sábado, 7 de outubro de 2023

Contra a corrente (3): Duplicidade ocidental em Israel

1. Sim, também entendo que o ataque supresa do Hamas, o grupo radical palestiniano, de hoje contra Israel, disparando centenas de mísseis indiscriminadamente a partir da faixa de Gaza contra alvos civis, é condenável, não sendo preciso para isso ser mais natista do que a Nato.

Mas gostaria de ter visto igual condenação, ao longo deste anos, contra a sistemática violação dos direitos dos palestinianos por Israel, incluindo o confisco do seu território através de "colonatos" judaicos, a construção de um muro de separação em território palestino, a expulsão de moradores palestinianos de Jerusalém (aí, sim, uma verdadeira limpeza étnica), o bloqueio de Gaza, o apartheid antipalestiniano instalado em Israel, enfim a inviabilização programada de um Estado palestiniano. Nenhum povo pode aceitar passivamente a opressão e a humilhação continuadas.

Desta vez não venham dizer que esta nova guerra não foi provocada.

2. É evidente que a superioridade militar israelita - cortesia da generosidade ocidental, especialmente norte-americana - vai prevalecer, não sem muitas baixas civis de lado a lado, acabando no final com mais repressão israelita sobre os palestinianos, mais apropriação dos territórios ocupados, mais ódio na relação entre as duas partes e mais combustível político para os radicais palestinianos.

Que ao menos sejamos poupados à hipocrisia dos lamentos sobre as vítimas e os custos humanos da guerra, a que vamos assistir, guerra que a duplicidade de critérios ocidental ajudou a gerar.

Adenda
Um leitor defende que o Ocidente «faz bem a apoiar Israel, uma democracia ocidental, contra o terrorismo palestiniano e a autocracia dos países árabes vizinhos». Tenho três observações a este argumento: (i) as democracias liberais (sem questionar se Israel ainda o é...) não estão dispensadas de cumprir as suas obrigações internacionais como potências ocupantes, pelo contrário; (ii)  o "terrorismo palestiniano" não pode ser respondido com o "terrorismo de Estado" israelita, como sucedeu ainda ontem, com o bombardeamento maciço de objetivos civis em Gaza, causando centenas de mortos, e o corte de energia ao território; (iii) como já escrevi anteriormenteao ser cúmplice da ilegal anexação de territórios palestinianos em Jerusalém e em grande parte da Cisjordânia, o Ocidente perde legitimidade e autoridade para condenar devidamente a anexação de territórios ucranianos pela Rússia...

Adenda 2
Uma boa análise política da situação por um observador imparcial, neste artigo intitulado «A Shaken Israel Is Forced Back to Its Eternal Dilemma», de Roger Cohen, no New York Times.