1. Era de temer que o idiossincrásico ativismo político do Presidente da República pudesse levar a incidentes embaraçosos, como o que ocorreu na sessão de encerramento do Teatro da Cornucópia, em que Marcelo Rebelo de Sousa protagonizou frente às câmara de televisão uma inopinada "conciliação" ao vivo entre o responsável pelo TdC e um constrangido Ministro da Cultura, tomado de surpresa pela iniciativa presidencial e compelido a comprometer-se precipitadamente a revisitar o caso do subsídio público ao teatro.
De uma assentada, o PR fez três coisas que devia cuidadosamente evitar: (i) intrometer-se numa questão concreta do foro governamental; (ii) envolver-se num diálogo político direto com um ministro setorial, quando o seu interlocutor institucional é por definição o Primeiro-ministro; (iii) patrocinar uma solução política excecional para um caso concreto, em violação flagrante do princípio da igualdade de tratamento.
2. Há dias um comentador dizia, referindo-se às recorrentes incursões opinativas de Belém na esfera da competência governativa, que o PR não precisa de fazer de primeiro-ministro. Nunca estivemos tão próximo disso como neste infeliz caso da Cornucópia.
Mas MRS não deve evitar somente assumir o papel de primeiro-ministro num teatro; deve também evitar aparecer como treinador, chairman ou maestro do Governo, que ele não é, nem pode ser. Não basta manter em relação ao Governo uma inequívoca neutralidade político-partidária, que a sua função constitucional exige, mas também manter uma prudente distância política, que a separação de poderes recomenda.