1. O "Expresso curto" de ontem especulava logo no título com «O fim da Geringonça», em consequência do pesado revés eleitoral do PCP em favor do PS nas eleições locais.
Já expliquei anteriormente porque me parece uma inferência errada. Por mais que sinta a tentação de "atirar com os burrinhos na água", o PCP tem de aguentar a situação, por duas razões: (i) primeiro, quem romper a aliança parlamentar e fizer cair o Governo será severamente punido nas eleições daí resultantes, abrindo caminho a uma maioria absoluta PS, um pesadelo para os comunistas (e bloquistas); (ii) segundo, o PCP ainda espera obter nas negociações orçamentais alguns ganhos substanciais que permitam "dourar a pílula", tanto mais que o atual crescimento económico, acima do previsto, permite ao Governo uma maior margem de manobra.
Por conseguinte, parece manifestamente exagerada a notícia da morte prematura da Geringonça enquanto a economia continuar a "bombar" emprego e receita fiscal.
2. Em contrapartida, também não têm razão os que, ainda há pouco tempo, consideravam a atual fórmula governativa como a melhor solução de governo, destinada a perdurar enquanto as esquerdas forem eleitoralmente maioritárias. Houve mesmo quem, na área socialista, dissesse preferir que o PS não obtenha maioria absoluta nas próximas eleições, para ter de repetir a mesma aliança com o BE e o PCP.
Parece-me ousada essa vocação de continuidade da Geringonça.
Por um lado, a sua longevidade depende de continuar a haver os meios financeiros suficientes para "pagar" as crescentes exigências orçamentais dos parceiros de aliança parlamentar; ora, a atual solução governativa é orçamentalmente dispendiosa e a receita fiscal e a despesa pública não vão continuar a crescer indefinidamente a este ritmo.
Por outro lado, por mais que o BE e o PCP mantenham verbalmente o seus "mantras" ideológicos (contra o capitalismo e a globalização, contra a integração europeia, contra a disciplina orçamental, contra o neoliberalismo, etc.), há de chegar o dia em que se torna intolerável a contradição entre essa retórica esquerdista e as opções políticas do Governo que eles sustentam, auto-constrangidos a ajudar a uma missa de cujo missal não são devotos, longe disso!
Por último, chegará o momento em que o próprio PS chegue à conclusão que a aliança com a extrema-esquerda é demasiado cara, quer em termos financeiros, quer em termos políticos, pelo cancelamento que implica de alguns pontos centrais do programa eleitoral do PS.
[Corrigido]