quinta-feira, 25 de maio de 2023

Revisão constitucional (6): Tiro no pé

1. A ameaça de bloquear a revisão contitucional brandida por Luís Montenegro, alegando a indisponibilidade do PS para aprovar muitas das propostas do PSD, não faz nenhum sentido e não mostra grande responsabilidade democrática por parte de um líder da oposição que ambiciona vir a chefiar o Governo do País.

Antes de mais, por definição, a revisão constitucional takes two, sendo um exercício que, dada a necessária maioria de 2/3, exige a convergência dos dois partidos, quer quanto à sua oportunidade, quer quanto ao seu âmbito e extensão, quer quanto às alterações a adotar. Se o PS não aprova certas propostas do PSD, a vice-versa também é verdadeira. O PS até já cedeu muito, quando aceitou discutir propostas de alteração que caem manifestamente fora do âmbito inicialmente admitido para a revisão constitucional.

A revisão constitucional depende muito da capacidade de transação dos dois partidos e da sua disponibilidade recíproca para conceder nuns pontos para obter ganhos noutros. A birra partidária não faz parte da arte de negociar uma revisão constitucional.

2. De resto, o bloqueamento da revisão constitucional, por não ser suficientemente ambiciosa nos termos do PSD, implicaria que a Constituição ficasse como está, sem alterações, o que obviamente não pode ser o desejo do partido. O PCP agradeceria a cortesia.

Pessoalmente, entendo que, estando a Constituição quase a celebrar meio século e justificando-se o seu aggiornamento, tinha cabimento uma revisão constitucional bastante extensa, tendo-me dedicado a coligir e a fundamentar a minha proposta pessoal, que ainda me proponho publicar. Mas julgo que a revisão se justifica, mesmo que ela se limitasse aos dois ou três pontos sobre que existe largo consenso, a saber, permitir a suspensão da liberdade pessoal de movimentos em caso de crise sanitária grave, permitir o uso de metadados das comunicações pessoais na investigação criminal, e permitir a punição penal de maus tratos a animais domésticos.

Numa revisão constitucional nenhum partido pode obter tudo o que pretende, pelo que a ameaça de boicote constitui sempre um "tiro no pé".

Adenda
Um leitor comenta que «falta a Montenegro a dimensão de estadista», sem a qual a sua liderança política do PSD se limita a um taticismo sem vocação estratégica.