Desde há muito que defendo que a UE, como entidade política supraestatal com atribuições e instituições próprias, uma ordem jurídica autónoma e um bill of rights, só pode ser "lida" correctamente em termos constitucionais, mesmo que não tenha uma constituição formal (defendi extensamente esta ideia num artigo publicado nos estudos em homenagem ao Prof. J. J. Gomes Canotilho há dois anos). Por isso, não posso deixar de concordar com a afirmação de Paulo Rangel no Público de hoje, segundo a qual há uma verdadeira constituição europeia, que vincula os próprios tribunais constitucionais dos Estados-membros e que implica uma mudança substantiva no direito constitucional dos Estados-membros.
Vou, porém, para além dele em dois pontos. Primeiro, entendo que essa constituição da UE é em grande parte uma constituição escrita, através da interpretação dos Tratados por via do case law do TJUE (que tem sido uma espécie de sucedâneo do poder constituinte da União). Em segundo lugar, penso que no caso português a mudança constitucional interna não se limitou a ser feita, numa primeira fase, de forma implícita, sem alteração do texto constitucional (uma "mutação cosntitucional", tecnicamente falando), tendo assumido a forma de explícita autoderrogação constitucional com a revisão constitucional de 2004, que reconheceu a primazia do direito da União na ordem interna (CRP, art. 8º-4).