1. O comentador político Marques Mendes - que também é conselheiro de Estado nomeado pelo Presidente da República - considera que o Governo "provoca" e "afronta" o Presidente da República ao aprovar a obrigação de os bancos informarem o Fisco acerca dos saldos de contas bancárias de mais de 50 000 euros, de que Marcelo Rebelo de Sousa já discordou publicamente.
Mas a acusação do comentador/conselheiro é inteiramente despropositada e infundada, não havendo nenhuma razão para ser partilhada em Belém. É evidente que Governo deve, inclusive por interesse próprio, ter em conta as objeções presidenciais em relação a qualquer medida política, legislativa ou administrativa. Mas mantém integralmente a sua autonomia de decisão política, tal como o Presidente preserva intocável o seu poder de veto político, bem como o poder de suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade.
2. No nosso sistema constitucional é ao Governo que compete governar e tomar as decisões pertinentes, assumindo a sua responsabilidade política por elas perante o Parlamento e a opinião pública. O Presidente da República vela pelo regular funcionamento das instituições (com os inerentes poderes de informação e de vigilância), pode mesmo aconselhar ou até advertir o primeiro-ministro, mas não é coach, nem chairman do Governo, nem tem sobre ele nenhum poder de tutela ou de superintendência política. Era o que faltava!
Por isso é descabido um poder de veto preventivo, pelo que o Governo não tem nenhum dever político ou institucional de retirar propostas suas só porque o Presidente manifestou publicamente a sua discordância. Belém pode depois opor-se, mas pelos meios institucionais à sua disposição, com a devida fundamentação, e assumindo a responsabilidade política pela sua utilização. Também não há vetos políticos informais.
3. O sistema constitucional de governo não mudou desde janeiro deste ano, nem consta ter havido uma "OPA política" de Belém sobre São Bento, que aliás só poderia ser feita à margem da Constituição.
A cada instituição o seu papel e as suas responsabilidades, como é próprio de uma democracia constitucional baseada na separação de poderes e na lealdade institucional.
Adenda
Perguntam-me o que penso da medida em causa. Penso que a medida não é pacífica, mas considero, como já escrevi aqui, que há fortes razões a favor dela (para combater a evasão fiscal, que é um imposto escondido sobre os contribuintes cumpridores) e que não são inteiramente convincentes as objeções de inconstitucionalidade.
Por mim, não tenho nada contra a transmissão limitada dos meus saldos bancários ao Fisco, desde que este só possa utilizar esses dados em caso de fundada suspeita de evasão fiscal e haja punição séria para a sua utilização para outros efeitos.