domingo, 7 de janeiro de 2024

Era o que faltava (13): Nacionalização da "Global Media"?

1. A jornalista Ana Sá Lopes defende hoje no Público a nacionalização urgente do grupo Global Media, que detém o DN, o JN e a TSF. Mas não me parece viável tal ideia, nem constitucionalmente nem politicamente. 

Quanto à primeira questão, a Constituição só prevê a existência de um serviço público de rádio e de televisão, não de jornais; e mesmo que tal fosse possível, uma tal medida (necessarimente por via de decreto-lei, precedido de avaliação da empresa) não poderia ser tomada por um governo de gestão, como o atual, constitucionalmente limitado à «prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos», o que manifestamente não seria o caso. 

Quanto à viabilidade política, é de entender que - salvo o serviço público eventualmente previsto, rodeado das necessárias garantias de neutralidade e independência informativa, como sucede entre nós - numa democracia liberal não cabe ao Estado gerir órgãos de comunicação, por serem reserva de entidades privadas, como garantia da liberdade e do pluralismo da imprensa.

2. Acresce que, se o Governo desse tal passo, sem precedentes desde 1976, criaria a obrigação de fazer o mesmo no futuro em relação a qualquer órgão de comunicação em risco de desaparecimento. Ora, sem prejuízo das medidas transversais de apoio à imprensa (lato sensu), numa economia de mercado, as empresas jornalísticas também estão sujeitas à "lei de bronze" da boa gestão, da viabilidade económica e da concorrência, assim como às regras das ajudas de Estado. 

Não se pode ter "o sol na eira e a chuva no nabal".

Adenda
Para uma visão muito mais crítica ver este comentário no Página Um.

Adenda 2
Um leitor pergunta se não lamento o «desaparecimento de órgãos de comunicação tão importantes» como aqueles. Antes de mais, a eventual reestruturação ou mesmo a falência da Global Media não tem de implicar o desaparecimento do seus títulos. Depois, devo dizer que sou assinante das versões digitais do DN e do JN e que lastimaria muito a sua perda, pelo que representam em informação e opinião. Mas também tive pena do desaparecimento de outros jornais de que era leitor, como o Diário de Lisboa ou o semanário O Jornal, ou de monumentos da história do jornalismo em Portugal, como o Século (que deixou o seu nome numa rua de Lisboa) ou o Primeiro de Janeiro, do Porto (o primeiro jornal que conheci, nos anos 50 do século passado, no balcão da taberna da minha aldeia natal). Parafrasendo Shumpeter, a história do jornalismo é uma história de "destruição criativa".