Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
terça-feira, 11 de julho de 2017
Não, não é a mesma coisa
Publicado por
Vital Moreira
1. Não tem razão João Rodrigues quando persiste em considerar o "ordoliberalismo" como uma simples "versão alemã do neoliberalismo", compartilhando por isso os seus traços essenciais.
Para quem não se fique, porém, pela rama dos slogans, trata-se de uma equiparação teoricamente infundada e politicamente enganadora, quer quanto às suas origens históricas, quer quanto ao seu conteúdo doutrinário, nomeadamente quanto ao papel do Estado na economia.
2. Há três diferenças essenciais entre o ordoliberalismo e o radicalismo neoliberal, como se pode ver em qualquer enciclopédia.
Primeiro, enquanto o ordoliberalismo nasce na Alemanha ainda nos anos 30 do século passado (Escola de Freiburg) em oposição ao intervencionismo do Estado na economia então vigente (levado ao paroxismo durante o nazismo) e se impõe na Alemanha logo depois da II Guerra Mundial, tendo depois influenciado decisivamente a "constituição económica" da integração europeia, o neoliberalismo propriamente dito nasce depois da II GG (Escola de Chicago) em oposição ao "Estado regulador" herdado de Roosevelt e só vem a vingar politicamente a partir dos anos 80, com Reagan, nos Estados Unidos, e Thatcher, no Reino Unido.
Segundo, enquanto o ordoliberalismo pretende criar um "novo liberalismo", distinto do liberalismo clássico, despojado da crença na ordem natural do mercado e apostando numa "ordem económica" assente na defesa do mercado pelo Estado (através de uma defesa ativa da concorrência contra os cartéis e abusos de poder de mercado), o neoliberalismo retoma a ideia do "autorregulação do mercado" como ordem natural, contra a ingerência do Estado, e desvaloriza o papel das leis antitrust, de que aliás os Estados Unidos tinham sido pioneiros desde o final do séc. XIX. Não é por acaso que as punições históricas da Comissão Europeia contra a Microsoft e agora contra a Google não tiveram equivalente nos Estados Unidos.
Por último, enquanto o ordoliberalismo deu origem à noção de "economia social de mercado" (incluindo a cogestão empresarial) e coabitou pacificamente com a criação do Estado social na Alemanha, o neoliberalismo de extração norte-americana nunca escondeu a sua hostilidade ao Estado social, aos serviços públicos e à intervenção dos trabalhadores nas empresas. Por isso, enquanto a social-democracia europeia acabou por adotar expressamente a referida noção de economia social de mercado (que hoje figura no Tratado de UE), manteve sempre uma explícita rejeição do neoliberalismo doutrinário.
3. Sim, o ordoliberalismo constitui um tipo de liberalismo económico e de economia de mercado, mas não é uma simples variante do neoliberalismo em sentido próprio. Constituem estirpes assaz diferentes e não podem ser metidas no mesmo saco.
Não faz sentido, portanto, confundir o ultraliberalismo de Chicago com o liberalismo "ordenado" de Freiburg.