domingo, 8 de novembro de 2020

Praça da República (40): Há coisas que não mudam



1. Ao contrário do que eu antecipei AQUI, os vários partidos de direita, incluindo o Chega, chegaram a uma aliança de governo nos Açores, assim afastando o PS do poder, apesar de este ter ganhado as eleições, porém sem maioria. 

Como já se tinha verificado em 2015 no plano nacional e se confirma agora nos Açores, não basta ganhar eleições para governar. É assim numa democracia parlamentar, em que a legitimidade dos governos decorre da maioria no parlamento. A direita, que em 2015 acusou essa lógica de "antidemocrática", adotou-a agora sem tergiversar.

2. A fome de poder prevaleceu sobre as manifestas diferenças políticas na heteróclita aliança da direita. Não sendo ainda publicamente conhecidas as bases do acordo, não é possível fazer um juízo das cedências feitas pelo PSD, designadamente ao Chega, para obter o seu apoio.

Seja como for, em pouco mais de um ano, o Chega entra no Parlamento nacional e no parlamento regional dos Açores e, ato contínuo, entra no "arco da governação" regional. Um indiscutível feito político!

Não há nenhuma razão para crer que esta solução não seja de utilizar no plano nacional, se as condições se vierem a proporcionar. Tal como o PS recorreu ao PCP e ao BE, quebrando um tabu político de 40 anos, para forjar uma solução de governo contra a direita, o PSD mostra que não precisou de nenhum tempo, nem de excessivos escrúpulos políticos, para acolher o Chega como parceiro político contra a esquerda.

3. Não é difícil tirar a "moralidade política" destes desenvolvimentos. Tal como o PSD aprendeu em 2015 que só pode voltar ao Governo quando a direita vencer a esquerda, também o PS aprendeu agora que só se mantém no governo enquanto a esquerda superar a direita. Por isso, para qualquer deles, não pode haver pruridos políticos quanto às necessárias alianças. "Tudo o que vem à rede é peixe".

Continua, porém, a existir uma importante assimetria: enquanto o PSD mantém capacidade para forjar coligações de governo com outros partidos à sua direita, como já fez várias vezes no plano nacional e agora também nas regiões autónomas, o PS não se mostra capaz de atrair os partidos da esquerda-da-esquerda a governos de coligação, pois o máximo que conseguiu em 2015 foi um acordo parlamentar de sustentação do seu governo minoritário, solução esta que já não precisou de repetir em 2019, por o PS ter mais deputados do que a direita junta. 

No fundo, PCP e o BE continuam fora do "arco da governação", pelo que, ao contrário do PSD, o PS parece condenado a governos minoritários.

Adenda
Um leitor observa que a minha tese só está correta, excluindo à partida governos de "grande coligação", como na Alemanha. Assim é. Entre nós, ao longo destes 44 anos, desde a CRP de 1976, tem prevalecido a alternância entre PS e PSD no governo e na oposição, só tendo havido um efémero governo de coligação de ambos (1983-85) após a vitória eleitoral do PS sem maioria parlamentar em 1983, para responder à grave crise económico-financeira por que o País então passava. Conhecido, pejorativamente, como governo do "bloco central", tal solução não voltou a ser equacionada desde então. Em 2013, por iniciativa de Cavaco Silva, durante a intervenção financeira externa da troika, frustrou-se uma proposta de "governo de salvação nacional" entre PSD, PS e CDS, para substituir o Governo PSD-CDS então em funções, tendo essa solução sido rejeitada pelo PS. A decisão de António Costa, em 2015, de buscar uma aliança política à esquerda do PS visou explicitamente afastar o fantasma do "bloco central".