1. A violência policial contra protestos sociais, justos ou não, é sempre censurável, quando desnecessária ou desproporcional - por violação dos direitos cívicos e do código de conduta das próprias forças de segurança -, qualquer que seja a etnia dos manifestantes, só podendo qualificar-se de "violência racista" se motivada especificamente pela etnia dos seus alvos.
Nada autoriza a ver "racismo" numa ação policial mais musculada ou mesmo patentemente violenta, se ela teria sido muito provavelmente a mesma se tivesse outros alvos nas mesmas circunstâncias. Os africanos e afrodescentes não gozam de nenhuma imunidade especial contra medidas de polícia, quando justificadas pela necessidade de garantir o direito à segurança (que também é um direito humano). Por isso, salvo evidência incontornável, são precipitadas todas as acusações à polícia antes do apuramento rigoroso dos factos ocorridos no Bairro Jamaica, que obviamente impõem o devido inquérito.
2. O que tem de considerar-se social e politicamente intolerável são as condições de habitação e de vida no Bairro Jamaica, que, essas sim, revelam a profunda iniquidade no tratamento das minorias étnicas em Portugal, especialmente as de origem africana, que têm os mesmo direitos humanos a serem respeitados, sejam ou não cidadãos portugueses.
São condições de vida degradantes como aquelas que nutrem o ressentimento e a revolta etnocêntrica e que são exploradas pelo radicalismo étnico-identitário, retintamente racista (embora de sinal contrário). O racismo não tem só uma cor.
Adenda
A única justificação plausível para a invocação da cor da sua pele pelo Primeiro-Ministro no debate parlamentar sobre o incidente (que muitos consideraram despropositada), em reação à insistência da líder do CDS sobre saber se ele apoiava as forças de segurança, terá consistido em o PM ter visto nessa insistência uma tentativa de contrapor a sua responsabilidade como chefe do Governo a uma insinuada "solidariedade étnica" com os manifestantes. Mas o mais provável é que a líder do CDS quisesse somente explorar mais uma vez as contradições políticas dentro da "Geringonça", entre o Governo responsável pelas forças de segurança e os partidos da extrema-esquerda parlamentar, a protestar contra a "violência policial".