1. Para o bem e para o mal, no seguimento do entendimento entre o PS e o PSD sobre a descentralização territorial, está de volta o debate sobre a regionalização do Continente, mediante a criação de regiões administrativas como autarquias territoriais supramunicipais, que a Constituição impõe desde 1976, mas cuja concretização a revisão constitucional de 1997 veio, contraditoriamente, submeter a um duplo referendo, que ocorreu em 1998 e rejeitou a solução regional proposta.
Duas década passadas, tenho para mim que uma segunda tentativa - ainda que com diferente mapa regional e mais informação - dificilmente terá diferente resultado, pela simples razão de que os cidadãos não votam em geral a favor daquilo que desconhecem, para mais numa área ideologicamente contaminada pelo atavismo centralista contra o aumento das estruturas políticas e o reforço da "classe política".
2. Desde 1998, a única coisa que mudou para melhor foi o ter-se criado um relativo consenso sobre o mapa regional, assente nas atuais cinco NUTS II, sob jurisdição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (no mapa junto, com a divisão das respetivas NUTS III, ou comunidades intermunicipais, CIM), tendo ficado sepultado o abstruso mapa das oito regiões levianamente colocado a votação em 1998 pelo então Ministro João Cravinho, tendo constituído uma das razões para o fracasso do referendo.
Quanto ao mais, porém, as autarquias regionais - designação que acho preferível à de "regiões administrativas" - continuam a ser um mistério para a generalidade dos portugueses, quanto a atribuições, financiamento, etc. Foi pena não ter avançado a ideia de uma experiência piloto (por exemplo, o Algarve), para testar a instituição.
3. Não sendo possível desfazer, pura e simplesmente, a revisão constitucional de 1997 - que resultou da "conspiração" do então primeiro-ministro, Guterres, com o então líder da oposição do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, para "tramar" a regionalização -, uma solução alternativa para fugir à armadilha de há duas décadas poderia ser a desconstitucionalização da própria regionalização, acabando com a inconstitucionalidade por omissão que perdura desde 1976 (e que compromete a autoridade da Constituição), tornando a regionalização facultativa e remetendo-a para a lei (mesmo se por "lei reforçada"), como sugere o Prof. António Cândido de Oliveira, no Público, invocando o exemplo francês.
Mas está bom de ver que uma tal proposta de revisão constitucional vai suscitar a maior resistência das posições centralistas, que preferem o status quo constitucional. Não deixa de ser irónico que os mais estrénuos opositores da regionalização se prevaleçam do texto cosntitucinal que... continua a impor a regionalização!