quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

Wishful thinking

«Se eu teria apoiado a guerra se soubesse (ou estivesse convencido) de que não existiam ADM [armas de destruição maciça]? Não.» Assim escreveu, sem "ses" nem "mas", Pedro Mexia, agora regressado ao seu "Dicionário do Diabo" (post de 06.02.).
É uma declaração digna de registo, tanto mais que idêntica declaração está por fazer por quase todos os outros que apoiaram a guerra no Iraque por causa das tais armas (e só elas a poderiam legitimar, se existissem) mas que agora "assobiam para o ar" com inexcedível cinismo. Por isso só pode ser louvada a atitude de PM.
Falta porém admitir também que, face à fragilidade ou inverosimelhança das alegadas provas oportunamente apresentadas por Bush & Blair - para mais não corroboradas pela inspecção das Nações Unidas no terreno -, acreditar nelas foi uma expressão de “wishful thinking” e que a posição justa foi a dos demais membros do Conselho de Segurança, liderados pela França e pela Alemanha, que reclamaram que, antes de se ir precipitadamente para a guerra, se desse mais tempo à missão de inspecção no Iraque para descobrir a verdade.
De facto, a controvérsia da guerra não foi entre quem dizia que havia armas e quem dizia que não havia (pois também ninguém podia asseverar que elas não existiam), mas sim entre os que interromperam unilateralmente as inspecções, dizendo que já tinham provas mais do que suficientes para avançar para a guerra imediata e os que, não convencidos, eram pela prossecução das inspecções que até então nada tinham descoberto.
A verdade dos factos deu razão aos segundos, que foram miseravelmente vilipendiados pela maior parte dos partidários da guerra. O mínimo que podemos fazer agora é vindicá-los. O que deve ficar para a história deve ser a verdade dos factos e não a mistificação do partido da guerra.

Vital Moreira

terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Apostilas das terças

1. "Sunshine rule"
O inspector-geral do Ensino Superior deu conta da existência de fraudes nos pedidos de bolsas de estudo. Com o sistema fiscal que temos e a falta de controlo dos elementos fornecidos pelos requerentes, a fraude é uma tentação. Só o escrutínio público pode atenuá-la. Todos os beneficiários de subsídios públicos deveriam ser obrigados a autorizar a publicitação dos seus pedidos e das suas declarações de rendimentos, como condição do seu recebimento.

2. De mistificação em mistificação
Numa entrevista televisiva, Bush voltou a defender a "inevitabilidade" da guerra contra o Iraque, invocando a "ameaça" que Bagdad representava. Ora, como se não bastasse a confirmação de que as tais "armas de destruição maciça" não existiam, o chefe da CIA veio há dias comunicar que a agência "nunca declarou que o Iraque constituía uma ameaça iminente". Bush vai-se assim enterrando de mistificação em mistificação até ao total descrédito final.

O intruso

Navegava a malta do Mar Salgado no seu remansoso rumo de centro-direita moderada quando de súbito lhe caiu a bordo um peso pesado da direita dura. Menos prudente e auto-contido do que Portas no Governo, V. Lobo Xavier julgou ter campo livre para exprimir despejadamente as suas peculiares posições branqueadoras do Estado Novo («a propalada falta de liberdade...») e do colonialismo português («das melhores colonizações do século XX...»). Teve a resposta devida “on the spot”, à conta de Pedro Caeiro e de Tiago Reis Marques.
Rotunda vitória da tripulação democrata. A operação de revisionismo histórico-político foi repelida e o intruso posto na defensiva, às arrecuas. Ainda bem. Assim, podemos comemorar mais confiantemente os 30 anos do fim da ditadura e do colonialismo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004

Medalha ao sofrimento

Eis um excerto das declarações do judoca João Pina, em quem a tribo lusitana deposita esperanças na obtenção de uma medalha olímpica, ao jornal Record de 9 de Fevereiro:


“O meu peso normal ronda os setenta e poucos quilos [para 1,76 m de altura] e é nesta fase que rendo mais nos treinos. Só que, a 15 dias das competições, sou obrigado a perder peso para entrar na categoria dos 66 kg e isso causa-me muito sofrimento. Antes de vir para Paris
[para um torneio pré-olímpico, onde o atleta conquistou uma medalha de bronze], as refeições foram mínimas [uma frugal salada pode servir de repasto] e, para o peso baixar, nem sequer se pode beber água [João Pina chega a beber quase três litros de água depois de se pesar para uma competição, a fim de compensar a privação de líquidos por que passa nos dias anteriores]. Este tipo de coisas não dá saúde a ninguém. Isto mata.”
Após os Jogos Olímpicos de Atenas, João Pina quer mesmo subir à categoria dos 73 kg, já que a manutenção artificial nos 66 kg está a deixar o atleta psicologicamente afectado. É que, “se o peso não estiver equilibrado com as necessidades do organismo, aumentam os riscos de lesões e o sistema imunitário fica debilitado. Infelizmente, o judo [de competição] tem de conviver com este tipo de sacrifícios”.

Terá mesmo? E os dirigentes desportivos nacionais, também terão? E a medicina desportiva, também terá? Vale tudo para caçar medalhas?
Fotografia de David Finch (http://www.judophotos.com)

Luís Nazaré

Marx e Nietsche na BBC ...

Na sua coluna no Expresso, pretensiosamente designada “Antes do Tempo” mas que se limita a expor semanalmente as posições do mais chão conservadorismo, de que se tornou um dos expoentes entre nós, João Carlos Espada ataca a BBC a propósito de Relatório Hutton. Declara peremptoriamente que ela já não é o que era e que se tornou cúmplice dos inimigos das tradições e instituições ocidentais e das sociedades livres em que vivemos! Nem mais.
Ora o episódio em causa só revela a excepcionalidade da BBC como órgão de informação independente e responsável. A agora comprovada falta de um dos seus jornalistas seria totalmente irrelevante, de tão banal e corriqueira nas televisões em geral, se não estivesse em causa essa estação. E a sua direcção só foi acusada de não ter “verificado” a história, não de ter deliberadamente encoberto a distorção da verdade factual. Apesar disso, ela demitiu-se, numa atitude de responsabilidade que seria de todo improvável em qualqer outra latitude.
JCE considera que no caso a BBC infringiu o “dever moral e intelectual de procurar a verdade”. Mas se a única falha da estação foi não ter controlado a veracidade de uma informação, apesar de provinda de fonte credível – ainda por cima altamente provável em si mesma -, então que dizer de Bush e de Blair, bem como de todos os jornais e televisões que os apoioaram, que basearam a sua decisão de guerra em “informações” claramente improváveis (como a peregrina tese do ataque em “45 minutos” adoptada pelo governo britânico) e que, não só não se deram ao cuidado de as mandar verificar antes de partirem para a guerra com base nelas, como mandaram interromper propositadamente a missão da inspecção das Nações Unidas que em nada confirmava essas informações? Neste contexto, falar de “desonestidade perante os factos” na questão da guerra do Iraque assenta muito melhor aos críticos da BBC do que a ela.
Ao pé da generalidade das televisões norte-americanas – e nem sequer é previso falar na cadeia Fox, esse modelo de falsificação militante dos factos em defesa das “sociedades livres” –, a BBC não tem de receber lições de objectividade, isenção e independência. Incluindo a independência em relação ao governo em funções (coisa bem difícil nas televisões públicas) e aos ideólogos da guerra que gostariam de a ter, tal como tiveram as outras televisõoes, ao serviço da propaganda bélica, incluindo a mais desavergonhada manipulação da informação. Não é seguramente por acaso que nos Estados Unidos mais de 80% da população acreditava nas patranhas sobre o arsenal iraquiano das armas de destruição maciça, que lhe eram diariamente servidas nos média, havendo mesmo uma forte percentagem a acreditar que elas foram usadas na guerra!
É por isso que Bush & Blair, bem como os seus ideólogos, estão a ser impiedosamente desmentidos pelos factos (e, mesmo assim, não se demitem...), enquanto a BBC, como ontem refere no El País o insuspeito Mário Vargas Llosa, permanece como um padrão de referência na isenção informativa, na independência política e na responsabilidade perante o público, mesmo quando um dos seus jornalistas se engana e ela é fundadamente acusada de ter falhado numa situação concreta.
No meio da histeria guerreira da generalidade dos média em relação ao Iraque, a BBC foi uma das excepções reconfortantes, em que o "respeito pela verdade dos factos" levou a melhor sobre o alinhamento na doutrinação belicista oficial. A hostilidade dos partidártios da guerra é por isso um elogio.

Vital Moreira

Uma perda para a UE

A recusa do congresso do Partido Popular Europeu – que conta ganhar as próximas eleições europeias – em apoiar qualquer candidato a presidente da Comissão Europeia que não pertença à sua área política vem tornar diminutas as hipóteses de António Vitorino em ascender ao cargo. Por outro lado, como o Governo já tornou claro, embora de forma não oficial, que não pretende reconduzi-lo como membro português na próxima Comissão – apesar de dizer que apoia a sua candiatura à presidência da mesma –, parece haver poucas perspectivas para ele poder concretizar a sua confessada “tentação” em ficar um segundo mandato em Bruxelas.
É pena, se tal se verificar. A UE só pode perder com a sua partida. No mandato que agora se aproxima do fim o comissário português tem a seu crédito, entre muitas coisas, a construção do espaço europeu de justiça e segurança, cuja importância é desnecessário encarecer, e teve papel primordial, porventura menos evidente mas não menos importante, na concepção e preparação da Carta de Direitos Fundamentais da UE e no projecto de Constituição Europeia.
Dado que, depois do falhanço da cimeira de Bruxelas, a Constituição Europeia ficou adiada, é de recear que António Vitorino já não tenha oportunidade de acompanhar, como comissário, essa tarefa até ao fim. Trata-se de uma injustiça, ele que bem merece figurar, como poucos, entre os “pais fundadores” da Constituição Europeia e tem assegurado sem dúvida um lugar de relevo na história do desenvolvimento institucional da UE. Ainda se houvesse muitos como ele nas instituições europeias...
Vital Moreira

domingo, 8 de fevereiro de 2004

Chama-me puto.

Tenho 26 anos. Da primeira vez que me chamaram "senhor" tinha 17 e assustei-me. Uma senhora num autocarro lotado, ao ver-me atrapalhado com os livros de liceu, disse para alguém: "Deixa passar o senhor". Tranquilizei-me com as inúmeras dioptrias da mulher que transformavam seguramente a minha barba rala num mato grosso de camionista e me acrescentavam - aos seus olhos - uma ou duas décadas.
9 anos depois, com muito mais barba e aqueles incómodos pêlos que começam a conquistar território no nariz, ainda gosto que não me tratem por senhor. Prefiro ser a mascote, o amigo mais novo, o companheiro caloiro, gosto de ser "o puto".
Agora, vindo orgulhosamente daqui, chego a esta casa nova. Venho com a mala carregada de boas intenções, mas também dúvidas. Não sou um pensador político como qualquer um dos nomes no cabeçalho. Sei também que não tenho a verve deste, a cultura daquele ou a paixão daqueloutro. E nem pretendo, sequer, insinuar que estou num meio onde encontrem uma qualquer virtude. Não, a coisa mais provável que encontrarão neste "meio" a que me refiro será o meu próprio umbigo.
Mas, depois de um mês de descanso electrónico, regresso com prazer às lides virtuais. Dá-me gozo - e compreenderão que dê - receber um convite electrónico do Vital, de quem li tantos livros durante o meu curso de Direito. É como um aspirante a monitor que recebe um convite do regente. Agrada-me partilhar conversas com o Luís Nazaré, que aprendi a admirar por motivos bem mais prosaicos (o Benfica) ou partilhar um cabeçalho com o Vicente que - sem o saber - deu título à minha crónica de 3 anos num semanário açoriano onde também era o menino da equipa (chamava-se "Geração Rasca"). E, sobretudo, alegra-me sobremaneira voltar a integrar uma equipa com o meu pai profissional, amigo e mestre Luís Osório. Espero que estes e os outros me ajudem a resolver uma angústia que me persegue: a da razão à direita e do coração à esquerda.
Tenho tempo. Afinal - nunca como agora - fez tanto sentido que me chamem "puto".

Luís Filipe Borges

Bem-vindo LFB

Luís Filipe Borges é tudo menos um desconhecido no “Causa Nossa”. Colaborou no seu nascimento, suscitou uma nota de lamento e desafio do Luís Osório, já publicou aqui um belo post como convidado. Agora ele passa a integrar de pleno direito o nosso blogue.
Para nós, representa um notável “reforço de inverno” a entrada deste jovem açoriano, com um curso de Direito trocado em boa hora pelo jornalismo, pela poesia, pelo teatro, pela rádio, pela televisão, pelo cinema, pela ópera e também pela blogosfera (co-fundador do “Desejo Casar”), entre várias outras paixões por onde tem prodigalizado o seu talento (associado das “Produções Fictícias”, colaborador do “Inimigo público”, etc.).
Confessa que sonha ser pai e realizar uma grande metragem. Entretanto, aqui o temos a partilhar da nossa causa. Bem-vindo!

Os fundadores do CN

sábado, 7 de fevereiro de 2004

É proibido contestar

Enquanto na Grã-Bretanha o relatório Hutton - que ilibou Blair e censurou a BBC no caso da alegada manipulação governamental de informações sobre o Iraque - não cessa de ser questionado na imprensa, da esquerda à direita, pelas suas limitações e incongruências, em Portugal não falta quem se escandalize com essa natural controvérsia. O director do "Expresso" usa o editorial do semanário para declarar que a contestação do relatório assume uma «enorme gravidade» e que «a recusa das conclusões da Justiça representará o regresso ao vale-tudo: à lei da selva».
J. A. Saraiva é naturalmente livre de proclamar a sua fé nas conclusões do contestado relatório. O que não pode é invocar para ele, por duas vezes, a autoridade da "Justiça" (com jota grande e tudo). De facto, o inquérito não é um procedimento judicial nem o relatório é uma sentença. Meter aqui a justiça constitui uma inaceitável confusão. A Justiça não é para aqui chamada. O facto de Blair ter escolhido um juiz aposentado para efectuar o inquérito (para explorar a sua credibilidade) não lhe confere natureza judicial. E pelos vistos, não foi o juiz Hutton [na imagem] que emprestou o pretendido crédito ao relatório, antes foi ele que saiu desacreditado.
Por isso, qualificar de «intelectualmente desonesta» a contestação do referido relatório é, para dizer o menos, uma atitude despropositada (Saraiva diria "pouco honesta").

Vital Moreira

Os alvos do "Expresso"

As manchetes do "Expresso" contra o PS já dão para fazer colecção. O principal título da 1ª página da edição de hoje - «todo o dinheiro foi para o PS» - a propósito do destino do dinheiro alegadamente recebido pelo antigo presidente do município da Guarda (e pelo qual ele foi condenado há anos), pretende manifestamente insinuar que o dinheiro ilícito acabou na tesouraria daquele partido. Ora, lendo a própria peça fica-se a saber: (i) que uma parte do tal dinheiro beneficiou o clube desportivo da cidade, pelo que a notícia («todo o dinheiro...») é em parte falsa; (ii) mais importante, que o resto do dinheiro serviu para financiar as campanhas eleitorais do próprio autarca, e não propriamente o partido, pelo que a notícia («...foi para o PS») é pelo menos enganadora.
Como no caso está à vista, as piores falsificações podem ser veiculadas por meias verdades.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

Jardim em Lisboa?

Hoje, sexta-feira, dia 6, antes de partir para o meu fim de semana no Funchal, interrogo-me sobre quais serão as manchetes do Expresso de amanhã. Já que Marcelo Rebelo de Sousa não irá para a Comissão Europeia e Alberto João Jardim recusa ser presidente da Assembleia da República - conforme os próprios se encarregaram de afirmar de forma veemente -, que grandes cachas jornalísticas nos serão servidas, pela mão invisível do impagável ministro Arnault ou outro confidente privilegiado da direcção do mais lido semanário do país?

A verdade é que nunca se sabe onde começa o Expresso e onde acaba o Inimigo Público ou o Contra Informação, desde que a paródia sobre o advogado de Carlos Silvino como defensor de Saddam Hussein foi tomada à letra pelo jornal de José António Saraiva. Afinal, meu caro Vital Moreira, já não terei a felicidade de ver-te emigrado na minha ilha quando Jardim assumir a presidência do Parlamento português. É apenas a parte mais infeliz desta história, pois aposto que te teria convencido de que, apesar de tudo, a Madeira não é só o Jardim (e não é exactamente do Jardim). Terás portanto de persistir na tua tese independentista da Madeira. Quanto a mim, ainda me bato pelo referendo, apesar dos famosos limites materiais da revisão constitucional.

Que se seguirá, neste fim de semana, se António Pires de Lima filho inventar mais um dislate, uma tonteria, uma alarvidade, um insulto, para confirmar a má criação compulsiva e patológica dos pagens de Paulo Portas? Depois de Pires de Lima ter chamado criminoso a Mário Soares por causa da descolonização, que inventarão ainda estes saudosistas do salazarismo suave para colocar o PSD como refém ideológico do CDS? Dir-se-á que o CDS está condenado a ser engolido e dissolvido no espaço do PSD, mas o PSD que ficar não irá parecer-se mais com uma formação da direita radical do que com um partido que ainda reivindica a (aliás abusiva e surrealista) designação de social-democrata? Porque é que Alberto João Jardim não toma enfim as rédeas do PSD nacional ? Seria também uma hipótese para eu convencer o Vital Moreira a passar um fim de semana na Madeira.

Vicente Jorge Silva

Que pactos de regime?

Uma das questões decisivas das democracias contemporâneas é como equilibrar o princípio da alternância entre diferentes opções políticas com a necessidade de estabelecer consensos em áreas estruturantes que ultrapassam o horizonte das legislaturas (finanças públicas, sistema de ensino, segurança social, por exemplo) e impõem, por isso, compromissos que assegurem continuidade a reformas consideradas essenciais e inadiáveis num mundo cada vez mais complexo e globalizado. Ou seja: como estabelecer "pactos de regime" que evitem rupturas dramáticas em domínios nucleares e transversais, garantindo ao mesmo tempo a existência de alternativas políticas?

Não há respostas fáceis para essa questão, até pela diversidade de dados e incógnitas que estão em jogo. Se as opções políticas se extremam excessivamente e ganham um cariz marcadamente ideológico (veja-se o caso actual dos Estados Unidos), a necessidade de rupturas parece inevitável e até necessária. Quando se puxa demasiado para um lado, é lógico que o princípio do equilíbrio e do consenso seja prejudicado e a ruptura se concretize. Por outro lado, a necessidade dos compromissos e consensos não acabará por favorecer um centrismo dissolvente da pluralidade das opções políticas? Estaríamos então condenados à fatalidade de um "centrão" eterno?

Para responder a tudo isto, seria necessário estabelecer, primeiro, e com a máxima nitidez possível, quais são os domínios cuja transversalidade e permanência no tempo impõem pactos e compromissos entre as forças políticas que asseguram a alternância. Depois, seria preciso definir as bases mínimas desses compromissos, bases essas que não prejudicassem a diversidade das opções e o pluralismo político. "Last but not the least", seria indispensável que entre os interlocutores existisse a disponibilidade, a vontade política e, sobretudo, a boa-fé negocial e o sentido cívico para encontrar plataformas de entendimento.

Nada disso se verifica neste momento em Portugal. O sentido das opções estratégicas transversais às legislaturas é dominado pela crispação ideológica (claramente favorecida pela actual maioria de direita) e a má-fé ou o malabarismo táctico de uma indigência aflitiva continuam a sobrepor-se à necessidade de definir compromissos. A forma como o Governo se apresentou esta semana no Parlamento para "negociar" um pacto sobre as finanças públicas desafia as regras mais elementares da seriedade política.

Como é possível negociar com base num rascunho feito sobre o joelho e sobre a hora e obrigar a oposição a aceitar isso? E como é possível chegar a resultados sérios e credíveis quando a própria maioria governamental já é incapaz de fundamentar as suas políticas e os seus objectivos? Como é possível estabelecer qualquer entendimento sobre o vazio?

Vicente Jorge Silva

O fiel vassalo

O chefe do governo espanhol, J. M. Aznar, deslocou-se em romagem de despedida a Washington, tendo sido premiado com a honra de discursar no Congresso dos Estados Unidos, embora para escasso auditório. Os media estadunidenses ignoraram em geral a presença do fidelíssimo e aplicadíssimo aliado europeu. O El País descreve assim o episódio, com veneno qb:

«Un párrafo. Seis líneas. Ese es exactamente el espacio que los principales medios norteamericanos dedican a la visita de José María Aznar a Estados Unidos en sus ediciones digitales. Ni la ultraconservadora Fox News, ni el prestigioso Washington Post, ni la CNN hacen referencia al viaje del presidente español.»

Mas como prémio de consolação, segundo fontes do governo espanhol, o próprio Bush telefonou a Aznar para o felicitar pelo discurso, antes de ele deixar Washington. De que vale o desprezo da plebe se se tem a gratidão do imperador em pessoa?

A politicofobia judicial

1. Uma carta
«José Marques Vidal deu à estampa o seu novo livro "Justiça em crise?" em vernissage concorrida na Bertrand, com a presença da Ministra Celeste Cardona.
(...) Trata-se de um descabelado ataque contra a classe política e os partidos políticos, especialmente o Partido Socialista, não escapando sequer o Presidente da República e o Tribunal Constitucional. Dois pequenos exemplos do que escreve Vidal:

"(...) A esta sanha persecutória contra os magistrados aderem alguns representantes dos órgãos de soberania. Não só alguns deputados no compreensível afã de terçar armas por colegas de partido apanhados nas malhas da lei mas também o Presidente da República a descer em cerimónia pública ao dislate de criticar a actuação de um juiz de direito em processo penal pendente. O Presidente da República é o titular do órgão de soberania máximo do Estado e representa a Nação. Independentemente do fundamento ou falta de fundamento da crítica produzida, o Presidente da República, ao fazê-lo, pôs em crise o princípio da separação dos poderes, esteio basilar da democracia e do Estado de Direito, o que é inadmissível. Mais ainda: com tal gesto permitiu especulações desprestigiantes relativamente à sua pessoa e ao cargo que ocupa, fazendo vir à tona a sua ligação partidária, e possivelmente maçónica, a um dos arguidos no processo"! (Capítulo VI, Medidas de coacção,pág. 98).
"(...) E que dizer de um Tribunal Constitucional marcado à nascença pelo vício da composição partidária, de que os seus juízes não se livram por mais isentas que sejam as suas decisões? Para salvaguarda dos direitos constitucionais seria suficiente um tribunal composto por juízes dos Supremos Tribunais Judicial e Administrativo eleitos pelos seus pares." (Capítulo X, pág. 163).

Um livro destes não deve passar sem uma crítica contundente aos verdadeiros dislates do autor!»
(AAG)

2. Comentário
Ainda não li o referido livro, mas, pelo relato que vi, fiquei com vontade de o ler. Limitando-me aos excertos acima transcritos, é manifesto que se trata de mais uma expressão da politicofobia fundamentalista que prevalece em muito discurso judicial.
A invocação da separação de poderes para julgar ilícita a manifestação de opiniões pelo Presidente da República em matérias de justiça não tem sentido. Os tribunais são independentes nas suas decisões, mas não estão imunes ao escrutínio e ao comentário externo, pelo contrário. As observações oportunamente feitas pelo PR, de resto sem referenciar nenhum caso concreto, limitaram-se a sublinhar aspectos que o Tribunal Constitucional já tinha decidido, em matérias de direitos dos arguidos.
A meu ver é muito mais lesiva da separação de poderes e da independência dos juízes a aceitação de cargos públicos de nomeação governamental e de confiança política. Mas há juízes que se "pelam" por esses cargos extrajudiciais, como sucedeu com o próprio Marques Vidal, juiz transferido para a polícia judiciária.
Quanto à contestação do Tribunal Constitucional, ela vem desde a sua origem, fazendo parte do decálogo de todo o juiz de carreira que se preze. Mas a crítica não é procedente. É evidente que a composição do TC pode ser questionada. Mas não é por acaso que em geral os tribunais constitucionais não são compostos exclusivamente por juízes de carreira; e o mesmo sucede, aliás, com os tribunais supremos com poderes de jurisdição constitucional.
Para poder rever as decisões dos tribunais comuns, o TC tem de ter uma legitimidade diferente e uma composição que garanta a sua autoridade inquestionável em matérias constitucionais. O caso Casa Pia veio de resto mostrar o que seria se o TC fosse composto por juizes dos tribunais comuns, que dão provas de muito deficiente sensibilidade e preparação constitucional.
Dispenso-me obviamente de comentar as insinuações de mau gosto em relação ao PR. Onde minguam os argumentos sobra o rasteiro ataque pessoal...

Vital Moreira

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004

Quem ganhará o prémio, Lucky Luke ou James Bond?


O vírus informático Mydoom virou família Dalton. Lucky Luke foi chamado à Microsoft. Silicon Valley assumiu-se no Oeste. Bill Gates ofereceu um prémio pela cabeça do inventivo criminoso ($250.000).
Mas Hollywood não se ficou por aqui. Será que o vírus não veio do frio? A Rússia regressou à URSS. James Bond vai a caminho de Moscovo.
Os adeptos do Linux (os "marginais" do sistema) são agora suspeitos de perigoso terrorismo anti-capitalista.
No meio deste cenário de "guerra fria" e "biológica" com cheirinho a filme de cowboys há, porém, alguns aspectos positivos. Mais gente ficou a saber que existe um sistema operativo de código-fonte aberto, disponibilizado gratuitamente na Internet. Que foi inventado por Linus Torvald, um jovem estudante finlandês que actualmente trabalha na Califórnia. Que é preciso concorrência à Microsoft. E que, mesmo em jeito de brincadeira, a segurança informática é um assunto sério.

Maria Manuel Leitão Marques

Eu também quero ir ao Euro2004

Gosto de futebol. O que as equipas portuguesas jogam actualmente só muito de longe se assemelha a futebol. Vivo no país em que vai ter lugar o Euro2004. Boa oportunidade - pensa o incauto - para ver uns bons jogos ao vivo, num dos 10 famosos estádios contribuintes líquidos do défice do nosso descontentamento que os nossos netos ainda continuarão a pagar.
Então vamos lá comprar uns bilhetes. Para todos os jogos há 1,2 milhões de bilhetes. Caramba! - deve ser fácil comprar uma meia dúzia! Mentira. A coisa não só não é fácil, como é quase impossível. Bilhetes para o Euro2004 não é produto que se possa comprar. Para adquirir um, é preciso saltar múltiplos obstáculos e ter sorte, muita sorte!
Para ver jogos da selecção portuguesa já foi (no Verão passado) o primeiro sorteio. Em 31 de Janeiro terminou o segundo sorteio. Quem teve, teve. Quem não teve, espere melhores dias.
Dos 1,2 milhões de bilhetes, só 38% é que são para o povo, o resto passa por muitos intermediários, a saber: 39% para as federações nacionais de cada país presente (são estes que, em parte, a FPF anda a sortear); 13% para parceiros oficiais e patrocinadores; 5% para a Comunicação Social; outros tantos para "pacotes de acolhimento".
Só não percebo é por que razão o BPI, ou a Coca-Cola - para só citar alguns que não encontro no "site" da FPF nem como patrocinador, nem como parceiro oficial - andam a oferecer bilhetes para os jogos da selecção portuguesa.
Os direitos do consumidor estarão defendidos neste comércio de bilhetes?

Jorge Wemans

«Tornámo-nos nisto»

Eis por que gosto de ler Clara Ferreira Alves, mesmo nos excessos. Um excerto:

«A Irlanda tornou-se um lugar que escapa ao ruído e vulgaridade contemporâneas. Um lugar conservador, conservado, com algumas semelhanças com Portugal. Eles são um pequeno povo de poetas e de bêbados e nós também. Mas, eles são corteses e civilizados e nós somos brutos e desbragados. Olhar a Irlanda e os irlandeses é olhar o que Portugal podia ter sido se tivesse tomado as decisões certas sobre o seu modelo de crescimento. Somos mais do que eles e podíamos ter sido melhores do que eles, tínhamos tudo para isso, incluindo o clima ameno que eles não têm. Tornámo-nos nisto.»

Cartas sobre o "desastre" na educação

1. «Li o seu post "o desastre" no "Causa Nossa" (...). Começo por dizer que concordo inteiramente consigo, quando diz que "precisamos de uma revolução na educação", mas de uma revolução a sério! Antes de mais convém reflectir sobre o seguinte: nos tempos que correm, todos estamos sujeitos a uma informação constante, variada e nalguns casos muito aliciante. O acesso ao conhecimento, o mais diversificado que possa conceber-se, está ao alcance da ponta dos nossos dedos. Põem-se, então, as seguintes questões: O que é importante aprender na escola? O que é preciso aprender na escola? Como e o que aprender na escola? Enfim, qual é o papel da escola nos dias de hoje? Parece-me, a mim, que a resolução dos problemas relacionados com os baixos níveis de conhecimento está, em grande parte, na resposta a estas questões.»
(CC)

2. «Folgo em ouvir que alguém na esquerda está inquieto com o laxismo e a falta de exigência no sistema de ensino. O triunfo das pedagogias não directivas deu cabo de tudo. É justamente precisa uma revolução. Mas para isso, o primeiro passo é mexer com o segundo mais poderoso lobbie nacional (a seguir aos médicos) - os professores. (...)»
(JPF)

Transcitações

1. Rosado Fernandes (CDS/PP) na SIC:
«Hoje existe tão pouca liberdade de expressão como no tempo do Dr Salazar».
Mas pelo menos não falta liberdade de dislate...

2. António Cunha Vaz, colunista do Diário Económico:
«Mário Soares (...) variou. (...) A mensagem que passou foi que a extrema-direita estará no poder, infiltrada mesmo em alguns ministérios, e as conquistas de Abril estarão em perigo. (...) Mas não, foi Soares e não foi o filho. A ser este último perdoaríamos porque nos viria à mente qualquer sequela tardia do acidente na Jamba. Sendo o pai da democracia, talvez possamos justificar a coisa como resultado de alguma agressão na Marinha Grande, de alguma tortura de efeito retardado nos tempos de degredo em São Tomé ou da penosa vida de exilado político em Paris.»
Comentários, para quê?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Que dirá Madeleine?

«Madeleine Albright did come up in a genuinely puzzled voice, with the question, "just what does Tony Blair think he is doing?"... She stressed that they have always liked Blair and hoped we do not end up with problems down the line if the Democratic Party succeed in getting back into the White House in a couple of years.» (Do livro "Point of Departure", Robin Cook, pag 209, referindo-se a conversa com a ex responsável americana dos Negócios Estrangeiros).

Enquanto Blair reafirmava a sua posição de avançar para a guerra mesmo se tivesse sabido em Março que não havia armas de destruição maciça, já Powell, confrontado com a mesma realidade, tecia algumas reservas. Perguntado pelo Washington Post se teria recomendado a invasão se soubesse que o Iraque não tinha armas de destruição maciça, Powell respondeu: «I don’t know, because it was the stockpile that presented the final little piece that made it more of a real and present danger and threat to the region and the world». E ainda: «the absence of a stockpile changes the political calculus; it changes the answer you get».
Curiosa a diferença.
A defesa do governo britânico basear-se-á presumivelmente na perfeita conformidade da sua actuação com os dados de intelligence (já decidida no relatório Hutton e que não será revisitada) e legalidade da intervenção armada, confirmada pelo parecer jurídico do Attorney General britânico. Ninguém na Comissão de inquérito estará interessado em apreciar se foi ilegítima ou ilegal a invasão do Iraque, porque o partido da oposição que nela está representado era ainda mais a favor da guerra do que o próprio partido de Blair (então algo dividido). E o partido liberal, que se opôs à guerra não participará no inquérito.
Assim, o mais provável é não haver uma conclusão condenando o modo como o Governo avançou para a guerra, que se justificaria, em última análise face ao comportamento desrespeitador por parte do Iraque das resoluções do CS. Criticar-se-á isso sim os serviços secretos. Mas provavelmente com a mesma benevolência com que Lord Hutton criticou o comportamento "menos regular" dos elementos da administração Blair.
Já o inquérito americano irá provavelmente mais fundo, procurando apurar como foi possível criar à volta do Iraque uma realidade virtual. Mas, ou por isso mesmo, as respectivas conclusões só serão sabidas depois das eleições, em 2005.
Entretanto teremos as conclusões do inquérito britânico. Em tempo record. Atente-se ao precioso timing escolhido: antes do Verão. A tempo de condicionar as eleições americanas. E dadas as posições dos partidos envolvidos na Comissão, não será de estranhar que uma das conclusões do inquérito britânico, seja a de que a guerra se justificava, não obstante ter havido "algum" exagero da intelligence quanto à ameaça iminente que o Iraque representava. Conclusão que será uma ajuda preciosa para o partido Republicano e para Bush, desesperadamente necessitado de um apoio no seu processo de re-eleição.
Não deixa de ser curioso que esse apoio venha de um partido trabalhista. O que dirá o partido Democrata americano? Que dirá Madeleine?

João Madureira

Náufragos

Assistimos ontem, na reunião periódica de Blair com deputados do Parlamento britânico, a mais um curioso debate sobre o Iraque. Em resposta a uma pergunta de um deputado da oposição, Blair teimava em reafirmar a sua posição de apoio à guerra. Depois de dizer que, mesmo após David Kay ter indicado que não havia armas de destruição maciça, a guerra, na sua opinião, continuava a justificar-se, o deputado da oposição perguntou-lhe assim (brilhante!): Então, por outras palavras, se Hans Blix tivesse continuado as inspecções em Março de 2003 e tivesse dito que não havia armas de destruição maciça, o Senhor ia para a guerra na mesma? Apanhado assim de surpresa, Blair ensaiou a fuga para a frente e disse, para logo embrulhar a resposta: Sim ia!!! Porque tinha havido desrespeito da resolução 1441... E por aqui prosseguiu a sua justificação. Notável!
Eis a nova linha de defesa do Governo de Blair: Avançou-se para a guerra por causa do desrespeito do Iraque pelas resoluções do Conselho de Segurança. Os náufragos agarram-se a tudo para não se afogarem. Agora Blair agarra-se ao parecer que Lord Goldsmith, Attorney General, apresentou a pedido do Governo em Março do ano passado, para tentar encontrar uma justificação jurídica para a ilegalidade cometida.
Ilegalidade bem demonstrada de forma esclarecedora na maioria das análises feitas pelo elenco de peso de docentes de direito internacional que então se pronunciou - Prof Ulf Bernitz, Dr Nicolas Espejo-Yaksic, Agnes Hurwitz, Prof Vaughan Lowe, Dr Ben Saul, Dr Katja Ziegler (University of Oxford), Prof James Crawford, Dr Susan Marks, Dr Roger O'Keefe (University of Cambridge), Prof Christine Chinkin, Dr Gerry Simpson, Deborah Cass (London School of Economics), Dr Matthew Craven (School of Oriental and African Studies), Prof Philippe Sands, Ralph Wilde (University College London), Prof Pierre-Marie Dupuy (University of Paris). Delas muito sumariamente pode retirar-se que:
Há poucas dúvidas quanto à ilegalidade da acção militar. Não encontrou apoio na Carta das NU e a resolução 1441 não legitimava a força armada. Faltava-lhe a expressão «all necessary means», ou elemento equivalente, que a resolução 678, de 1990, incluía e que legitimara a força em 1991. Elemento cuja inclusão não recolhera consenso durante a negociação da resolução 1441 - que só assim logrou consenso. Basta ler as duas resoluções para perceber a diferença.
A justificação jurídica britânica, então defendida pelo Attorney General, acabou por ser a mesma já utilizada em 1998, quando da "acção unilateral" de bombardeamento do Iraque por parte dos Estados Unidos e do Reino Unido. Justificação jurídica que já então não tinha convencido ninguém. Baseava-se na referida resolução 678 de 1990. Mas esta posição não colhe, uma vez mais, porque a resolução 678 aplicava-se à situação de ocupação do Kuwait pelo Iraque.
Ora, o capítulo da invasão e ocupação do Kuwait foi encerrado com a retirada do Iraque, no fim da guerra do Golfo já em 1991, pela resolução 687. Foi esta última resolução que regulou a questão para o futuro, designadamente sobre as obrigações do Iraque em matéria de desarmamento, nada dizendo quanto à possibilidade de intervenção armada por desrespeito por parte do Iraque dessas obrigações. Deixou pois ao CS a última palavra sobre este aspecto.
Uma questão de tal gravidade como o recurso à intervenção armada não pode decorrer de uma autorização "implícita". Mas é o que parece defender o Attorney General britânico recorrendo a uma autorização conferida por uma resolução de 1990 que se aplicava a uma situação determinada e já extinta.
Mesmo a referência ao desrespeito das "resoluções posteriores", na resolução 678, apenas poderia ser entendida no quadro específico da situação existente de invasão do Kuwait, para o qual a resolução tinha sido adoptada. E não, naturalmente, como habilitando o recurso à força em todas as outras situações de desrespeito por parte do Iraque das dezenas de resoluções que vieram a ser aprovadas posteriormente pelo CS.
Tanto é assim que se procurou aprovar nova resolução para legitimar o uso da força, elemento que a resolução 1441 claramente não logrou incluir.
Mas Blair não está preocupado com a ‘bondade’ do parecer do seu Attorney General. Tal como pareceu não estar preocupado com a ‘fiablidade’ dos dados da intelligence do seu país. Basta que o parecer e os dados de intelligence existam e não contradigam os seus propósitos de participação na guerra. Ao jeito da apreciação ‘formal’ de Lord Hutton, que Blair conta faça jurisprudência, espera o seu Governo sair outra vez ilibado. Mais do que a iminência da ameaça de Saddam Hussein, o uso da força aparece agora justificado pela obrigação de fazer respeitar as resoluções do CS.
E o Governo invocará, uma vez mais indignado, a sua inocência quanto à "malévola" insinuação de ter influenciado de alguma forma a intelligence ou sequer o parecer do Attorney General. Insinuação que mais uma vez dificilmente será comprovada. Como dizia ontem a propósito de declarações de David Kay, o editorial do Washington Post, ‘Blame Blindness’, escrito por Richard Cohen - um comentador mais chegado aos republicanos, mas que neste particular está já desiludido - "David Kay assures us that intelligence analysts were not pressured by the Bush administration to doctor their findings to please their bosses. With all due respect, this is the same Kay who once, with a huge amount of enthusiam, thought Iraq was one vast repository of weapons of mass destruction. In other words, he ain't infalible. Moreover, he seems to have never hung around an office water cooler. Anyone who has can tell you that bosses usually don't pressure. But they hint at what pleases them. When all your bosses are seeking a certain outcome, it takes a gutsy subordinate to give them bad news. This is not just the way the CIA works. This is the way life works...’

João Madureira

Volta por cima

Em aditamento ao meu post precedente tudo indica que o PS resolveu dar a volta por cima na questão do consenso sobre as finanças públicas, adoptanto a ideia e "lançando a bola" para o terreiro do Governo. Falando depois de receber uma representação dos autores do manifesto, o líder parlamentar do PS declarou:
«Há um problema no país que merece ser resolvido e tem dimensões plurianuais e requer um consenso alargado, independentemente da maioria que governe o país».
Ainda bem! Não é por acaso que António Costa é considerado como um dos mais sagazes políticos do PS.
Quem deve ter motivos adicionais para satisfação é o deputado Pina Moura, que, enquanto ministro, foi uma das primeiras vítimas do desequilíbrio das finanças públicas e que é hoje credenciado como dinamizador do referido manifesto, sendo desde há muito defensor da ideia de um pacto para a disciplina e a estabilidade financeira.

Consensos para quê?

No País Relativo Filipe Nunes exprime a sua discordância com a ideia de um consenso interpartidário sobre as finanças públicas, formulada numa representação subscrita por individualidades de várias orientações políticas - entre as quais me conto, como antigo membro da malograda ECORDEP -, as quais, no seguimento da recente mensagem presidencial à AR, vieram desafiar os dois principais partidos para um entendimento básico «sobre um princípio de disciplina financeira e sobre as metodologias que a assegurem, independentemente dos governos de cada momento».
Filipe Nunes não está sozinho nesta atitude negativa, pelo contrário. Aparentemente os círculos dirigentes do PS também reagiram com frieza e sem entusiasmo à ideia, embora com importantes nuances (vejam-se por exemplo as opiniões de João Cravinho e de Luís Nazaré, aliás anteriores ao referido documento). Mas já foi bom que se tenham apressado a ouvir os autores do manifesto, o que foi uma atitude inteligente, evitando uma posição de rejeição liminar, que só daria trunfos ao Governo.
Por minha parte, penso que o PS deveria assumir deliberadamnentre essa ideia. Primeiro, porque o documento, ao sublinhar as dificuldades estruturais das finanças públicas, isenta em certa medida o PS da acusação que lhe tem sido feita de ter sido o principal responsável pela má situação financeira do País. Segundo, porque ele não pretende reduzir as diferenças de política financeira entre os partidos, nem comprometer o PS com as políticas do Governo, antes salvaguarda expressamente essa autonomia. Terceiro, porque o PS poderia colocar na mesa das discussões alguns pontos-chave sob um ponto de vista de esquerda, designadamente em matéria de luta contra a fraude e a evasão fiscal (por exemplo, o acesso do fisco aos dados bancários). Quarto, porque o PS não deve perder esta oportunidade para afirmar um compromisso claro com a ideia de disciplina e bom governo financeiro. A meu ver, o pior que lhe poderia suceder, depois de uma experiência governativa caracterizada por demasiado laxismo financeiro, de que saiu muito mal ferido, seria insistir em dar a impressão de reincidência nessa orientação.
Se não quer permanecer durante muito tempo apenas como força de oposição e de protesto e se quer ter possibilidades de poder realizar as suas propostas políticas, um partido com vocação de governo não pode deixar de superar convictamente a má fama de desplicência e de irresponsabilidade financeira que vai tradicionalmente associada aos governos de esquerda.

Vital Moreira

terça-feira, 3 de fevereiro de 2004

O estado da blogosfera pátria

No Bloguítica Paulo Gorjão deseja saber como estará o mundo dos blogues entre nós daqui a um ano. O desafio está aqui (post 325) para quem queira contribuir para o inquérito.
No Barnabé Daniel Oliveira observa que os melhores blogues de direita andam «desaparecidos». E pergunta, inquieto: «Isto agora é tudo nosso?».
Com efeito, é caso para perguntar se a depressão política da direita doméstica e da nova direita norte-americana (até a velha CIA "borregou" no caso das desaparecidas armas de destruição maciça do Iraque...) não lançou em estado de prostração a nossa direita bloguística.

Autocrítica

Esta súbita proliferação de comissões de inquérito às armas de destruição maciça que afinal não se encontraram no Iraque a todos deve fazer reflectir. E admitir erros, se for caso disso.
No início da guerra afirmei acreditar que Saddam pudesse ter armas químicas e biológicas. Também sustentei que isso não justificava a guerra, à margem da legalidade internacional; programas de construção de armas de destruição maciça, para além dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, têm Israel, a India, o Paquistão, o Irão, a Coreia do Norte, a Líbia, etc... - e Bush e Blair não se lançam em "guerras preventivas" contra estes países. No caso do Iraque, defendi que seria através das inspecções da equipa de Hans Blix que se devia prosseguir o trabalho de desarmar Saddam.
A minha convicção de que Saddam pudesse ter armas químicas e biológicas derivava de três factores:
1) - Saddam já as tivera (fornecidas por ocidentais) e não hesitara em as usar (as químicas) contra iranianos e curdos, como o massacre de Halabja em 1988 provara.
2) - A atitude de Saddam e dos seus agentes, em jogo de rato e gato permanente com os inspectores da ONU (e eu lidei intensamente em 1997 e 1998 com uns e outros no Conselho de Segurança) fazia crer que Bagdad tinha, de facto, coisas a esconder.
3) - Os serviços de "inteligência" americanos e britânicos poderiam estar cheios de preconceitos políticos, mas não seriam crassamente incompetentes e manipuláveis.
É sobre este último ponto que devo fazer autocrítica: sobre-estimei os serviços de informação dos nossos aliados. Andam mesmo pelas ruas da amargura, em "inteligência humana" pelo menos. Como o 11 de Setembro já revelava.

Ana Gomes

Desfocado na fotografia

E por cá? Que contas a pedir ao governo que embarcou Portugal no apoio a uma guerra ilegal no Iraque ? Escrevi há meses num artigo publicado na imprensa que Durão Barroso, afirmando ter visto provas das armas de destruição maciça em Londres, mentiu ou foi enganado e «quem se deixa enganar assim não merece governar».
Ainda na semana passada, na AR, o PM rejeitou insinuações de que teria mentido, reiterando que se teria baseado em informações passadas pelos aliados americanos e britânicos. E a verdade é que, mesmo antes da guerra, pressentindo que as justificações das armas de destruição maciça e das ligações de Saddam à Al Qaeda poderiam esfumar-se, o PM invocou também a «justificação» das violações dos direitos humanos por que Saddam era responsável. Argumento que não impele o PM a mexer um dedo para ajudar os birmaneses a depor a junta militar, africanos a livrarem-se de ditadores «amigos» e que não o impede de passar atestados de bom comportamento ao terrorista Khadaffi (Lockerbie, o voo da UTA, a discoteca em Berlim...). Admirem-se, se ainda viermos a ver DB gabar-se de ter sido instrumental na reabilitação do Coronel junto de Washington e Londres, com a cartinha que o ex-MNE Martins da Cruz lhe foi no ano passado levar à tenda...
Mas, e quanto à decisão de DB de apoiar uma guerra com fundamento numa ameaça não comprovada de existência de armas de destruição maciça? Serviria de alguma coisa uma Comissão de Inquérito? Que a maioria de direita gostosamente se entreteria a inviabilizar ou desacreditar na AR, desviando atenções de outros gravíssimos problemas que os portugueses enfrentam por causa da governação de DB?
Não se põe aqui, sequer, a questão de apurar como funcionam os nossos serviços de ‘inteligência’: eles não funcionam, não servem, pura e simplesmente. É o que demonstra o comportamento do PM, que os dispensa e se fia acriticamente na informação que lhe é servida por aliados.
O homem não se limitou a confiar nas informações dos aliados, que afinal se vieram a revelar infundadas. Decidiu e a decisão foi política: decidiu apoiar uma guerra ilegal, com fundamentos (duvidosos na factualidade ou não) que nunca, nos termos do direito internacional, justificariam uma guerra. O homem decidiu juntar o país às forças apostadas em arrasar o trabalho dos inspectores da UNMOVIC, às forças encarniçadas em desrespeitar a ONU.
A verdade, nua e crua, aí está, à vista desarmada de todos os portugueses. O homem não tem princípios, tem um fraco pelos fortes e manda às malvas a lei, interna ou internacional. Esconde, mistifica, baralha, mente, engana e deixa-se enganar - tudo o que for preciso para se aguentar no poder e ficar, mesmo desfocado, num canto da fotografia dos grandes.

Ana Gomes

"Inteligencia" de tonis espertos

A chuva de acusações ao relatório Hutton por branqueamento do governo e o clamor em defesa da BBC (como teria eu sobrevivido nos sítios mais estranhos sem o aconchego da BBC a ligar-me ao mundo?), acabaram por forçar Blair a aceitar um novo inquérito, esta manhã. Bush na América, sob pressão do Congresso e da opinião pública, já teve também de anunciar uma Comissão de investigação sobre o funcionamento dos serviços secretos, na sequência das devastadoras declarações de David Kay, concluindo que as armas não existiriam afinal.
Um novo inquérito em Londres deverá apurar o que Lord Hutton atirou para debaixo do tapete: se Blair e os seus ‘boys’ capitaneados no ‘spin’ por Alastair Campbell, não inventaram o argumento dos 45 minutos bastantes a Saddam Hussein para accionar as armas de destruição maciça e se tal argumento teria sido inventado ou sido acriticamente comprado pelos serviços de ‘intelligence’ do Governo de Sua Majestade ?
Em ambos os casos, o Governo de Blair terá contas a prestar. Não apenas pela decisão política de ir para a guerra, mas pelo mau funcionamento dos serviços secretos ou da digestão política da informação por eles recolhida. É que quem manda soldados para a guerra com base em informação falsa ou errada, sem extremo cuidado na confirmação prévia, presta-se a acusações de embuste e mentira e, no mínimo, faz prova de leviandade e incompetência. No caso, os soldados foram para a guerra e afinal não se encontram armas de destruição maciça. Igualmente, na mesma base, poderiam ser mandados para a guerra pensando não defrontar armas de destruição maciça e, afinal, acabarem dizimados por elas. A mentira enfurece os britânicos. A incompetência alarma-os.
Tony Blair tem com que se preocupar: há um ano atrás, Colin Powell afirmava no Conselho de Segurança, enfaticamente empunhando uma colher, que Saddam Hussein não tinha prestado contas nem sequer de uma ‘colher de chá’ do urânio enriquecido que adquirira ao Niger. Onde vai a desmontagem dessa fabricação e a demarcação pronta da Administração Bush, que não se ensaiou nada em logo mandar as culpas para a ‘inteligência’ britânica! Imaginem-se agora os pruridos solidários de um Presidente cada dia mais pressionado pela corrida eleitoral a encontrar bodes expiatórios e a enrolar o tapete no Iraque.

Ana Gomes

Apostilas das terças-feiras

1. É caso para emigrar
Parece que na cúpula do PSD se prevê a transferência de Alberto João Jardim da Madeira para o Continente, em 2006, para presidir à Assembleia da República. Eis uma decisiva razão adicional para não se desejar uma nova vitória do PSD nas eleições parlamentares desse ano. Mas se isso se verificar, talvez seja de emigrarmos daqui para a Madeira...

2. A emoção multitudinária
Não foi seguramente por acaso que os provedores dos leitores tanto do Diário de Notícias como do Público tiveram de abordar a questão do tratamento dado nesses jornais ao caso da morte do futebolista Feher, em que desta vez o primeiro, com duas primeiras páginas inteiras dedicadas ao tema, foi infelizmente mais exuberante do que o seu concorrente. É evidente que se nem a "imprensa de referência" consegue conter-se na exploração das emoções multitudinárias desencadeados pelo futebol entre nós - que as televisões, essas, incluindo a de serviço público, exploraram até à obscenidade -, então todas as esperanças no seu papel morigerador podem dar-se por perdidas. Não é uma conclusão tranquilizadora.

3. Não basta a "intelligence" para justificar uma guerra
No meu artigo de hoje no Público abordo as sequelas do "relatório Hutton" na Grã-Bretanha e da notícia de um inquérito independente nos Estados Unidos sobre as "falhas" da "inteligence" (serviços de informações) acerca das alegadas armas de destruição massiva no Iraque, que justificaram o desencadeamento da guerra mas que afinal não existiam. Para mais informação, vale a pena consultar dois textos por mim citados, no Observer e no El País.
Convirjo com a conclusão aqui expendida no Causa Nossa por João Madureira há poucos dias. A questão é esta: se os parlamentos e as opiniões públicas tivessem conhecido a informação verídica sobre a ausência de armas de destruição massiva e sobre a inexistência de real ameaça do Iraque, teria a guerra podido ser desencadeada, apesar da vontade de Bush & Blair nesse sentido?
Quem ousa dizer que sim?
Como diz o Finantial Times, em editorial, a partir de agora é evidente que «no futuro as guerras preventivas contra tiranias têm de ser justificadas por mais do que ‘intelligence’» (will have to be justified by more than intelligence in the future). [Na imagem: Collin Powell apresenta as "provas" da alegada ameaça do Iraque perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas no dia 5 de Fevereiro de 2003]

Aditamento: a imprensa britânica considera iminente o anúncio de um inquérito independente às falhas dos serviços secretos britânicos no caso das supostas ADM do Iraque. Mais uma vez Blair segue Bush, desta vez ambos pressionados pelos parlamentos e pela opinião pública.

4. Os erros devem pagar-se
A Ministra da Ciência e do Ensino Superior acaba de demitir o director-geral do ensino superior no seguimento da tentativa deste de obter a identificação dos grevistas em alguns estabelecimentos públicos de ensino superior na recente greve da função pública. Como aqui citámos criticamente o caso, apraz-nos aplaudir a decisão.

Vital Moreira

A Galp perdeu a memória

A partir de ontem a gasolina sem chumbo e o gasóleo estão mais caros um cêntimo nos postos GALP. No site da petrolífera não há nenhuma (entre as centenas a que se pode ter acesso) notícia sobre o assunto. Apenas o lacónico preçário revela os actuais preços recomendados com uma discreta menção de "a partir de 04.02.02". Vá o consumidor saber por conta própria se subiram 12, 15, ou apenas 1 cêntimos!
Informado pela Lusa, o Público divulga a notícia e horas depois acrescenta que a Shell também vai aumentar o preço de alguns combustíveis.
Razões para o aumento? "A subida do preço do crude nos mercados internacionais" - Nuno Moreira da Cruz, administrador da GalpEnergia, dixit.
Lê-se e não se acredita. A razão impede que se acredite em tal razão.
Vamos lá ver a coisa mais de perto. Para facilitar as contas: 80% do preço da gasolina (ou do gasóleo) pago pelo consumidor são impostos e margem do revendedor; outros 10% são custos de refinação, transporte e etc.; 10% estão, de facto, relacionados com o preço do crude. Mas aumentemos as percentagens e vamos supor que 20% do preço final dependiam do custo do crude: quer isso dizer que apenas 14 cêntimos dos 70 cêntimos que o consumidor paga pelo litrinho de gasóleo estão na dependência do preço do dito. Ou seja, seria preciso que o crude subisse 7% para que o aumento de 1 cêntimo no preço final fosse aceitável!
Já estão cansados de contas, percentagens & Cia?
Então mais uma: apesar de as petrolíferas se queixarem que a vida lhes vai difícil porque o preço do petróleo (expresso em USD) subiu 8% entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2003, esquece-se a nossa portuguesíssima Galp que ela compra em USD, mas vende em €uros. E que em €uros, no mesmo período, o preço do crude baixou 11%! Resultado: temos todos a haver 1,5 cêntimos! Onde é que eles estão? Curta é a memória da Galp!....

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004

«O dia em que o PSD descriminalizou o aborto»

Com o "provocativo" título em epígrafe, e partindo do pressuposto (porém insuficientemente provado...) de que «o primeiro-ministro ter-se-á já decidido pela descriminalização do aborto», embora diferindo-a para depois de 2006, «porque até lá é preciso honrar a promessa eleitoral de que tal não aconteceria na presente legislatura», o prestigiado penalista Costa Andrade, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, aponta hoje no Público as prováveis consequências dessa despenalização pré-anunciada.
Ou seja, a partir do momento em que se admite que se vai descriminalizar certas infracções num futuro próximo, é evidente que fica desde logo consideravelmente abalada a legitimidade da punição penal actual, visto que se dá um processo de antecipação da descriminalização retrospectiva (não se punem infracções que, entretanto, deixaram de o ser).
Vale a pena ler o argumento por inteiro. Será que isso implicará também uma retracção dos juízes no julgamento dos casos de aborto? A esperada sentença de Aveiro pode dar uma sugestão sobre esse ponto...

Vital Moreira