domingo, 11 de junho de 2017

Ocupação selvagem

1. Seguindo uma interpretação latitudinária da liberdade de propaganda eleitoral, a Comissão Nacional de Eleições condenou a Câmara Municipal de Lisboa a repor um outdoor anteriormente instalado por um partido em plena Rotunda do Marquês.
Considero lamentável esta "jurisprudência" da CNE (cuja composição integra representantes partidários, em maioria), que claramente sacrifica o interesse público aos interesses dos partidos (estes julgando em causa própria). Essa orientação da CNE não tem base legal nem constitucional. Uma coisa é a liberdade geral de propaganda eleitoral por qualquer meio (impresso, sonoro, visual, audiovisual), outra coisa é uma suposta liberdade de ocupação privativa do domínio público pelos partidos políticos para instalar, onde quiserem, meios fixos ou móveis de propaganda, nomeadamente outdoors, muitas vezes em lugares onde o municípios nunca licenciariam a instalação de painéis de publicidade comercial, por razões ambientais, de ordenamento urbanístico ou de visibilidade rodoviária, etc..
Nenhuma liberdade é ilimitada e ninguém tem o direito de ocupar privativamente o espaço público.

2. De resto, se a lei proíbe expressamente a utilização de meios de publicidade comercial para efeito de propaganda eleitoral, a fim de impedir que os partidos mais ricos levem a melhor na batalha da propaganda - o que inclui obviamente os painéis publicitários licenciados para o efeito -, não faz nenhum sentido que depois seja admitida a livre instalação de painéis dos próprios partidos (que ficam mais caros do que o aluguer daqueles!), por vezes ao lado daqueles. Uma verdadeira fraude à lei!
Para além dessa vantagem ilícita dada aos partidos com mais recursos, a ocupação selvagem gratuita do domínio público gera uma enorme poluição visual do espaço público, que não é digna de um país civilizado. Já se imaginou a rotunda do Marquês, ou qualquer outra neste país, rodeada durante meses de uma dúzia de painéis gigantes de propaganda eleitoral? Uma selva!
Entre as muitas regalias públicas de que gozam os partidos políticos entre nós (subvenções, isenções fiscais, etc.) não deveria contar-se também o privilégio de livre ocupação do domínio público e de transformação das praças e rotundas deste país em feias "florestas" de painéis de aço e zinco.

Adenda
Dada a liberdade de facto de que gozam de colocar painéis em tudo quanto é sítio (com o beneplácito da CNE, capturada pelo "cartel" partidário), os partidos não levam em geral a sério a obrigação legal imposta às autarquias locais de disponibilizarem espaços de propaganda eleitoral, que têm obviamente o "defeito" de serem partilhados por todos em pé de igualdade, sem beneficiarem especialmente os que têm mais meios.