Neste lamentável episódio da crise política aberta pelas suspeitas do Ministério Público, que tem demasiadas vítimas pessoais e políticas injustas (a começar pelo Primeiro-Ministro) e que vai custar muito ao País, política e economicamente, não deixa de surpreender o entusiasmo com que a comunicação social em geral (incluindo "jornais de referência") dá cobertura à versão do MP, sem o mínimo de distanciamento e de análise crítica.
É óbvio que a queda de um Governo sob suspeita de corrupção e a abertura de uma crise política são temas "picantes", que vendem muito papel e tempo de antena e muita publicidade e dão protagonismo a jornalistas, comentadores, politólogos, constitucionalistas, especialistas de várias disciplinas e "tudólogos" avulsos, para muitos minutos de glória pessoal. E é certo também que, desde há muito, os media têm no MP um aliado importante, quer para a violação sistemática do segredo de justiça (incluindo neste caso, como denuncia hoje Cândida Almeida), que alimenta manchetes e vendas, quer na impunidade do respetivo crime, que aquele apagou do Código Penal, pelo que convém cultivar tal cumplicidade.
Mesmo assim, em vez de alinhar acriticamente numa caça-ao-governante-supostamente-corrupto, "engolindo" a versão interessada do MP, um jornalismo decente deveria observar um módico de espírito crítico e de respeito pela verdade e pela inteligência dos cidadãos.
Adenda
Por exemplo, o
Jornal de Notícias de hoje informa, em título, que
«Start Campus influenciou legislação sobre cabos em Sines». Mas, sendo isso verdade, o que é que há de penalmente ilícito, ou sequer ilegal, quer no
lobbying da empresa, quer no resultado que conseguiu, se o Governo se convenceu, ponderados os argumentos, que se tratava de um investimento de máximo interesse para o País, e se nem a empresa ofereceu nem ninguém no Governo recebeu nenhum "pagamento" em troca (do que, aliás, ninguém sequer é suspeito)? A decisão de facilitar o investimento e o processo da sua aprovação até podem ser politicamente controversos, mas
o eventual juízo de censura compete à oposição, no Parlamento e fora dele, e não ao Ministério Público, mediante a tentativa de criminalizar artificialmente aqueles atos.
Adenda 2
Outro exemplo consta no
Público de hoje, que anuncia, também em título, que
«MP diz que Costa pressionou ou, pelo menos, deu aval a pressões sobre Secretária de Estado» quanto a um diploma favorável à Start Campus. Mas, de novo, qual é problema de legalidade ou de ilícito criminal aqui? Se o Governo se convenceu, certamente com bons fundamentos, que tal investimento era importante para o País, é natural que tomasse as providências necessárias para o viabilizar. Para mais, sendo o PM o chefe do Governo, falar em "pressões" sobre uma secretária de Estado é, além do mais, ridículo.
Se este é o tipo de "provas" do MP contra o PM, como confirma quem teve acesso ao documento, então não se vê como é que podem vingar no tribunal.
Adenda 3
Felizmente há exceções nesse coro, como é o caso deste artigo de Henrique Raposo no Expresso, qualificando o Ministério Público como «aliado do Chega». Com toda a razão, e aliás com uma diferença que agrava as coisas: o Chega é explícito no seu propósito de atacar a elite governante e subverter a democracia liberal, e fá-lo às claras, no terreno do combate político, enquanto o MP o faz "pela calada" e instrumentalizando ilegitimamente os seus poderes institucionais ao serviço do mesmo combate político.
Adenda 4