quarta-feira, 22 de junho de 2022

Corporativismo (23): Até a IL se retrai?

1. Penso que faz sentido esta proposta da IL, de suprimir, pura e simplesmente, uma parte das ordens profissionais, por nenhum interesse público de regulação e disciplina profissional as justificar, não passando de entidades de representação e de defesa oficial de interesses profissionais, que não devem ter lugar numa democracia liberal e numa economia de mercado baseada na liberdade profissional, na liberdade de associação e na concorrência na prestação de serviços profissionais.

Não deixa de ser estranho que o fim do corporativismo oficial do chamado Estado Novo em 1974 não só não tenha sido acompanhado da supressão das organizações de representação corporativa oficiais, mas antes tenha dado lugar à sua proliferação continuada, sem princípios nem coerência, às mãos das maiorias políticas do PS e do PSD, sem distinção. Um contrassenso político e doutrinário!

2. Atualmente, entendo, porém, que não basta suprimir umas quantas ordens profissionais injustificáveis. 

Ao fim destas décadas de descabelado malthusianismo, protecionismo e monopólio corporativista das ordens profissionais em geral, assim como de ingerência em reivindicações laborais, como se sindicatos fossem, perdi qualquer esperança - que me esforcei por alimentar durante muito tempo -, de conciliar a representação e a defesa oficial de interesses profissionais - que caracteriza as atuais ordens - com a liberdade profissional, a concorrência no mercado de serviços e os direitos dos clientes. 

Tal conciliação tem-se revelado impossível na prática, dado o manifesto conflito de base entre o interesse público na regulação e disciplina profissional e a representação e defesa corporativa / sindical de interesses profissionais, sempre empenhada no protecionismo e no alargamento do exclusivo profissional.

3. Por isso, entendo que, mesmo nos poucos setores onde, numa economia de mercado, se justifica a regulação e disciplina pública especial das profissões - aqueles onde há "falhas de mercado" qualificadas e / ou que operam na prestação de "serviços de interesse económico geral" (SIEG) -, as ordens devem deixar de ter funções de representação e defesa de interesses profissionais  - que numa democracia liberal devem caber a associações de iniciativa dos interessados (como nas demais profissões) -, devendo, por isso, ser reconvertidas em autoridades de regulação independente (em relação ao Governo e em relação às profissões), em que os profissionais não devem ter mais do que uma representação minoritária.

É essa metamorfose estrutural das ordens que penso que devia ser coerentemente defendida hoje em dia.

Adenda
A mais ridícula ordem profissional é, a meu ver, a Ordem dos Economistas, criada em 1998, visto ser evidente que não há nenhuma "falha de mercado" nesse setor de serviços profissionais, nem as empresas precisam de nenhuma proteção especial contra os seus economistas. É um escandaloso caso de "desvio do poder" legislativo e de instrumentalização do poder público para a proteção de interesses profissionais. O certo, porém, é que houve um Governo que a instituiu e um PR que a promulgou sem, ao menos, o protesto de um veto político.