1. Este artigo de uma magistrada superior do Ministério Público, no Público de hoje, é de leitura obrigatória, porque ele vem confirmar, a partir de dentro da instituição, tudo o que tem motivado as críticas à organização e funcionamento do MP, a começar neste blogue (por último, AQUI).
As questões essenciais são estas: (i) a Constituição diz que o Ministério Público «goza de (...) autonomia, nos termos da lei», mas o que temos hoje é uma estatuto de completa independência, não respondendo a instituição nem prestando contas, através do PGR, perante ninguém, nem perante a AR, nem perante o PR, que o nomeia e pode demiti-lo (sob proposta do PM); (ii) a Constituição diz que os agentes do MP «são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados», mas sabemos - e este artigo confirma-o inteiramente -, que não há hierarquia nem responsabilidade, prevalecendo, em vez disso, um sistema feudal, em que cada encarregado da investigação penal goza de pleno alvedrio na condução das mesmas, proporcionando terreno fértil para os abusos de poder individual, de acordo com as simpatias ou antipatias políticas de cada um, incluindo um patente golpe de Estado.
Em suma: o Ministério Público tornou-se um abcesso institucional manifestamente à margem da Constituição e das regras essenciais do Estado de direito.
2. Respeitando integralmente a sua autonomia constitucional, cumpre, porém, fazer valer a ordem constitucional no Ministério Público - em vez da ordem corporativa abusivamente representada pelo Sindicato dos magistrados -, a começar pela Procuradoria-Geral da República.
Para isso impõe-se : (i) tornar o Procurador-geral a efetiva autoridade governativa e administrativa suprema no Ministério Público; (ii) obrigar a instituição, através do Procurador-geral, a prestar contas regulares da atividade do MP à AR e ao PR; (iii) instituir uma efetiva hierarquia e responsabilidade hierárquica interna, incluindo para efeitos disciplinares, retirando esta competência ao "parlamento" do CSMP; (iv) em especial, punir disciplinarmente e fazer punir penalmente os conluios entre magistrados do MP e a imprensa, principal fonte da sistemática e impune violação do segredo de justiça, sempre que estão em causa investigados politicamente expostos.
Tal como está, o MP tornou-se um risco sistémico para o Estado de direito constitucional, que urge afastar.