1. Uma das principais "vítimas colaterais" da crise política aberta pela demissão do Primeiro-Ministro - provocada pelo desleal ataque da PGR -, e pela dissolução parlamentar - cortesia do PR, ao preterir a hipótese de nomeação de um novo Governo - é obviamente o processo de revisão constitucional, desencadeado no início da legislatura.
Mais uma vez, como assinalei na altura, lamento que o PS tenha consentido na abertura de um processo de revisão ordinária, para a qual não estava bem preparado, em vez de começar por uma revisão extraordinária, limitada aos pontos identificados que necessitavam de uma alteração urgente; e também que, tendo apresentado um projeto de âmbito propositadamente limitado (direitos fundamentais), tenha depois consentido no alargamento do debate na CERC a todas as propostas apresentadas, arrastando consequentemente a conclusão da revisão.
E assim ficámos sem nenhuma revisão, incluindo onde ela era mesmo necessária.
2. Com mais este falhanço na revisão da CRP, vai prolongar-se o largo período de estabilidade constitucional, que dura desde 2005, que vai em quase vinte anos, o que já não sucedia desde o século XIX.
Será, portanto, a próxima legislatura, se houver condições políticas para isso, a retomar a questão, tendo de decidir, de novo, à cabeça, se opta por começar por uma revisão extraordinária expedita e limitada, seguida de um processo de revisão ordinária, necessariamente mais ampla e mais demorada, ou se incorre no mesmo erro cometido na legislatura cessante.
Com as várias revisões entretanto efetuadas, a CRP de 1976 passou claramente o "teste do tempo", mas a usura das décadas passadas não deixa de mostrar-se no envelhecimento de vários trechos, designadamente na "constituição económica" e em alguns capítulos da "constituição política".
Tal como na natureza, também na CRP os "ramos mortos" devem ser removidos, para dar nova energia à árvore constitucional.
3. Tendo sido um dos constituintes de 1976 - o que poderia levar-me ao conservadorismo constitucional -, penso, porém, que, em vez de a preservar intocada, à custa da sua capacidade para comandar a "realidade constitucional", vale a pena investir numa operação de "aggiornamento" da Lei Fundamental.
Quando está prestes a completar meio século de vigência - o que anteriormente só a Carta Constitucional de 1826 tinha conseguido -, a melhor homenagem que se lhe pode tributar é prepará-la para enfrentar o próximo meio século!