quarta-feira, 16 de março de 2022

A guerra da Ucrânia (18): Um "agente de Putin" em Chicago!?

Depois deste artigo de John Mearsheimer, prestigiado professor da Universidade de Chicago, publicado na revista liberal britânica The Economist, já não é mais posssível sustentar que só os adeptos da "esquerda iliberal" e uns abencerragens do "anti-imperialismo americano" é que ousam falar na responsabilidade ocidental na crise ucraniana - ou seja, o processo de integração da Ucrânia na Nato, que não podia deixar de ser considerada por Moscovo como uma ameaça séria à segurança da Rússia - e considerar a guerra da Ucrânia como uma guerra indireta entre a Rússia e a Nato em solo ucraniano (e à custa dos ucranianos).

Tenho a certeza de que este artigo do conhecido especialista em relações internacionais, obviamente imune a qualquer suspeição de russofilia, não vai suscitar as habituais acusações de "desamor pela democracia liberal" e de "cumplicidade com o imperialismo russo", com que são mimoseados todos os que se atrevem a beliscar o "consenso Washington-Bruxelas" sobre a guerra. O mais provável é ser deliberadamente ignorado...

Adenda
O Presidente da Ucrânia parece agora disponível para abdicar da integração na Nato, o que poderá ser meio caminho andado para o fim da guerra (para o que faltará, porém, uma solução de compromissso quanto ao estatuto especial das províncias russófonas do Leste e da Crimeia). O que pode perguntar-se é se, em vez de ceder nessa questão fulcral agora, sob pressão da invasão russa, não teria sido mais prudente ter mantido o estatuto de neutralidade originária e negociado com a Rússia garantias de respeito recíproco de soberania e segurança, assim evitando tudo o que sucedeu desde 2014 (perda da Crimeia, separação das províncias do Dombass e atual invasão)...

Adenda 2
Um leitor observa que Mearsheimer usa uma gravata com as cores nacionais ucranianas (azul e amarelo). Os zelotas ainda vão acusá-lo de provocação...

Adenda 3
Recordo que, já em 2014, outro observador "realista" das relações internacionais, Henry Kissinger (antigo responsável dos negócios estrangeiros dos Estados Unidos), advertia contra a expansão da Nato para a Ucrânia. Lamentavelmente, a sua advertência foi ignorada em Washington, em Bruxelas (sede da Nato) e em Kiev...

Adenda 4
Fazendo questão de se identificar como "do velho PS", um leitor recorda que Mário Soares alertou, logo em 2008, para a "ameaça à paz" que significava a expansão da Nato para as fronteiras da Rússia, até ao Mar Negro. Pelos vistos, a sageza sénior de Soares não deixou traço nos atuais comentadores socialistas da guerra da Ucrânia, todos alinhados, sem desvios, com o discurso oficial de Washington.

Adenda 5

Um leitor queixa-se de que o referido artigo do professor de Chicago está reservado a assinantes do Economist, pelo que os não-assinates têm de aguardar pela edição semanal impressa (que sai no sábado que vem e que também recebo, mas com vários dias de atraso). Uma opção mais célere (e mais barata) é mesmo assinar a edição digital da revista, cuja leitura considero obrigatória (concordando ou discordando) para todos os liberais, de direita ou de esquerda.

Adenda 6
Minha resposta a um leitor que questionou a validade da "teoria realista" das relações internacionais: «Independentemente da minha posição sobre essa teoria, o que mantenho é que nenhum país que 'more' ao lado de uma potência ressentida deve cometer a imprudência ou a insensatez de a provocar, dando guarida no seu 'quintal' à sua principal potência inimiga. Não acicatar velhas inimizades internacionais também é um princípio normativo nas relações internacionais...».