sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Alhos & bugalhos (3): Lamento não acompanhar o coro

1. Não compreendo a unanimidade que se estabeleceu sobre uma alegada violação da liberdade de imprensa por uma norma do regulamento da FPF e pela iniciativa da Federação no sentido de a fazer cumprir.

Por um lado, entendo que a norma em causa - que restringe as flash interviews depois dos jogos a breves perguntas «versando exclusivamente sobre as ocorrências do jogo» - faz todo o sentido, dada a natureza daquelas; por outro lado, sendo uma organização da Federação, esta tem todo o direito (e o dever) de estabelecer as regras de disciplina dessas entrevistas para todos os intervenientes, incluindo os jornalistas, e de sancionar um interveniente que viole as regras do jogo, como foi o caso. 

Sem tais regras, as flash interviews seriam uma algazarra caótica.

2. Não vejo onde é que no caso está a alegada violação da liberdade de imprensa, que tem a ver com liberdade de informação e de opinião dos jornalistas, o que manifestamente não está em causa. 

Os jornalistas têm obviamente o direito de perguntar o que quiserem, mas não necessariamente em qualquer circunstância. Na generalidade das entrevistas coletivas há limites ao número e/ou ao tempo das perguntas e ao objeto das mesmas; os jornalistas aceitam essas regras quando entram. Aliás, no caso concreto, a pergunta que a jornalista indevidamente fez na flah interview podia fazê-la logo a seguir na conferência de imprensa, como notou o treinador do Sporting, negando-se a responder à descabida pergunta. Tratou-se, pois, de um pequeno "golpe baixo" oportunista, para se antecipar aos seus colegas -, o que é também uma falta deontológica.

Nesta história, o que é lamentável, além da precipitada condenação pública do Ministro, é o apressado e obediente recuo da Federação, como se fosse um serviço governamental. 

3. Vejo com preocupação a criação, entre nós, da ideia de que os jornalistas não estão sujeitos a regras na sua atividade profissional. Além da violação frequente, e em geral impune, das regras deontológicas - como a de ouvir os acusados de qualquer ato ou opinião negativa ou de identificar as fontes de opiniões alheias que divulgam - só faltava que também ficassem isentos de cumprir as mais elementares normas de disciplina no relato de eventos desportivos.

O que surpreende é o coro a uma só voz, incluindo um ministro como maestro, que se estabeleceu sobre essa matéria. Decididamente, ninguém quer ser acusado de desrespeito pelos direitos dos jornalistas, mesmo que, como no presente caso, só esteja em causa uma violação oportunista de obrigações legais por parte deles.

Adenda
Grave é o descabido "repúdio" da Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas, cujo mandato inclui a disciplina do cumprimento das obrigações deontológicas dos jornalistas, mas cuja ineficácia nessa tarefa é uma vergonha. A CCJ é um organismo público e não mais uma corporação de defesa dos interesses dos jornalistas supostamente ofendidos.