terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Não dá para entender (26): "Fim de ciclo político"?

[Fonte. Jornal de Notícias]
1. Considero assaz precipitada, para não dizer de todo infundada, a tese veiculada por alguns comentadores políticos sobre os sinais de aproximação do fim do atual ciclo político, por incapacidade do PS para continuar a agregar o necessário apoio parlamentar, especialmente em termos orçamentais.
Ora, se em plena pandemia e no meio da crise económica e social a ela associada, o PS consegue alcançar o apoio eleitoral que a sondagem acima revela, mantendo o PSD a 13pp (!) de distância e somando mais do que todas as direitas juntas, não se vê como é que algum partdo da oposição pode estar interessado em provocar uma crise política e a antecipação de eleições. Seria politicamente suicidário!
De resto, o último partido a desejar esse desfecho é o próprio PSD, que não dá mostras de articular uma alternativa de governo credivel e que se tem fartado de dar tiros no próprio pé, como a admissão de alianças de governo com o Chega e as irresponsáveis votações no orçamento. O PS agradece.
Tenho para mim que a tese do "fim do ciclo político" não passa de wishful thinking dos seus defensores.

2. Tambem não vejo razão, se não houver nenhum percalço imprevisto, para que esta situação política favorável ao PS se não mantenha no próximo ano. 
A vacina contra a COVID-19 vai mudar tudo, sendo de admitir que antes do verão do próximo ano já se terá adquirido uma imunidade social suficiente para retomar a vida normal, em Portugal e na Europa, permitindo a recuperação da economia e do emprego, incluindo a retoma dos fluxos turísticos e a reanimação do sacrificado setor turístico.
Por outro lado, mesmo que o monte de dinheiro da "bazuca" europeia demore algum tempo a chegar, a antecipação do investimento público e privado que ela financiará terá alterado o clima económico e as perspetivas das empresas.
Ultrapassada a pandemia e com a ecomia a recuperar a ritmo acelerado, não existe nenhuma razão para que o PS não ganhe folgadamente as eleições autárquicas de outubro e para que o Governo não consiga pôr de lado mais mil milhões de euros para comprar o PCP na votação do orçamento daqui a um ano.
Se as coisas se passarem assim, então quem estará em maus lençois não será o PS e António Costa, mas sim o PSD e Rui Rio!

Adenda
Um leitor observa, evocando Rui Rio, que "as eleições não se ganham (pela oposição) perdem-se (pelos governos)". Mas é só meia verdade. Se a oposição não se apresentar como alternativa de governo consistente, a derrota do Governo pode demorar muito mais tempo e a vitória da oposição, quando vier, pode ser menos concludente do que deseja. Ora, para além de uma oposição inconsistente, caprichosa e "guerrilhenta", imprópria das responsabilidades de um partido de vocação governamental, o PSD continua sem apresentar uma proposta de governo minimamente confiável.

Adenda 2
Outro leitor acusa-me de eu próprio, sendo socialista, ter cedido ao wishful thinking. Julgo, porém, dar sobejas provas de independência política e intelectual neste blogue; não apoiei a Geringonça em 2015 e tenho sublinhado os elevados custos financeiros e políticos da dependência do Governo em relação à extrema-esquerda parlamentar (por exemplo, AQUI). Penso que uma das poucas vantagens dos governos minoritários é poderem eleger as alianças parlamentares de acordo com os assuntos, sem se tornarem dependentes apenas de uma.