Há quem conteste não somente a bondade e oportunidade das chamadas eleições primárias no PS para "candidato a primeiro-ministro" mas também a sua própria legalidade. Ora, quanto ao segundo aspecto, não me parece haver razões para a impugnação.
É certo que nem o referido cargo, nem a sua eleição directa, nem a participação dos simpatizantes estão previstos nos Estatutos; mas também não estão proibidos, devendo entender-se que estão cobertos pela liberdade de auto-organização e de acção dos partidos, como entidades de direito privado que são (e não organismos de direito público, que, esses sim, só podem fazer o que a lei permite).
É evidente que os órgãos estatutários só podem ser eleitos pelos membros do Partido. Mas, no silêncio dos Estatutos, nada impede o PS de consultar os militantes e os simpatizantes (os quais, aliás, têm previsão nos estatutos) sobre os candidatos a apresentar (ou a apoiar) pelo Partido a cargos políticos externos, desde o Presidente da República aos presidentes de junta de freguesia, desde o primeiro-ministro aos presidentes de câmara municipal. Ponto é que se respeitem não somente as necessárias regras de transparência e imparcialidade mas também própria definição e o estatuto de simpatizante, tal como previsto nos Estatutos, sem nenhuma modificação ad hoc. É verdade que o direito de participar em eleições internas não consta entre os direitos dos simpatizantes enunciados nos Estatutos, mas é princípio constitucional pacífico que os direitos podem sempre ser ampliados (salvo havendo norma em contrário, o que é o caso em relação aos cargos partidários propriamente ditos).
Por conseguinte, pense-se o que se quiser sobre a razão por que foram precipitadamente convocadas tais eleições "primárias" (contrariando posições anteriores) e sobre o efeito de precedente que elas vão criar (cujo impacto está por avaliar), elas não são em princípio ilícitas. Também aqui, nem tudo o que é politicamente controverso é ilegal.