1. A Espanha acaba de tornar pública a sua proposta para o "Fundo de Recuperação" da União Europeia para ajuda à retoma económica e financeira dos Estados-membros depois da recessão da pandemia, que recebeu a apoio do Parlamento Europeu na semana passada.
Tratar-se-ia de um fundo no valor de 1 bilião e meio de euros, alimentado por dívida perpétua da União e destinado a financiar - a fundo perdido, e não a título de empréstimo -, investimentos nos Estados-membros, em função de necessidades e indicadores relevantes. A ser aprovado este plano, seria um enorme "boost" financeiro para os Estados-membros mais atingidos.
Seriam ajudas da União como as outras ao investimento nacional, sem contar no défice e na dívidas nacionais. Só que, desta vez, com objetivos específicos e de um valor sem precedentes e, sobretudo, com recurso a dívida pública.
2. Ora, para além dos problemas políticos envolvidos e do possível veto de algum ou alguns Estados-membros mais recalcitrantes à ideia dos Eurobonds, tal fundo suscita algumas questões complicadas na sua configuração:
- um problema constitucional, sobre a possibilidade de endividamento da União, que não tem cobertura segura nos Tratados, dada a insuficiência do art. 122º-2, normalmente invocado;
- que recursos orçamentais novos da União para financiar o serviço dessa avultada dívida (desde logo, os juros), o qual, mesmo com rating AAA da União, não ficaria barato;
- que critérios objetivos para selecionar os projetos dos Estados-membros elegíveis para financiamento do Fundo, assim como a competência para os aprovar;
- que obrigações dos Estados-membros (por exemplo, cofinanciamento nacional nos investimentos financiados pelo Fundo e outras "condicionalidades");
- e que mecanismos de controlo da aplicação desses investimentos ao nível da União.
Parece evidente, que mesmo que não seja vetado à partida, ainda há um longo caminho a percorrer para pôr o Fundo de pé.
Adenda
Angela Merkel anunciou ontem mesmo o apoio da Alemanha à emissão de dívida pública ao nível da União para financiar a retoma económica dos Estados-membros, mas não resulta claro da notícia se esse apoio aos Estados-membros é feito por meio de empréstimos em condições favoráveis ou através de financiamento da União sem reembolso. Note-se que o fundo da Comissão Europeia, recentemente criado para apoio aos Estados-membros na luta contra o desemprego resultante da epidemia (SURE), consiste em empréstimos.