quinta-feira, 31 de março de 2005

As escolas não são igrejas

Tem toda a razão a queixa, hoje referida no Público, de uma associação laicista portuguesa contra a exibição de crucifixos nas escolas públicas e a realização de cerimónias religiosas por iniciativa das mesmas. Tal queixa baseia-se neste relatório que revela dezenas de casos desses por esse país fora. De resto, uma retrato semelhante poderia ser colhido nas prisões, hospitais e outras instituções sociais públicas (ressalvam-se obviamente os lugares de culto existentes nesses estabelecimentos públicos, destinado aos utentes).
Trata-se evidentemente de ostensiva violação da regra constitucional da separação entre o Estado e a religião, muitas vezes como resquícios herdados do Estado Novo. São inaceitáveis estas situações, que devem por isso ser eliminadas. Aliás, depois do favor feito ao Vaticano com renovação da Concordata, é uma ocasião mais do que oportuna para o Estado, por sua vez, fazer cumprir definitivamente as exigências da separação e neutralidade religiosa dos serviços e estabelecimentos públicos.

Adenda
Na Aba da Causa está compendiado um artigo meu sobre este assunto, publicado em Junho passado no Público.

Correio dos leitores: Férias judiciais (2)

«(...) Desta vez [férias dos tribunais] creio que não está a ser intelectualmente justo. De certeza que há coisas bem mais importantes, como por ex. as inúmeras nomeações que são feitas, por confiança política, sempre que muda o governo, etc.
Então e o que dizer das férias dos deputados e outras situações de privilégio???
Acha que recebo horas extraordinárias sempre que estou até mais tarde no tribunal???
E acha justo que só possa "gozar" as minhas férias naquele período, obrigatoriamente, quando a maior parte as pode gozar em períodos diferentes (acha isso um privilégio???).
Quanto à saúde, todos nós pagamos 1% do nosso salário para "ajudar" os SSMJ, mas não é todos os dias que se recorre ao médico (eu pelo menos passo muito tempo que não sei o que é um médico, e acho que não sou o único), acha que é um privilégio???»


Comentário
Não me move nenhum preconceito nesta matéria.
Os tribunais, ao contrário do parlamento, são estabelecimentos públicos destinados a prestar serviços aos cidadãos, devendo por isso estar abertos, como os outros serviços públicos (as escolas, essas, têm as férias dos alunos). Aliás, os tribunais ainda encerram mais uma semana no Natal e outra na Páscoa.
Há funcionários de outros serviços públicos que têm de fazer férias no período de encerramento dos serviços aos utentes (por exemplo, os professores). De qualquer modo, todos os demais serviços públicos continuam a funcionar sem prejuízo das férias dos seus funcionários. Mesmo que os tribunais não possam funcionar sem juízes, basta um mês de interrupção, e não dois, como agora.
Todos os funcionários públicos descontam 1% do seu vencimento para a ADSE, e não têm as regalias dos funcionários da justiça. Sim, acho que é um privilégio injustificável. A função pública deve obedecer a parâmetros de igualdade de condições.

Correio dos leitores: Férias judiciais

«Reduzir as férias judiciais de Verão para um mês e meio, de 15 de Julho até 31 de Agosto, faz sentido. Agora, um mês só é um disparate: o Tribunal não fecha para férias, tem de haver Magistrados e Funcionários de turno.
Toda essa gente tem direito a um mês de férias. Teriam de gozar parte delas fora do período de férias judiciais, e o inerente transtorno, com as inevitáveis e parciais paralisações do serviço, em diversos períodos,desencontrados, deitavam por água abaixo o pretendido aumento de produtividade...
Por isso é que, quando se fazem reformas só na base da teoria, sem se conhecer o "terreno", dá "buraco", como vem sendo, aliás, de regra.
(...) A propósito, o artigo do José Lebre de Freitas, no "Público" de 30 de Março de 2005, acerca da Reforma da Acção Executiva é um bom exemplo de como sai mal o que se julga estar a fazer bem. E de como se constrói um edifício a partir do telhado... Falta tudo, mas tudo, o que era preciso para que a dita Reforma funcionasse. Não faz mal... Salva-se a Reforma!
Na questão das férias judiciais é o mesmo desprezo pela incontornável realidade das coisas, que se ignora, e não se quer conhecer.»

(J. Amaral)

Direita atlântica

Afastada do poder pelos próximos anos a direita resolve investir organizadamente na luta ideológica, como mostra o aparecimento da revista Atlântico (cujo nº 1, aliás gratuito, foi hoje distribuído com o jornal Público, que assim confirma o seu desvelo pela distribuição de revistas da direita). As melhores estrelas da companhia marcam presença, numa publicação editada pelo Fórum para a Competitividade, um conhecido grupo-de-interesse do mundo dos negócios (a que se junta inusual apoio publicitário de alguns importantes grupos económico-financeiros nacionais). É, aliás, uma aliança natural e, mesmo, orgânica.
Bem vindos sejam!

Simplificação fiscal

Há uma coisa em que Miguel Frasquilho tem razão: no que diz respeito à simplificação do sistema fiscal, como condição da sua compreensão, justiça e eficiência. Infelizmente o programa do Governo promete manter ou agravar a complexidade, com mais situações especiais, recuperação dos benefícios fiscais à poupança e novos incentivos fiscais a mais actividades.
Ainda assim, seria meritório que o Governo ressuscitasse a comissão para a simplificação do sistema fiscal que Bagão Félix criou, mas que mais tarde mandou embora, quando a sue tarefa mal se iniciara. Os contribuintes agradeceriam...

Progressividade?!

A nova coqueluche da direita em matéria fiscal é a taxa única (flat rate) no imposto de rendimento pessoal, adoptada por alguns países do Leste europeu. O que surpreende neste artigo de Miguel Frasquilho é a alegação de que o imposto de taxa única continua a ser "progressivo", visto que existe uma isenção de imposto até certo nível de rendimento, fazendo com que a taxa efectiva aumente com a elevação deste, aproximando-se da taxa nominal, por ser cada vez menor a proporção do rendimento isento no rendimento total. Contudo, falar em progressividade nessa situação é brincar com as palavras e com os conceitos, dado o limite da taxa nominal, em geral pouco elevada. É evidente que, para além do favorecimento dos mais altos rendimentos, um tal esquema não preencheria entre nós a noção constitucional de imposto progressivo, que supõe uma subida significativa da taxa efectiva à medida que o rendimento aumenta.
Acresce que nesses países a combinação da tendencial proporcionalidade do imposto de rendimento (por causa da taxa única) com a natural regressividade dos impostos indirectos e com o habitual tratamento fiscal privilegiado dos rendimentos de capital acaba por gerar um sistema fiscal globalmente regressivo, profundamente iníquo sob o ponto de vista social.

Ternurenta...

...a preocupação do Acidental com a ausência do "Causa Nossa" do Governo. Não imaginam como nos sentimos frustrados pelo infame desaproveitamento da nossa provada vocação governativa! Mal suspeitam como Sócrates se vai arrepender de nos ter enjeitado desta maneira tão vil!

quarta-feira, 30 de março de 2005

Problemas referendários

No meu artigo de ontem no Público abordo os problemas constitucionais dos dois referendos previstos para os próximos tempos entre nós (o artigo também se encontra disponível na Aba da Causa, como habitualmente).

Até quando?

O que Diogo Lucena escreve no Diário Económico contra as injustificáveis restrições à liberdade de estabelecimento de farmácias venho-o eu escrevendo regularmente há mais de uma década, inclusive naquele mesmo jornal, na coluna "mão visível" (e algumas vezes também aqui no Causa Nossa). Mas é sempre bom passar a estar bem acompanhado. E contra grupos de interesses tão poderosos como o das farmácias, nenhuma voz é demais.

Banco Mundial - largado aos wolfies...

Conheci Paul Wolfowitz em Jacarta, dia 20 de Maio de 2000 (haa nos arquivos do MNE telegrama meu a contar em detalhe o encontro). Em casa de uma querida amiga, Tamalia Alijhabana, num jantar organizado por Bambang Harimurti, o Director do jornal e da revista "Tempo", reunindo 20 pessoas politicamente empenhadas na construccao da democracia indoneesia. Estrangeiros, soo dois: eu e Wolfie, que fora embaixador em Jacarta nos anos 80, mas a quem a cumplicidade com Suharto naao impedira de estabelecer relacooes com gente da oposiccao possivel (o que soo abona em favor dele). Ao café, chamou-me de lado, para me perguntar como via o processo indonesio e Timor-Leste, sobre cuja viabilidade politica e economica expressou as maiores duvidas, na linha da velha cartilha kissengeriano/suhartista. A certa altura, disparou:"Mas por que raio, voces, portugueses, fizeram tanta pressao sobre Habibie para oferecer o referendo a Timor?".
Era Maio de 2000, o parlamento indonesio haa meses que tinha cancelado a anexaccaao de Timor-Leste, as relacoes diplomaticas entre Lisboa e Jacarta estavam restabelecidas desde Dezembro, Wahid era Presidente, Xanana ja o tinha vindo visitar, timorenses e indonesios estavam a procurar construir um novo relacionamento, repatriar os refugiados era a prioridade, a ONU e Portugal estavam a ajudar como podiam - e aquele sujeito ainda tinha o topete de vir assumir as dores dos suhartistas, mostrando ainda por cima que nao percebera nada do processo recente? Enfim, laa me enchi de paciencia diplomatica (espantam-se alguns porque ee que a perdi, regressada a Portugal...) e expliquei-lhe que tao surpreendidos com a oferta do referendo pelo Habibie, tal como os indonesios, tinhamos sido noos e os timorenses, etc... Fiquei a pensar: fora do poder (era reinado Clinton), os wolfies uivam, mas nao conseguem morder, porque nem sequer percebem que presas teem pela frente.
Direitos humanos dos timorenses, direito aa auto-determinaccao de TL: aas urtigas para o Wolfie. Sim, o mesmissimo que invocou direitos humanos, democracia e as pretensas ADM para justificar a guerra no Iraque. E que se calhar tambem invoca direitos humanos e "mother's pie" para justificar Abu Grahib, Guantanamo e o "rendering"- a tortura subcontratada, a ultima ignominia da globalizaccao aa la "neo-con" bushista.
O Banco Mundial fez excelente trabalho em Timor-Leste e ainda mais importante foi o que fez na Indonesia por Timor-Leste, no ano de 1999 e seguintes, ajudando enfaticamente a passar a mensagem de que era melhor Jacarta naao dificultar a vida a Dili. Gracas a Sarah Cliff em Washington e Dili e ao representante na Indonesia, Mark Baird, um admiravel neo-zelandes com quem estabeleci grande cumplicidade e sinergia, com a benccaao de Jim Wolfenson, o anterior Director do Banco.
Mas para que servem wolfies bons, como Jim? Os lideres europeus, mais uma vez, mostram que nem assim aprendem nada. Nem sequer daao para capuchinhos vermelhos: nao teem inocencia, nem sobretudo entranhas, para enfrentarem wolfies maus. Mas o BM, sob a direccao de Jim, ate comeccou a criar mecanismos para lidar com wolfies maus em varias partes do mundo. Por isso naao excluo que, neste caso, como sugere Fareed Zakaria na Newsweek da semana passada, o Wolfie venha afinal a poder ser domesticado. E, quem sabe, atee os capuchinhos vermelhos poderaao ter a oportunidade de um dia o papar.

Bush bolsa-nos Bolton e Wolfie

A viagem do Presidente Bush aa Europa em Fevereiro fez criar expectativas de que algumas liccoes tivessem sido aprendidas com a aventura unilateralista no Iraque e de que o segundo mandato pudesse ser diferente do primeiro, mais necessitado de buscar concertaccao internacional, designadamente com os europeus.
Mas as nomeaccoes de Paul Wolfowitz para o Banco Mundial e de John Bolton para embaixador dos EUA na ONU, prometem mais do mesmo: Bush 1.
Sao dois sujeitos com quem eu, por acaso, cruzei caminhos, na minha vida diplomatica.
Sobre Bolton, escrevo assim que o trabalho me deixar, aqui na Etiopia - onde me encontro de roda de um teclado abexim, no qual naao consigo encontrar acentos ou cedilhas (defeito meu, decerto).
Sobre Wolfie, vai a seguir.

África

Num popular concurso da RTP, o concorrente tinha de saber se Bonga era originário de Angola, Cabo-Verde ou Moçambique. Hesitou. Afinal os géneros de música dos três países são tão parecidos, pensou alto. E o apresentador do concurso concordou, retorquindo que, de facto, são todos de África.
Pois é, o jazz e o samba também são dois géneros de música americana. Há mesmo quem sustente que as origens de ambos são comuns e africanas. Mesmo assim, alguém se lembrará de dizer que são parecidos? A diferença entre a morna (um dos ritmos de Cabo-Verde) e a marrabenta (um dos ritmos de Moçambique) não deve ser menor do que a que existe entre o fado e o rock'n roll!
Mas a tendência para confundir o continente africano com um só país é muito frequente: seja a propósito da corrupção, da democracia, da guerra ou da paz, da fome ou, ainda com maior frequência, da cultura. A confusão é provavelmente proporcional à distância que nas últimas décadas se foi criando em relação a esse continente, que normalmente só é notícia pelos maus motivos e mesmo assim de uma forma quase rotineira (compare-se a importância atribuída à tragédia do Ruanda com a do recente maremoto na Ásia).
Faltará ainda muito para mudarmos de atitude? Sugiro mesmo que no tal concurso, além do tema Europa, se inclua uma tema África.

Salgalhada superior

O Diário Económico de ontem informava que o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), que pertence ao ensino superior politécnico, quer integrar-se na Universidade de Lisboa (Clássica) e que esta aceita de bom grado a integração. Compreende-se a vontade da primeira (upgrade de status) e da segunda (ampliação institucional). O que se não se vê é a lógica é que tal integração pode ter num sistema de ensino superior "binário", como é o nosso, em que os dois subsistemas devem ter filosofias e missões diferentes. Para salgalhada já bastam os casos de Aveiro e de Faro, que vêm do antecedente e que nenhum ministro teve coragem de clarificar. Vai J. Mariano Gago coonestar mais esta anomalia?

Falta de autoridade

É de aplaudir a pressão que os Estados Unidos tencionam exercer sobre outros países quanto ao respeito pelos direitos humanos. Mas não seria de aplicar essa pressão sobre si mesmos, considerando os excessos do Patriotic Act na violação das garantias individuais e, sobretudo, a intolerável situação dos prisioneiros de Guantánamo, detidos sem acusação e sem nenhumas garantias de defesa vai para três anos?
Na verdade, os Estados Unidos contam-se entre os países que estão, justamente, sob pressão das organizações internacionais dos direitos humanos. E enquanto houver o cancro de Guantánamo, a legitimidade e autoridade dos Estados Unidos em matéria de direitos humanos é assaz escassa.

terça-feira, 29 de março de 2005

Correio dos leitores: Limites de velocidade (2)

«Sobre os limites de velocidade tenho algumas dúvidas no aumento dos seus valores máximos.
Esta dúvida tem a ver com a questão da quantidade de emissão de gases poluentes que julgo aumentarem quanto mais aumenta a velocidade do automóvel. (...)
Penso que é um ponto a ter em conta, embora nunca o tenha visto referido como uma razão para o limite dos 120 km/h nas autoestradas.»

Rui Sousa

Correio dos leitores: Limites de velocidade

«O problema da velocidade nas auto-estradas é essencialmente a grande disparidade das velocidades dos veículos que nelas circulam. Aumentar o limite de velocidade aumentará o risco, porque continuará a haver muitos condutores a circular a 90 km/h.
(...) Além disso, a razão fundamental para manter um baixo limite de velocidade é a poupança de carburante. Foi por esse motivo que os limites de velocidade foram pela primeira vez introduzidos nas auto-estradas norte-americanas.»

Luís Lavoura

Frases que eu gostaria de ter escrito

«Poucas coisas destruirão mais a credibilidade dos políticos e das instituições democráticas que a sua prolongada incapacidade para controlar e sancionar conflitos de interesses.»
João Cravinho

Quando, afinal, não somos o que julgamos ser...

Há sempre um momento em que alguém nos mostra que não nos conhecemos a nós mesmos. Julgava eu pertencer à esquerda republicana e laica, que, a par da liberdade e do pluralismo religioso, preza e defende a estrita separação e neutralidade do Estado em relação às religiões e a igualdade e imparcialidade de tratamento das diversas confissões religiosas, sem discriminações nem privilégios. Afinal isso não passava de auto-ilusão ou, pior do que isso, dissimulação. Alguém com autoridade acaba de expor publicamente as minhas suspeitas convergências com o episcopado em matéria sensível, nomeadamente no apoio a esse nefando monumento antilaicista e católico-apostólico-romano, que é a Constituição europeia. A prova irrefragável do delito está aqui e a justa denúncia está aqui. Só posso penitenciar-me humildemente e apressar a minha adesão aos círculos clericais, a que afinal pertenço, memo sem o saber...

segunda-feira, 28 de março de 2005

sick na Sic e com os fantasmas sorridentes

Começo a semana doente, em casa, a fazer zapping frenético na esperança de apanhar o genial Conan O'Brien na Sic-Comédia. Subitamente, apanho o primeiro episódio de uma série do mítico "Saturday Night Live" de há 15 anos atrás. O convidado especial é Kyle MacLachlan - que, na altura, estava no auge graças à personagem de Dale Cooper, protagonista da série "Twin Peaks". O elenco fixo do SNL de há 15 anos tinha futuras grandes estrelas, como Mike Myers ou Chris Rock, talentos que ficaram pelo caminho como Dana Carvey ou Dennis Miller, e outros mesmo que entretanto faleceram, como Phil Hartmann ou Chris Farley.
No melhor e mais longo sketch da noite, Kyle parodia a personagem e a série que lhe deu fama.
De repente, no meio da confusão, há um figurante que surge na penumbra. Não fala, está vestido de polícia, e a sua única função é agarrar um descontrolado Farley que interpreta o assassino de Laura Palmer.
Há 15 anos atrás, com 27 anos de idade, era isto que ele fazia. O figurante é Conan O'Brien, o meu novo vício televisivo. Confirmo na supersónica ficha técnica que Conan era, à altura, um dos 12 guionistas do SNL.
Não é nada de especial, esta pequena descoberta entre os fantasmas sorridentes, mas gostei de ver. Gostei sobretudo de imaginar o que terá sucedido no espaço desses 15 anos, para levar um tímido Conan, desde a penumbra dos sketchs que ele ajudava a escrever, até sucessor de Jay Leno no espaço mais nobre da televisão dos USA.
Acho que chamam isto de "american dream" - e eu, que sempre fui ingénuo e nunca anti-americano, gosto da sensação que estes pormenores me causam.

amor e um camião do lixo

exterior/noite

(numa lateral da Maternidade Alfredo da Costa)

Um camião do lixo percorre a rua lentamente, para não incomodar a madrugada. Primeira surpresa: um dos "homens do lixo" é uma mulher. Como eles, também ela corre para os caixotes, num vai-vém entre a sua localização e o camião onde trabalha.
O camião faz a curva e desaparece por momentos. Um pouco para trás, ficaram a mulher e outro colega. Para segundo espanto do homem que observa, em silêncio, no interior do seu carro estacionado perto deles, o casal toca-se, beija-se, sorri e, de mãos dadas, devagar, faz também a curva do desaparecimento. Sujos, desprestigiados, mal pagos, acordados quando toda a gente dorme, felizes.

Amigos

O Rui Branco mudou de casa. Ou melhor, anda em mudanças. Para ele, e para os outros amigos do Esplanar e do País Relativo, desejos de grande futuro blogosférico.

O grande tabu

A única medida verdadeiramente séria e eficaz contra o excesso de velocidade nas estradas (no pressuposto, altamente questionável, que esse é o principal factor explicativo do número arrepiante de acidentes rodoviários) seria a imposição de um limite técnico de 120 km/h a todos os motores de automóveis. Simples, não?

Atrasadamente

Por esquecimento não fiz referência aqui ao meu artigo da semana passada no Público, desta vez sobre a reforma e modernização da administração pública. Como habitualmente o texto também se encontra arquivado na Aba da Causa.

Adenda
Na minha coluna de amanhã vou tratar das questões constitucionais e políticas relativas aos dois referendos que estão anunciados.

Tabus

Com o novo Código da Estrada, que aumenta o rigor das normas e agrava consideravelmente as sanções para as infracções, terá sentido manter inalterados os irrealistas limites de velocidade máxima nas auto-estradas (e mesmo fora delas), sabendo-se que os limites excessivamente baixos só vão ser "respeitados" à custa de generosas doses de tolerância da polícia? Não seria mais coerente com a filosofia da reforma subir moderadamente aqueles limites, pelo menos para os automóveis ligeiros, para se poder ser mais exigente no seu cumprimento? Ou vamos continuar agarrados a ficções, por incapacidade para questionar tabus sem fundamento?

domingo, 27 de março de 2005

Ligeireza

As considerações de Marcelo Rebelo de Sousa no seu programa de hoje na RTP sobre a reforma do Pacto de Estabilidade e Convergência da União Europeia revelam uma inexplicável ligeireza -- a par de alguma demagogia contra a França e a Alemanha --, ao darem a entender que o PEC foi rasgado e que doravante reinará a desregulação do défice orçamental e da dívida pública. Mas não é verdade. Mantêm-se os limites de um e de outro (3% e 60% do PIB, respectivamente), e nenhumas despesas públicas deixaram de contar para o défice (ao contrário do que foi afirmado). O que foi flexibilizado tem a ver com as justificações para o défice excessivo (evitando as respectivas sanções) e com um período mais longo para repor o cumprimento dos limites (três anos em vez de um ano).
Também não é verdade que Portugal tenha cumprido os limites do PEC nos governos PSD/CDS. O défice orçamental real (antes das receitas extraordinárias de fim de ano) ficou sempre próximo ou acima dos 5% e a dívida pública superou os 60% do PIB. E no corrente ano, graças ao orçamento do Governo de Santana Lopes, o défice vai pular para mais de 6%, ou seja, o dobro do admitido pelo PEC, e um "record" desde há muito entre nós. Se não fosse a reforma do PEC Portugal estaria em muitos maus lençóis...

Judiciosas...

...são as considerações do presidente da conferência episcopal portuguesa, o cardeal José Policarpo, sobre a constituição europeia. Um clara desautorização da utilização da religião para combater a Constituição, como tem sido insinuado por alguns círculos católicos tradicionalistas, pretextando a ausência de uma referência à "herança cristã", em que o Vaticano se empenhou, sem êxito.

sexta-feira, 25 de março de 2005

Perda absoluta

Chegado ao seu segundo aniversário o País Relativo, um dos decanos dos blogues de esquerda, resolveu acabar. Efeitos da vitória do PS e da esquerda no poder?
Na blogoesfera dois anos são uma longa vida; mesmo assim, o fim de um blogue de qualidade é sempre um perda. Ou me engano muito, ou ainda veremos vários do seus autores de volta às lides, daqui a uns tempos...

Desistência

O apoio entusiasmado à candidatura de Guterres ao cargo de Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados significa que o PS já se conformou com a alegada falta de vontade do antigo primeiro-ministro para concorrer à presidência da República e que portanto já se conformou também com a falta de um verdadeiro "challenger" para a forte candidatura de Cavaco Silva?

Compromisso

Houve quem criticasse fortemente a decisão do último Conselho Europeu sobre a suspensão da directiva do mercado único dos serviços, tomada sob pressão da França, a braços com uma forte reacção social e política contra a "directiva Bolkestein" e por tabela contra a Constituição europeia (as sondagens de opinião dão agora vantagem ao "não" nas intenções de voto para o referendo de 29 de Maio). Mas a aprovação da Constituição pela França vale bem um compasso de espera quanto à liberalização dos serviços na UE. Um chumbo francês significaria a morte do tratado constitucional.