1. Em relação ao meu anterior post sobre a Ordem dos Enfermeiros, um leitor pergunta que meios legais é que o Estado tem à sua disposição para obrigar a Ordem dos Enfermeiros (ou outra nas mesmas circunstâncias) a cingir-se às suas atribuições oficiais.
Sem ser este o lugar para um exercício de jusconsultoria, entre esses meios poderiam referir-se não somente os instrumentos típicos proporcionados pela justiça administrativa para pôr cobro à ação ilícita de qualquer entidade pública, mas também os meios que a própria Lei-Quadro das ordens profissionais menciona expressamente, quer diretamente, quer por remissão para a lei de tutela das autarquais locais (que se aplica às ordens com as necessárias adaptações).
Assim, por exemplo, o Governo pode ordenar inspeções às ordens e proceder de acordo com as conclusões apuradas, podendo inclusive transmiti-las ao Ministério Público, para efeitos judiciais de perda de mandato ou de dissolução de órgãos das ordens que, nos termos da lei, "incorra[m], por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave, traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público".
Para bom entendedor...
2. É tempo de assentar definitivamente que as ordens profissionais não são "grupos de interesse" privados para defesa de interesses corporativos, de acordo com o livre alvedrio dos seus associados ou os caprichos dos seus dirigentes.
Embora tenham uma base associativa, as ordens não constituem uma expressão da liberdade de associação, nem na sua criação, nem na sua filiação, nem na sua atividade. Elas integram o poder público e os seus poderes só podem ser utilizados para proseguir o interesse público que lhes foi legalmente confiado. Apesar de serem uma expressão de autorregulação e de autodisciplina profissional, elas exercem esses poderes a título oficial, em nome e por delegação do Estado.
Por isso, as suas decisões são atos administrativos, as normas que aprovam são regulamentos administrativos e as suas quotas e taxas constituem formas de tributação.
3. Por conseguinte, embora sendo entes de "administração autónoma", as ordens não gozam de independência absoluta face ao Governo, que mantém poderes de "tutela de legalidade" da sua ação, quer a título preventivo (aprovação de certos regulamentos), quer a posteriori (tutela inspetiva).
E, como é próprio de um Estado de direito, as ordens, como quaisquer outras entidades públicas, estão obviamente sujeitas ao escrutínio judicial das suas ações e omissões, nomeadamente dos tribunais administrativos.
Ora, os órgaos das ordens, a começar pelos bastonários, não podem invocar ignorância em nada disto. Basta ler a lei (ou seguir este blogue!...).