras rubricas da despesa (não se vê bem onde...) ou por um aumento correspondente da receita, muito provavelmente um novo aumento da carga fiscal.
Adenda 2
Alguns leitores pergumtam-me se, afinal, os princípos constitucionais contam ou não. A minha resposta é: todos contam, sem dúvida! Mas: (i) princípios não são normas, sendo por definição menos "densos" e mais flexíveis do que as normas, não podendo por isso ter valor absoluto; (ii) em geral, os princípios têm de ser articulados com outros princípios conflituantes, como, por exemplo, o princípio da igualdade (neste caso, igualdade entre as pensões do sector público e do sector privado), o que pode fazer relativizar o seu alcance; (3) na situação de emergência orçamental em que o País se encontra, o princípio da proteção da confiança pode ter de sofrer compressões, pelo menos transitórias, que não seriam admissíveis em tempos normais, quando estejam em causa situações de grande impacto orçamental (como é o caso).