1. Segundo o Público de hoje, a extrema esquerda parlamentar defende que deve manter-se o aumento de remunerações da função pública para o próximo ano, apesar da profunda recessão que aí vem este ano, por causa da epidemia, e do seu enorme impacto orçamental negativo.
Ora, seria um escândalo que, face a esta dramática mudança de circunstâncias, o Estado procedesse ao referido aumento. E a questão não é somente o seu elevado custo orçamental. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade nos sacrifícios. Quem vai pagar a crise, como sempre, são sobretudo os trabalhadores do setor privado, vítimas dos despedimentos e dos lay-offs, assim como os trabalhadores autónomos, que ficam sem clientes, e os empresários, que vêm as suas empresas falir ou reduzir atividade.
Seguramente que não vai haver aumento de salários na economia privada no próximo ano. A maior parte dos portugueses vai perder rendimentos.
2. Neste quadro, que sentido faz, em termos de justiça social, aumentar os funcionários públicos, à custa dos contribuintes ou de mais dívida, quando eles não perdem o emprego nem as progressões, aliás automáticas em várias carreiras? Torna-se evidente que a extrema esquerda parlamentar não quer saber de questões de justiça, quando se trata de beneficiar uma constituency eleitoral numerosa. Mas se os privilégios da função pública já são um problema em condições normais, aumentá-los em situações de crise, quando toda a gente é potencialmente afetada por ela, torna-se politicamente intolerável.
Há dias defendi aqui que seria uma «irresponsável ilusão» pensar que se poderia contar com a colaboração política da "esquerda da esquerda" fora de situações de "vacas gordas" orçamentais. Aí está mais uma prova. QED!
Adenda (18/4)
No mesmo sentido condenatório ver este artigo de São José Almeida no Público, que obviamente subscrevo.