1. Mesmo que o não diga explicitamente, a frase "assassina" do PR no discurso de tomada de posse de PM sobre a "pessoalidade" da vitória eleitoral de António Costa e consequente impossibilidade de deixar o lugar a meio do mandato e ser substituído por outro (como os comentadores se apressaram a ler) vai ser naturalmente aproveitada pelos poucos adeptos da qualificação do sistema de governo português como "primo-ministerial", baseado na legitimidade eleitoral pessoal própria do PM.
Mas não é assim. Por mais pessoalizadas que sejam as eleições, hoje em dia, em todos os sistemas de governo parlamentar, António Costa é primeiro-ministro por ser (i) líder do partido que ganhou as eleições e que (ii) detém uma maioria de deputados na AR, pelo que (iii) goza da indispensável confiança parlamentar para governar.
Lamento informar, mas, por mais poderes que tenha, o Presidente da República não tem seguramente o poder de mudar a Constituição e decretar a substituição do sistema de governo.
2. Em caso de interrupção do mandato do primeiro-ministro em funções (por morte, renúncia ou candidatura a outro outro cargo político), nem a Constituição nem a lógica do sistema de governo impedem a sua substituição por outro candidato do partido de governo, como, aliás, sucedeu em 2004 (Santana Lopes). Todos os anos há casos de substituição tranquila do primeiro-ministro em sistemas de tipo parlamentar como o nosso.
É claro que no nosso sistema político, o PR pode preferir usar o seu poder politicamente discricionário de dissolução parlamentar, interrompendo a legislatura e o mandato governamental. Mas se o fizer, fá-lo por sua conta e responsabilidade política, não podendo invocar nenhuma caducidade "automática" do mandato supostamente pessoal do PM que deixa funções.
Ao contrário do mandato presidencial - esse, sim, de natureza incontornavelmente pessoal -, o mandato do primeiro-ministro é, por definição, fungível (ou seja, substituível).
3. Por conseguinte de duas, uma: ou o próprio Costa já decidiu levar o mandato até ao fim, como parece resultar de declarações próprias (incluindo uma passagem do seu discurso de posse, sobre a «estabilidade politica até outubro de 2026»), renunciando antecipadamente a um cargo europeu que pode vir a estar ao seu alcance, ou pode ver-se constrangido a fazê-lo, por receio de o PR preferir interromper a legislatura e a estabilidade governativa, à custa da continuidade do governo do PS.
Em qualquer caso, por vontade própria ou alheia, parece ficar fora de causa a hipótese de presidente do Conselho Europeu, para o qual o prestígio e a autoridade política em Bruxelas o credenciam. Uma perda para a União e para Portugal!
[Revisto: mudança na rubrica do post]
Adenda