domingo, 11 de junho de 2017

Ocupação selvagem (II)

(Coimbra, Praça dos Arcos)
1. Em comentário ao meu post precedente, um leitor pergunta em que me baseio para dizer que a livre instalação de outdoors eleitorais em lugares públicos «não tem base constitucional nem legal».
A resposta está na Lei nº 97/88, de 17 de agosto, que regula as atividades de publicidade e propaganda. Ora, ao contrário da publicidade comercial (art. 1º), a propaganda não carece de licenciamento municipal, mas só é garantida «nos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais» (art. 3º), as quais devem em qualquer caso respeitar as restrições enunciadas no nº 1 do art. 4º, onde se conta, por exemplo, «não obstruir perspetivas panorâmicas nem afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem» [na imagem um outdoor partidário em Coimbra com o aqueduto do séc. XVI em fundo; uma vergonha!]. Nos períodos eleitorais, as autarquias têm uma obrigação adicional de disponibilizarem aos concorrentes espaços preparados para afixação do seu material de propaganda (art. 7º).
Não podem, portanto, restar dúvidas de que a afixação de propaganda eleitoral em lugares públicos só pode ocorrer nos locais reservados pelos municípios para propaganda política em geral ou especialmente disponibilizados pelas autarquias locais para propaganda eleitoral. Ora, esta Lei foi submetida a fiscalização da constitucionalidade, a pedido do PCP, tendo o TC decidido que ela não padece de nenhuma inconstitucionalidade (AcTC nº 636/95).

2. Nos termos da referida Lei, os municípios têm o poder/dever de mandar retirar a propaganda ilegalmente afixada, ou de a retirar eles mesmos às custas dos responsáveis, bem como o poder de aplicar aos prevaricadores coimas de valor elevado.
Em vez disso, no caso concreto, o município de Lisboa foi indevidamente condenado a respeitar a instalação de propaganda ilegal e de repor às suas custas o outdoor que tinha licitamente retirado (sob pena de crime de desobediência!). Uma total inversão de valores! Assim vai o "império da lei" em Portugal, substituído pelo "império dos partidos".

Adenda
O mesmo leitor pergunta se os partidos não passam a ter um direito de livre ocupação do espaço público, em lugares à sua escolha, se os municípios não delimitarem os espaços destinados a propaganda política, como estipula a lei. A resposta é não. Mas a justiça administrativa proporciona mecanismos efetivos para obrigar a administração a cumprir as suas obrigações legais.