1. Não é aceitável que, em flagrante violação da natureza laica do Estado consagrada na Constituição, o Presidente da República participe, nessa qualidade, em cerimónias religiosas (missa e procissão) em homenagem à Senhora da Conceição como "padroeira de Portugal", como decorre desta página do site oficial da Presidência.
Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente da República de um Estado não confessional, baseado na liberdade e pluralismo religioso e na separação entre as igrejas e o Estado, pelo que os titulares do poder político não podem, enquanto tais, promover ou participar em cerimónias religiosas. Um Estado laico não tem religião, nem pode ter uma padroeira oficial.
A Igreja Católica tem toda a liberdade de prestar tributo a uma "padroeira" do País, mas o Estado não pode ser tido nem achado nessa matéria. Como cidadão católico, MRS tem todo o direito de participar em cerimónias religiosas, a título particular, mas não pode introduzir cerimónias religiosas no exercício da sua função oficial como Presidente da República, em que representa institucionalmente todos os portugueses, independentemente da sua religião, sem discriminações nem favoritismos.
2. Quando se aproximam os 50 anos do regime democrático - que recuperou a separação entre o Estado e a religião e superou pacificamente a "questão religiosa" da I República -, é incompreensível retomar práticas mais próprias da furtiva confessionalidade do anterior regime.
A não ter sido um lapso a publicação da notícia no site oficial da Presidência, é de esperar, pelo menos, que este lamentável episódio seja um acidente e não a expressão de uma deriva de Belém à margem da Constituição, num tema historicamente tão sensível como este, desprezando uma verdadeira "linha vermelha" republicana.