sexta-feira, 3 de maio de 2024

Manifesto dos 50 (1): Ineficiência do sistema judiciário

1. Pronunciando-se sobre o primeiro dos indicadores da crise de justiça enunciado no "Manifesto dos 50" (de que sou cossubscritor), que é a sua inaceitável morosidade, sobretudo na justiça administrativa e na investigação penal, a Ministra da Justiça, além de imputar as culpas para os governos precedentes - como se o problema não tivesse décadas! -, aduziu entre os fatores a falta de magistrados.

Mas não tem nenhuma razão. Se pode haver eventualmente défice de funcionários, tal não sucede com os magistrados, pelo contrário: comparativamente, estamos na média europeia quanto aos juízes e a acima dela quanto aos procuradores, como se pode ver aqui. O problema está noutras causas: deficiente gestão das magistraturas, falta de avaliação do seu desempenho, incluindo quanto ao seu output, e uma atitude predominante de laxismo, incluindo quanto ao cumprimento de prazos processuais. 

Em vez de aumentar desnecessariamente o número de magistrados, o Governo deveria começar, sim, por uma avaliação externa independente da eficiência do sistema judiciário.

2. O que surpreende também entre nós é a complacência com que a imprensa e a opinião pública encaram a falta de resposta da justiça. Enquanto os atrasos e as falhas no sistema de ensino ou no sistema de saúde são implacavelmente denunciados (e bem!) e podem levar à demissão dos respetivos responsáveis políticos, o mesmo não sucede com o sistema judiciário. Ora, a justiça não é um serviço público menos essencial do que aqueles para vida dos seus destinatários e da coletividade em geral. 

Por um lado, embora estatisticamente só uma minoria seja diretamente afetada pela justiça, ninguém pode dizer que "daquela água não beberei". Por outro lado, a justiça é fundamento essencial do Estado de direito, na garantia dos direitos privados, na punição penal, na justiça administrativa e constitucional. 

Decididamente, temos de ser coletivamente mais exigentes com a justiça.

Adenda
Concordando com este post, um leitor acrescenta que «a justiça é também essencial para o desenvolvimento económico, o qual não se faz sem a aplicação dos contratos, [e] que boa parte do atraso económico português se deve à falta de confiança criada pela ausência de uma justiça célere e confiável». Tem toda a razão.

Adenda 2
Outro leitor lembra que, segundo o Estatuto do Ministério Público, no art. 140º, «a produtividade e a observância dos prazos definidos para a prática dos atos processuais aparecem apenas em quinto lugar entre os critérios de avaliação profissional dos respetivos magistrados e mesmo assim, "considerando o volume processual existente e os meios e recursos disponíveis"». Deve crescentar-se que as inspeções ocorrem normalmente apenas de cinco em cinco anos. Esta manifesta desvalorização do desempenho justifica tudo, a começar pela morosidade da investigação penal!