1. A propósito deste meu post sobre uma possível transformação federal da Espanha, um leitor pede-me que esclareça que modificações constitucionais e políticas é que isso implicaria no atual "Estado de comunidades autónomas" espanhol, ao abrigo da Constituição de 1978.
Há três requisitos essenciais de um Estado federal, que um Estado unitário não preenche, por mais descentralizado que seja, como é o "Estado autonómico" espanhol. São diferenças qualitativas, e não somente de quantidade ou grau.
2. Primeiro, num Estado federal, as entidades federadas gozam de autonomia constitucional, aprovando a sua própria constituição sem interferência do Estado, com respeito somente da constituição federal. O federalismo implica um constitucionalismo em dois níveis.
Ora, em Espanha, tal como em Portugal, os estatutos político-institucionais das comunidades autónomas são aprovados pelo Parlamento nacional, como "leis orgânicas" do Estado. Isso faz toda a diferença.
3. Em segundo lugar, num Estado federal, o parlamento federal é necessariamente bicamaral, sendo a segunda câmara destinada à representação exclusiva das entidades federadas (conselho interfederal), que assim participam, enquanto tais, na reforma constitucional e na função legislativa e na aprovação do orçamento do próprio Estado federal. Num Estado federal, o próprio poder federal é compartilhado pelas unidades federadas.
Ora, na Espanha existe um parlamento bicamaral, mas o Senado não representa especificamente, nem sequer maioritariamente (longe disso!), as comunidades autónomas, mas também as províncias, que são entidades de descentralização administrativa do Estado.
4. Por último, em matéria de repartição de competências entre a federação e as unidades federadas, a regra federal é que de que cabem por defeito às segundas todas as competências que a constituição não atribua à federação (em exclusivo ou em concorrência com entidades federadas).
Ora, no caso espanhol, a Constituição enuncia um conjunto de competências que podem ser conferidas às comunidades autónomas e acrescenta que também podem assumir outras que não estejam constitucionalmente atribuídas ao Estado, mas remata com a regra de que as competências não conferidas pelos estatutos às Comunidades ficam a pertencer ao Estado (recordemos que os estatutos são leis do Estado).
5. A minha tese é a de que mais vale uma Espanha unida sob forma federal do que uma Espanha desagregada em vários países. Não compartilho do regozijo de alguns portugueses com a possível desagregação e enfraquecimento da Espanha.
Infelizmente, tudo indica que a Catalunha já não tem uma solução espanhola. Penso que ninguém (nem a própria Catalunha) ganha com isso.