Não dá para entender como é que o PSD converge com a extrema-esquerda parlamentar no que respeita à recuperação integral do congelamento da carreira do professores durante a crise, sabendo que isso implicará um enorme esforço orçmental (mais de 600 milhões por ano!) e que (mais importante) se trata de uma vantagem injusta, quando comparada com outras carreiras na função pública.
Ora, mesmo com eleições à vista, não pode valer tudo para conquistar votos, sob pena de pedestre oportunismo político. Além disso, ao aprovar um medida de tão grande impacto orçamental (direto e indireto), mesmo que não concentrado num único ano, o PSD deixa entender que não conta ganhar as eleições de outubro nem vir a governar nos próximos anos, preferindo dificultar desde já a vida do próximo Governo do PS...
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 15 de abril de 2019
domingo, 14 de abril de 2019
O que o Presidente não deve fazer (19): Ingerência no poder legislativo
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Vital Moreira
1. Ao entregar ao Governo um anteprojeto de diploma sobre a proibição do "nepotismo" (nomeação de familiares) em Belém, o Presidente da República foi mais longe do que antes na interferência presidencial no poder legislativo, exercendo de facto um poder de iniciativa legislativa que lhe não compete.
Constitucionalmente, o PR só intervém no poder legislativo a posteriori, através da promulgação, ou recusa da mesma, uma vez terminado o procedimento e tomada a decisão pelos órgãos legislativos competentes. Não faz sentido que o PR intervenha a montante, seja para desencadear um procedimento legislativo, seja para influenciar concretamente a formação das leis.
2. Acresce que no caso concreto o Presidente já tinha sinalizado o seu apoio público à posição do Governo sobre a necessidade de uma intervenção legislativa a regular a matéria, bem como o seu interesse em nela abranger a presidência da República (como, aliás, sempre deveria ser). Não era necessário nem se justificava ir mais além, incluindo um projeto normativo de pormenor, condicionando o parlamento sobre o assunto.
O princípio constitucional da separação de poderes exige que cada um dos "órgãos de soberania" respeite a autonomia e as atribuições próprias dos outros.
Constitucionalmente, o PR só intervém no poder legislativo a posteriori, através da promulgação, ou recusa da mesma, uma vez terminado o procedimento e tomada a decisão pelos órgãos legislativos competentes. Não faz sentido que o PR intervenha a montante, seja para desencadear um procedimento legislativo, seja para influenciar concretamente a formação das leis.
2. Acresce que no caso concreto o Presidente já tinha sinalizado o seu apoio público à posição do Governo sobre a necessidade de uma intervenção legislativa a regular a matéria, bem como o seu interesse em nela abranger a presidência da República (como, aliás, sempre deveria ser). Não era necessário nem se justificava ir mais além, incluindo um projeto normativo de pormenor, condicionando o parlamento sobre o assunto.
O princípio constitucional da separação de poderes exige que cada um dos "órgãos de soberania" respeite a autonomia e as atribuições próprias dos outros.
quinta-feira, 11 de abril de 2019
Dinheiro Vivo (10): Advogados deputados
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Vital Moreira
Aqui está o cabeçalho da minha coluna do fim de semana passado no Dinheiro Vivo, o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, desta vez sobre a controversa questão da forte presença de advogados de negócios no parlamento, glosando posts anteriormente publicados aqui e aqui no Causa Nossa.
quarta-feira, 10 de abril de 2019
Euroeleições (10): Em tempo de Brexit
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Vital Moreira
1. Depois de amanhã, sexta-feira, pelas 11:00 na FDUC, vou participar neste colóquio sobre as eleições europeias no final de maio, inicialmente marcadas para ocorrerem já sem a participação do Reino Unido, mas que ainda podem ter de se realizar na Grã-Bretanha, se o incrível e inesperado novelo político do Brexit em Londres não tiver um desenlace nas próximas semanas - o que ninguém pode antecipar.
Ora, não é a mesma coisa!
2. Por mim, que lamento a saída britânica, que constitui uma perda para a União Europeia (e uma perda ainda maior para o próprio Reino Unido), preferia que ainda organizassem as eleições europeias, em que os partidos britânicos e os candidatos teriam de assumir claramente as suas posições definitivas sobre o próprio Brexit, podendo levar a um novo referendo para reverter o primeiro.
Não sendo, em princípio, favorável ao recurso a referendos, em geral, o caso do Brexit - em, que se votou a saída sem haver a mínima ideia sobre o modo de a efetuar! - só reforça a minha posição de crescente reserva referendária, desde logo em matérias à partida complexas.
Ora, não é a mesma coisa!
2. Por mim, que lamento a saída britânica, que constitui uma perda para a União Europeia (e uma perda ainda maior para o próprio Reino Unido), preferia que ainda organizassem as eleições europeias, em que os partidos britânicos e os candidatos teriam de assumir claramente as suas posições definitivas sobre o próprio Brexit, podendo levar a um novo referendo para reverter o primeiro.
Não sendo, em princípio, favorável ao recurso a referendos, em geral, o caso do Brexit - em, que se votou a saída sem haver a mínima ideia sobre o modo de a efetuar! - só reforça a minha posição de crescente reserva referendária, desde logo em matérias à partida complexas.
Laicidade (7): Basta de farisaísmo!
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Vital Moreira
1. A encomenda de missas por parte de escolas públicas constitui sempre uma violação qualificada da laicidade constitucional do Estado.
Aliás, duplamente:
- porque, existindo separação entre o Estado e as religiões, as entidades públicas não podem obviamente convocar cerimónias religiosas, por estarem fora do seu objeto;
- porque, conferindo essas iniciativas um privilégio à religião católica, existe violação da igualdade religiosa dos cidadãos em geral e dos crentes de outras religiões em especial.
Custa a crer que isto possa ser ignorado de boa-fé.
2. É lamentável, e inaceitável, que o Ministério da Educação (de um Governo do PS!) manifeste complacência com a celebração das missas por iniciativa das escolas, com a invocação de que isso cabe na sua autonomia de gestão e desde que as missas não sejam obrigatórias (também era o que faltava!).
Mas não é nada assim. As escolas não podem ter liberdade nem autonomia para cometer atos ilícitos, infringindo princípios constitucionais fundamentais, que vinculam diretamente a Administração pública, por mais autonomia de que goze. As escolas não podem mandar celebrar missas, pela mesma razão de que não podem mandar instalar crucifixos nas paredes das escolas nem mandar rezar uma oração nas aulas.
3. Estas cerimónias religiosas por iniciativa de escolas públicas (e outras entidades públicas) são tanto mais indesculpáveis, quando é certo que aquelas podem realizar-se na mesma, por iniciativa de grupos de crentes (no caso, por associações de pais ou de alunos), não havendo nenhuma infração na simples cedência do recinto das instalações da escola, desde que em condições de igualdade em relação a outras religiões.
É mesmo a vontade de afrontar deliberadamente a laicidade constitucional.
4. Perante a sucessão de casos destes não é menos indesculpável a inércia do Ministério Público, que, tendo a incumbência constitucional e legal de defender a legalidade democrática, tem a obrigação de utilizar os meios que a justiça administrativa coloca ao seu alcance para fazer cessar tais atropelos constitucionais.
A sua ostensiva passividade perante casos de flagrante infração, como estes, envolve uma implícita corresponsabilidade institucional passiva.
Adenda
Há quem invoque a "liberdade" das escolas para legitimar as missas, mas trata-se de um equívoco elementar. Não é preciso estudar direito constitucional para perceber que num Estado laico as instituições públicas não gozam de liberdade religiosa, o que seria uma contradição nos termos. Como é bom de ver, só as pessoas e as próprias instituições religiosas são titulares da liberdade religiosa.
Aliás, duplamente:
- porque, existindo separação entre o Estado e as religiões, as entidades públicas não podem obviamente convocar cerimónias religiosas, por estarem fora do seu objeto;
- porque, conferindo essas iniciativas um privilégio à religião católica, existe violação da igualdade religiosa dos cidadãos em geral e dos crentes de outras religiões em especial.
Custa a crer que isto possa ser ignorado de boa-fé.
2. É lamentável, e inaceitável, que o Ministério da Educação (de um Governo do PS!) manifeste complacência com a celebração das missas por iniciativa das escolas, com a invocação de que isso cabe na sua autonomia de gestão e desde que as missas não sejam obrigatórias (também era o que faltava!).
Mas não é nada assim. As escolas não podem ter liberdade nem autonomia para cometer atos ilícitos, infringindo princípios constitucionais fundamentais, que vinculam diretamente a Administração pública, por mais autonomia de que goze. As escolas não podem mandar celebrar missas, pela mesma razão de que não podem mandar instalar crucifixos nas paredes das escolas nem mandar rezar uma oração nas aulas.
3. Estas cerimónias religiosas por iniciativa de escolas públicas (e outras entidades públicas) são tanto mais indesculpáveis, quando é certo que aquelas podem realizar-se na mesma, por iniciativa de grupos de crentes (no caso, por associações de pais ou de alunos), não havendo nenhuma infração na simples cedência do recinto das instalações da escola, desde que em condições de igualdade em relação a outras religiões.
É mesmo a vontade de afrontar deliberadamente a laicidade constitucional.
4. Perante a sucessão de casos destes não é menos indesculpável a inércia do Ministério Público, que, tendo a incumbência constitucional e legal de defender a legalidade democrática, tem a obrigação de utilizar os meios que a justiça administrativa coloca ao seu alcance para fazer cessar tais atropelos constitucionais.
A sua ostensiva passividade perante casos de flagrante infração, como estes, envolve uma implícita corresponsabilidade institucional passiva.
Adenda
Há quem invoque a "liberdade" das escolas para legitimar as missas, mas trata-se de um equívoco elementar. Não é preciso estudar direito constitucional para perceber que num Estado laico as instituições públicas não gozam de liberdade religiosa, o que seria uma contradição nos termos. Como é bom de ver, só as pessoas e as próprias instituições religiosas são titulares da liberdade religiosa.
terça-feira, 9 de abril de 2019
Concordo (8): Recenseamento étnico
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Vital Moreira
Estou inteiramente de acordo com a inclusão de uma questão sobre a identidade étnico-racial no próximo recenseamento geral da população, em 2021, como elemento de informação essencial ao conhecimento sociológico do País e ao desenho de políticas públicas de combate ao racismo e à discriminação ética.
Nem sequer dá para perceber a oposição de algumas associações representativas das principais minorias étnicas entre nós. Com resposta anónima e facultativa, não se vê que perigo é que essa questão pode oferecer, para além de as respostas poderem ajudar a rever os esteriótipos dominantes acerca das condições de vida dessas minorias e da visão que elas têm de si mesmas na sociedade portuguesa.
Nem sequer dá para perceber a oposição de algumas associações representativas das principais minorias étnicas entre nós. Com resposta anónima e facultativa, não se vê que perigo é que essa questão pode oferecer, para além de as respostas poderem ajudar a rever os esteriótipos dominantes acerca das condições de vida dessas minorias e da visão que elas têm de si mesmas na sociedade portuguesa.
Aplauso (10 ): Dá gosto ouvir
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Vital Moreira
Um forte aplauso para o novo programa de Gabriela Canavilhas na Antena 2, O Ar do Tempo, que veio enriquecer a oferta da rádio pública de música "clássica". Uma bem-sucedida combinação de saber, sensibilidade, versatilidade e comunicabilidade (incluindo uma dicção rigorosa, quase isenta dos tropos fonéticos do "dialeto lisboês", o que vai sendo raro, mesmo na comunicação erudita...)
Para além do muito que se aprende, dá imenso gosto ouvir. É caso para dizer que valeu a pena deixar a atividade política...
Para além do muito que se aprende, dá imenso gosto ouvir. É caso para dizer que valeu a pena deixar a atividade política...
Ai, Portugal ! (1): Dualismo territorial aprofunda-se
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Vital Moreira
1. Enquanto nas áreas metropolitanas e no litoral em geral, os preços das casas dispararam nos últimos anos, mercê da pressão da procura nacional e estrangeira, em muitos concelhos do interior os preços do imobiliário continuam estagnados ou mesmo a descer, como informa o JN de ontem.
Não poderia haver melhor prova do dualismo económico e sociológico do País, apesar do discurso político e das estratégias de "coesão territorial" e de "dinamização do interior".
2. Desde que, há meio século, A. Sedas Nunes analisou Portugal em termos de "sociedade dualista" - entre o litoral desenvolvido e o interior deprimido -, os indicadores económicos e sociais nacionais mudaram muito, para muito melhor, mas não a estrutura territorial assimétrica que eles revelam -, que, aliás, só se aprofundou.
As políticas públicas continuam a favorecer sistematicamente os grandes centros urbanos, e em especial as duas áreas metropolitanas, como ainda recentemente sucedeu com os programas nacionais de subvenção dos transportes urbanos e de construção de residências universitárias.
Sediado no litoral, sobretudo nas duas áreas metropolitanas, o poder económico, político e mediático autorreproduz-se territorialmente, fagocitando tudo à volta. Na ausência de medidas de discriminação territorial positiva eficazes, trata-se de um verdadeiro círculo vicioso.
segunda-feira, 8 de abril de 2019
Praça da República (20): Família e política - é preciso distinguir
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Vital Moreira
1. Continua a reinar uma enorme confusão de conceitos no que respeita às relações familiares no âmbito do Governo e nas nomeações governamentais, misturando o que não deve ser confundido.
Importa, em primeiro lugar, distinguir entre (i) "endogamia" (que tem a ver com o critério de seleção dos cargos políticos) e (ii) "nepotismo" (que consiste na nomeação de familiares do próprio titular de cargos políticos). Em segundo lugar, quanto ao segundo, há que separar (i) as nomeações para cargos políticos (como os ministros e outros membros do Governo) e outros cargos públicos de confiança política e (ii) as nomeações de funcionários ou equiparados (como os membros de gabinetes ministeriais e outros). Por último, cumpre distinguir entre (i) o que deve ser proibido como ilícito por via de lei (incompatibilidades e impedimentos) e (ii) o que deve ser autorregulado por via de códigos deontológicos.
Como tenho insistido, o pior que pode suceder é deixar estas matérias sem regulação, ao critério do "bom senso" de cada um, que é o terreno mais fértil para a demagogia política e populismo mediático.
2. Quanto à chamada "endogamia política" - que tem a ver com o relativo "fechamento" do círculo de recrutamento dos titulares de cargos políticos (dirigentes partidários, governantes, deputados, autarcas, etc.) -, isso deve ser deixado ao livre jogo político, ao livre juízo da opinião pública e à responsabilidade política. O facto de haver familiares na vida política (cônjuges, pais e filhos, irmãos, etc.) não é suscetível de condenação, salvo, obviamente, se se nomearem uns aos outros.
O burburinho condenatório que se tem feito a esse propósito não tem nenhum fundamento, sendo um subproduto demagógico da anomia legal e deontológica acima referida.
3. Quanto ao nepotismo na nomeação para os próprios cargos políticos e outros cargos públicos equiparados, a Constituição prevê incompatibilidades, mas remete para lei a sua enunciação, a qual, porém, não proíbe explicitamente a nomeação de familiares.
Ora, ainda que não seja usual tal tipo de nomeações entre nós, era conveniente que a lei proibisse expressamente a nomeação de familiares próximos (a definir), com as respetivas sanções (nulidade da nomeação e sanções pecuniárias, ou mesmo a demissão, para o nomeante), aplicadas pela autoridade da transparência que agora se prevê criar junto do Tribunal Constitucional.
4. Quanto ao nepotismo na nomeação de colaboradores ou de outros funcionários por parte dos titulares de cargos públicos, ela está coberta pelo princípio constitucional da imparcialidade da Administração pública e já existe a norma dos impedimentos do art. 69º Código de Procedimento Administrativo, interpretada extensivamente, que exclui os cônjuges (ou equiparados), os ascendentes e descendentes e os irmãos, bem como os afins correspondentes (sogros e enteados, cunhados, genros e noras).
Como já escrevi anteriormente, penso que esta cobertura é hoje exígua e que devia ser ampliada aos parentes e afins até ao terceiro grau de parentesco (tios, sobrinhos).
5. Como também já escrevi, para além das incompatibilidades e impedimentos mínimos estabelecidos por lei, a ética política pode ser mais exigente, abrangendo um círculo de familiares maior, bem como os familiares próximos de outros membros do mesmo órgão político (por ex. de outros membros do Governo), ou até de outro, de que aquele dependa (por ex. de deputados).
O lugar apropriado para enunciar e punir estes impedimentos deontológicos não é, porém, a lei, mas sim os códigos de conduta internos de cada órgão (governos, câmaras municipais, Assembleia da República, etc.),a títulço de "responsabilidade ética".
Adenda
Não acompanho o Presidente da República, quando este defende que basta mexer na referida norma do CPA. Primeiro, os impedimentos legais nunca podem ir além do mínimo necessário; segundo, na atual situação todos os partidos de oposição preferem explorar a indefinição legal para zurzir no Governo. Por isso, defendo que, independemente de proposta legislativa, o Governo deveria - quanto antes, melhor -, "matar" a questão por via de uma aditamento ao seu próprio código de conduta.
Importa, em primeiro lugar, distinguir entre (i) "endogamia" (que tem a ver com o critério de seleção dos cargos políticos) e (ii) "nepotismo" (que consiste na nomeação de familiares do próprio titular de cargos políticos). Em segundo lugar, quanto ao segundo, há que separar (i) as nomeações para cargos políticos (como os ministros e outros membros do Governo) e outros cargos públicos de confiança política e (ii) as nomeações de funcionários ou equiparados (como os membros de gabinetes ministeriais e outros). Por último, cumpre distinguir entre (i) o que deve ser proibido como ilícito por via de lei (incompatibilidades e impedimentos) e (ii) o que deve ser autorregulado por via de códigos deontológicos.
Como tenho insistido, o pior que pode suceder é deixar estas matérias sem regulação, ao critério do "bom senso" de cada um, que é o terreno mais fértil para a demagogia política e populismo mediático.
2. Quanto à chamada "endogamia política" - que tem a ver com o relativo "fechamento" do círculo de recrutamento dos titulares de cargos políticos (dirigentes partidários, governantes, deputados, autarcas, etc.) -, isso deve ser deixado ao livre jogo político, ao livre juízo da opinião pública e à responsabilidade política. O facto de haver familiares na vida política (cônjuges, pais e filhos, irmãos, etc.) não é suscetível de condenação, salvo, obviamente, se se nomearem uns aos outros.
O burburinho condenatório que se tem feito a esse propósito não tem nenhum fundamento, sendo um subproduto demagógico da anomia legal e deontológica acima referida.
3. Quanto ao nepotismo na nomeação para os próprios cargos políticos e outros cargos públicos equiparados, a Constituição prevê incompatibilidades, mas remete para lei a sua enunciação, a qual, porém, não proíbe explicitamente a nomeação de familiares.
Ora, ainda que não seja usual tal tipo de nomeações entre nós, era conveniente que a lei proibisse expressamente a nomeação de familiares próximos (a definir), com as respetivas sanções (nulidade da nomeação e sanções pecuniárias, ou mesmo a demissão, para o nomeante), aplicadas pela autoridade da transparência que agora se prevê criar junto do Tribunal Constitucional.
4. Quanto ao nepotismo na nomeação de colaboradores ou de outros funcionários por parte dos titulares de cargos públicos, ela está coberta pelo princípio constitucional da imparcialidade da Administração pública e já existe a norma dos impedimentos do art. 69º Código de Procedimento Administrativo, interpretada extensivamente, que exclui os cônjuges (ou equiparados), os ascendentes e descendentes e os irmãos, bem como os afins correspondentes (sogros e enteados, cunhados, genros e noras).
Como já escrevi anteriormente, penso que esta cobertura é hoje exígua e que devia ser ampliada aos parentes e afins até ao terceiro grau de parentesco (tios, sobrinhos).
5. Como também já escrevi, para além das incompatibilidades e impedimentos mínimos estabelecidos por lei, a ética política pode ser mais exigente, abrangendo um círculo de familiares maior, bem como os familiares próximos de outros membros do mesmo órgão político (por ex. de outros membros do Governo), ou até de outro, de que aquele dependa (por ex. de deputados).
O lugar apropriado para enunciar e punir estes impedimentos deontológicos não é, porém, a lei, mas sim os códigos de conduta internos de cada órgão (governos, câmaras municipais, Assembleia da República, etc.),a títulço de "responsabilidade ética".
Adenda
Não acompanho o Presidente da República, quando este defende que basta mexer na referida norma do CPA. Primeiro, os impedimentos legais nunca podem ir além do mínimo necessário; segundo, na atual situação todos os partidos de oposição preferem explorar a indefinição legal para zurzir no Governo. Por isso, defendo que, independemente de proposta legislativa, o Governo deveria - quanto antes, melhor -, "matar" a questão por via de uma aditamento ao seu próprio código de conduta.
domingo, 7 de abril de 2019
Geringonça (18): Voltar atrás
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Vital Moreira
1. Sem que tal medida estivesse no programa do Governo, o PS e os demais partidos da esquerda parlamentar aprovaram o retorno da Casa do Douro ao estatuto de associação de direito público, como instituição de representação oficial e defesa dos interesses da vitivinicultura duriense, com inscrição e quotização obrigatória de toda a classe, revertendo a reconversão institucional determinada pelo anterior Governo.
Embora possa ser um exagero dizer que se voltou à "organização salazarista" do vinho do Porto, como afirma Manuel Carvalho no editorial do Público de ontem, e não seja de excluir à partida o regresso ao estatuto da Casa do Douro anterior a 2014, isso suscita duas questões complicadas:
- primeiro, o estatuto de associação pública profissional supõe o desempenho de atribuições públicas suficientemente relevantes para justificar a criação legal de uma "corporação pública" e o afastamento da liberdade de associação, o que não parece ser o caso, pois a nova Casa do Douro não dispõe de nenhum poder de autoridade;
- a representação da vitivinicultura por uma associação oficial unicitária e obrigatória, sem paralelo em nenhuma outra região demarcada, introduz uma óbvia assimetria em relação à representação profissional dos comerciantes/exportadores no conselho interprofissional de representação paritária de corregulação dos vinhos do Porto e do Douro.
2. Além disso, o novo estatuto oficial da CdD recupera alguns traços dos antigos "grémios corporativos" - como a competência para "desenvolver atividade comercial no domínio dos fatores de produção ligados à agricultura" e de "representar os associados (...) em convenções coletivas de trabalho" -, manifestamente conflituantes com a ordem constitucional vigente.
Não é fácil, em geral, acomodar a existência de entidades públicas de representação profissional numa ordem constitucional liberal-democrática, como se verifica desde logo com as ordens profissionais. Mais problemáticas se tornam ainda quando elas assumem poderes que só podem caber a entidades privadas, como é o caso.
Adenda
Um leitor objeta que, se a Casa do Douro persistiu como entidade pública na atual ordem constitucional entre 1976 e 2014, não vê razão para não voltar a ter o mesmo estatuto. Há algumas importantes diferenças, porém: (i) nessa altura a CdD não deixou de exercer alguns poderes públicos de regulação, que poderiam justificar a sua existência como entidade oficial; (ii) parece manifesto que esse estatuto não proporcionou à CdD um desempenho especialmente bem-sucedido; (iii) uma coisa é manter uma instituição por inércia, apesar de problemática, e outra coisa é repristiná-la depois de extinta, num modelo ainda mais problemático.
Adenda 2
Outro leitor lamenta que a Casa do Douro, património histórico coletivo da vitivinicultura duriense, acabe nas mãos de uma associação privada de representação profissional. Mas não tem de ser assim. Por exemplo, poderia ser transformada num instituto de investigação sobre o Douro, afeto à UTAD.
Adenda 3 (9/4)
Defendendo a solução legislativa adotada, o deputado Ascenso Simões - cujo desempenho parlamentar, empenhamento cívico e frontalidade política admiro - não afasta, porém, nenhuma das reservas que acima suscitei. Para uma lei ser boa não basta ter o acordo dos interessados e beneficiários.
Embora possa ser um exagero dizer que se voltou à "organização salazarista" do vinho do Porto, como afirma Manuel Carvalho no editorial do Público de ontem, e não seja de excluir à partida o regresso ao estatuto da Casa do Douro anterior a 2014, isso suscita duas questões complicadas:
- primeiro, o estatuto de associação pública profissional supõe o desempenho de atribuições públicas suficientemente relevantes para justificar a criação legal de uma "corporação pública" e o afastamento da liberdade de associação, o que não parece ser o caso, pois a nova Casa do Douro não dispõe de nenhum poder de autoridade;
- a representação da vitivinicultura por uma associação oficial unicitária e obrigatória, sem paralelo em nenhuma outra região demarcada, introduz uma óbvia assimetria em relação à representação profissional dos comerciantes/exportadores no conselho interprofissional de representação paritária de corregulação dos vinhos do Porto e do Douro.
2. Além disso, o novo estatuto oficial da CdD recupera alguns traços dos antigos "grémios corporativos" - como a competência para "desenvolver atividade comercial no domínio dos fatores de produção ligados à agricultura" e de "representar os associados (...) em convenções coletivas de trabalho" -, manifestamente conflituantes com a ordem constitucional vigente.
Não é fácil, em geral, acomodar a existência de entidades públicas de representação profissional numa ordem constitucional liberal-democrática, como se verifica desde logo com as ordens profissionais. Mais problemáticas se tornam ainda quando elas assumem poderes que só podem caber a entidades privadas, como é o caso.
Adenda
Um leitor objeta que, se a Casa do Douro persistiu como entidade pública na atual ordem constitucional entre 1976 e 2014, não vê razão para não voltar a ter o mesmo estatuto. Há algumas importantes diferenças, porém: (i) nessa altura a CdD não deixou de exercer alguns poderes públicos de regulação, que poderiam justificar a sua existência como entidade oficial; (ii) parece manifesto que esse estatuto não proporcionou à CdD um desempenho especialmente bem-sucedido; (iii) uma coisa é manter uma instituição por inércia, apesar de problemática, e outra coisa é repristiná-la depois de extinta, num modelo ainda mais problemático.
Adenda 2
Outro leitor lamenta que a Casa do Douro, património histórico coletivo da vitivinicultura duriense, acabe nas mãos de uma associação privada de representação profissional. Mas não tem de ser assim. Por exemplo, poderia ser transformada num instituto de investigação sobre o Douro, afeto à UTAD.
Adenda 3 (9/4)
Defendendo a solução legislativa adotada, o deputado Ascenso Simões - cujo desempenho parlamentar, empenhamento cívico e frontalidade política admiro - não afasta, porém, nenhuma das reservas que acima suscitei. Para uma lei ser boa não basta ter o acordo dos interessados e beneficiários.
sábado, 6 de abril de 2019
Dinheiro Vivo (9): A ilusão do IRS
Publicado por
Vital Moreira
Eis o cabeçalho do meu artigo de há uma semana no Dinheiro Vivo - suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, contestando a ideia de que uma elevada taxa marginal de IRS constitui, só por si, o principal instrumento de redução da desigualdade de rendimentos.
É de acrescentar que, sendo Portugal um dos países com mais elevado IRS para altos rendimentos na União Europeia (em paridade de poder de compra), devia apresentar menor desigualdade de rendimentos, o que está longe de ser o caso...
É de acrescentar que, sendo Portugal um dos países com mais elevado IRS para altos rendimentos na União Europeia (em paridade de poder de compra), devia apresentar menor desigualdade de rendimentos, o que está longe de ser o caso...
Praça da República (19): É preciso normas, em vez de "bom senso"
Publicado por
Vital Moreira
1. Não podia discordar mais desta tese, ultimamente defendida por alguns políticos e comentadores, de que em matéria de nomeações de familiares por governantes basta o bom-senso e que este "não se legisla".
O problema é que não existe nenhum consenso sobre o que constitui bom-senso neste assunto, bastando mencionar a enorme diferença de posições defendidas a este propósito nas últimas semanas. Numa matéria sujeita às paixões políticas o bom-senso mede-se pelo critério de cada um.
Ora, nesta matéria o que se exige é clareza, para se saber o que é ou não admitido.
2. De resto, a experiência comparada em muitos países mostra que os impedimentos quanto à nomeação de familiares de governantes e equiparados constam de lei e/ou de códigos de conduta, o que confere certeza e evita especulações indevidas. O que importa é que as regras sejam públicas e o seu incumprimento sancionado.
Num post anterior adiantei a minha própria proposta, conjugando um círculo de nomeações proibidas (de familiares mais próximos) e outro de nomeações suscetíveis de censura ética (de familiares menos próximos e de familiares de outros membros do Governo ou de deputados). Como é bom de ver, o primeiro círculo tanto pode constar de lei como de código de conduta, enquanto o segundo só pode ser objeto de código de conduta.
Adenda
Penso que, em vez de remeter para a AR uma solução legislativa sobre as nomeações de familiares para funções de confiança política, protelando a resolução do assunto, António Costa faria melhor em "varrer a sua testada" quanto antes melhor, através de um aditamento ao código de conduta governamental, atalhando o risco de a questão de manter na agenda política, com os exageros que a falta de clarificação normativa proporciona à demagogia reinante.
O problema é que não existe nenhum consenso sobre o que constitui bom-senso neste assunto, bastando mencionar a enorme diferença de posições defendidas a este propósito nas últimas semanas. Numa matéria sujeita às paixões políticas o bom-senso mede-se pelo critério de cada um.
Ora, nesta matéria o que se exige é clareza, para se saber o que é ou não admitido.
2. De resto, a experiência comparada em muitos países mostra que os impedimentos quanto à nomeação de familiares de governantes e equiparados constam de lei e/ou de códigos de conduta, o que confere certeza e evita especulações indevidas. O que importa é que as regras sejam públicas e o seu incumprimento sancionado.
Num post anterior adiantei a minha própria proposta, conjugando um círculo de nomeações proibidas (de familiares mais próximos) e outro de nomeações suscetíveis de censura ética (de familiares menos próximos e de familiares de outros membros do Governo ou de deputados). Como é bom de ver, o primeiro círculo tanto pode constar de lei como de código de conduta, enquanto o segundo só pode ser objeto de código de conduta.
Adenda
Penso que, em vez de remeter para a AR uma solução legislativa sobre as nomeações de familiares para funções de confiança política, protelando a resolução do assunto, António Costa faria melhor em "varrer a sua testada" quanto antes melhor, através de um aditamento ao código de conduta governamental, atalhando o risco de a questão de manter na agenda política, com os exageros que a falta de clarificação normativa proporciona à demagogia reinante.
Lisbon first (17): "Buraco negro"
Publicado por
Vital Moreira
Não poderia caracterizar melhor a macrocefalia nacional de Lisboa, que aqui tantas vezes tenho denunciado, do que o CEO da Critical Software, Gonçalo Quadros, quando escreve que somos um país “fortemente assimétrico […] vergonhosamente centrado em Lisboa. Lisboa é um buraco negro. Tem atraído tudo e mais alguma coisa, o que tem ajudado a que uma espécie de deserto prospere numa parte importante do país”.
De facto!
De facto!
sexta-feira, 5 de abril de 2019
Ai, a dívida (8): Baixar impostos?
Publicado por
Vital Moreira
Concordo com o Primeiro-Ministro em não defender uma redução de impostos enquanto Portugal mantiver um nível demasiado elevado de dívida pública e se quiser assegurar simultaneamente os necessários excedentes orçamentais e um nível razoável de investimento público e de capacidade de resposta dos serviços públicos.
Continuo a entender, porém, que a redução da dívida pública será tanto mais rápida, ceteris paribus, quanto mais moderado for o aumento de despesa corrente do Estado, sobretudo em remunerações, pensões e prestações sociais, que tem crescido demasidamente nos últimos anos, em comparação com o investimento público, com a agravante de constituir despesa permanente, insuscetível de redução em caso de inversão do ciclo económico.
A despesa permanente criada em período de "vacas gordas" continua a ter de ser paga quando as ditas emagrecem.
Adenda
Indo além do seu programa, o Governo acaba de acrescentar 240 milhões de euros / ano em despesas com o pessoal, a título de recuperação de tempo de serviço congelado durante o período de assistência financeira, que os futuros orçamento terão de suportar. Preferiria que essa verba fosse destinada a reforçar o investimento público, que tem ficado sempre aquém do orçamentado...
Continuo a entender, porém, que a redução da dívida pública será tanto mais rápida, ceteris paribus, quanto mais moderado for o aumento de despesa corrente do Estado, sobretudo em remunerações, pensões e prestações sociais, que tem crescido demasidamente nos últimos anos, em comparação com o investimento público, com a agravante de constituir despesa permanente, insuscetível de redução em caso de inversão do ciclo económico.
A despesa permanente criada em período de "vacas gordas" continua a ter de ser paga quando as ditas emagrecem.
Adenda
Indo além do seu programa, o Governo acaba de acrescentar 240 milhões de euros / ano em despesas com o pessoal, a título de recuperação de tempo de serviço congelado durante o período de assistência financeira, que os futuros orçamento terão de suportar. Preferiria que essa verba fosse destinada a reforçar o investimento público, que tem ficado sempre aquém do orçamentado...
Puerta del Sol (4): Impasse político em Madrid?
Publicado por
Vital Moreira
1. A três semanas das eleições parlamentares em Espanha, a média das sondagens eleitorais organizada pelo El País aponta para um impasse político na constituição do Governo pós-eleitoral.
Enquanto o PSOE reforça a sua liderança (agora mais de 8 pp de vantagem sobre o PP), continuando porém longe de uma maioria à esquerda com o Unidos Podermos, os três partidos de direita também não somam os deputados suficientes para obter a maioria absoluta, o que inviabiliza uma solução à andaluza. Uma coligação centrista (PSOE-Ciudadanos) poderia ter uma confortável maioria parlamentar, mas o partido de centro direita exclui à partida tal coligação com os socialistas.
Nestes termos, a chave da solução governativa em Madrid poderia estar outra vez nos partidos regionais...
2. Um dado interessante é a recuperação do protagonismo político dos dois grandes partidos políticos tradicionais (PSOE e PP), agora colocados bem à frente dos novos partidos que chegaram a ameaçar a sua liderança eleitoral nos últimos anos.
Apesar da entrada da extrema-direita do Vox na liça política espanhola, sobretudo à custa do PP, tudo indica que a fragmentação parlamentar pode vir a ser menor do que o temido anteriormente.
Enquanto o PSOE reforça a sua liderança (agora mais de 8 pp de vantagem sobre o PP), continuando porém longe de uma maioria à esquerda com o Unidos Podermos, os três partidos de direita também não somam os deputados suficientes para obter a maioria absoluta, o que inviabiliza uma solução à andaluza. Uma coligação centrista (PSOE-Ciudadanos) poderia ter uma confortável maioria parlamentar, mas o partido de centro direita exclui à partida tal coligação com os socialistas.
Nestes termos, a chave da solução governativa em Madrid poderia estar outra vez nos partidos regionais...
2. Um dado interessante é a recuperação do protagonismo político dos dois grandes partidos políticos tradicionais (PSOE e PP), agora colocados bem à frente dos novos partidos que chegaram a ameaçar a sua liderança eleitoral nos últimos anos.
Apesar da entrada da extrema-direita do Vox na liça política espanhola, sobretudo à custa do PP, tudo indica que a fragmentação parlamentar pode vir a ser menor do que o temido anteriormente.
quinta-feira, 4 de abril de 2019
Privilégios (12): Remunerações e pensões judiciárias
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Vital Moreira
Podendo haver razões para um aumento extraordinário da remuneração dos juízes dos tribunais superiores, o que não se veem são as razões pelas quais esse aumento há de implicar automaticamente aumentos correspondentes nas pensões dos juízes já aposentados nem arrastar medida afim nos vencimentos e pensionistas dos niveis equiparados do Ministério Público.
Na verdade, isso sucede porque (i) ao contrário dos demais pensionistas, os juízes "jubilados" gozam do privilégio de ter uma pensão igual à última remuneração e sempre atualizada com esta, enquanto as pensões dos demais cidadãos são sempre inferiores (cada vez mais) à última remuneração, sendo também independentes das atualizações desta, e (ii) os procuradores do Ministério Público gozam de um estatuto legalmente equiparado aos juízes, incluindo o regime privilegiado de pensões, apesar da diferente natureza e exigência das funções.
A meu ver, nenhuma das referidas situações se conforma com o princípio da igualdade, quer quando este exige tratamento igual para situações iguais (as pensões), quer quando ele requer o tratamento diferenciado de situações desiguais (juízes e procuradores).
Na verdade, isso sucede porque (i) ao contrário dos demais pensionistas, os juízes "jubilados" gozam do privilégio de ter uma pensão igual à última remuneração e sempre atualizada com esta, enquanto as pensões dos demais cidadãos são sempre inferiores (cada vez mais) à última remuneração, sendo também independentes das atualizações desta, e (ii) os procuradores do Ministério Público gozam de um estatuto legalmente equiparado aos juízes, incluindo o regime privilegiado de pensões, apesar da diferente natureza e exigência das funções.
A meu ver, nenhuma das referidas situações se conforma com o princípio da igualdade, quer quando este exige tratamento igual para situações iguais (as pensões), quer quando ele requer o tratamento diferenciado de situações desiguais (juízes e procuradores).
Não vale tudo (5): O estigma socratista
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Vital Moreira
No seu editorial de hoje, da responsabilidade de Ana Sá Lopes, o Público condena a lista do PS às eleições europeias sobretudo por ela incluir o antigo ministro dos governos de Sócrates, Pedro Silva Pereira.
Ora, para além de não pender sobre ele nenhuma acusação relacionada com o processo penal do antigo primeiro-ministro, a verdade é que Silva Pereira não se candidata como antigo ministro mas sim recandidata-se como atual eurodeputado, aliás com bom desempenho no PE, eleito na lista do PS que ganhou as eleições europeias de há cinco anos.
Que a oposição antissocialista, à falta de melhor, insista em explorar politicamente os crimes por que Sócrates é acusado como se fossem responsabilidade coletiva imprescritível de todos os membros dos seus governos (só faltando exigir que usem uma estrela amarela em público, expiando a sua culpa...), ainda pode levar-se à conta dos costumes de baixa política, quando se não tem melhores argumentos políticos. Mas que órgãos de referência jornalística se dediquem também a explorar esse filão, já não tem nenhuma justificação.
Ora, para além de não pender sobre ele nenhuma acusação relacionada com o processo penal do antigo primeiro-ministro, a verdade é que Silva Pereira não se candidata como antigo ministro mas sim recandidata-se como atual eurodeputado, aliás com bom desempenho no PE, eleito na lista do PS que ganhou as eleições europeias de há cinco anos.
Que a oposição antissocialista, à falta de melhor, insista em explorar politicamente os crimes por que Sócrates é acusado como se fossem responsabilidade coletiva imprescritível de todos os membros dos seus governos (só faltando exigir que usem uma estrela amarela em público, expiando a sua culpa...), ainda pode levar-se à conta dos costumes de baixa política, quando se não tem melhores argumentos políticos. Mas que órgãos de referência jornalística se dediquem também a explorar esse filão, já não tem nenhuma justificação.
quarta-feira, 3 de abril de 2019
Praça da República (19): Advogados-deputados (II)
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Vital Moreira
Quando se procede neste momento à revisão do estatuto dos deputados à AR, não se deve esquecer que também cabe ao legislador nacional definir, em grande parte, o estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu.
Ora, inicialmente o estatuto legal dos eurodeputados estipulava a dedicação exclusiva, o que se compreendia, não somente pelas exigências especiais da função (distância e deslocações internas e externas), mas também pela elevada remuneração. Inexplicavelmente, a exigência de dedicação exclusiva foi suprimida subrepticiamente, à margem do respetivo estatuto, sem sequer se prever um diferencial de remuneração entre dedicação exclusiva e falta dela (que, aliás, não está prevista no estatuto remuneratório do PE).
O mínimo que se exige, porém, é que as incompatibilidades e condições de exercício do mandato de deputado nacional, por menores que sejam (se algumas!), se tornem também extensivas aos eurodeputados.
Ora, inicialmente o estatuto legal dos eurodeputados estipulava a dedicação exclusiva, o que se compreendia, não somente pelas exigências especiais da função (distância e deslocações internas e externas), mas também pela elevada remuneração. Inexplicavelmente, a exigência de dedicação exclusiva foi suprimida subrepticiamente, à margem do respetivo estatuto, sem sequer se prever um diferencial de remuneração entre dedicação exclusiva e falta dela (que, aliás, não está prevista no estatuto remuneratório do PE).
O mínimo que se exige, porém, é que as incompatibilidades e condições de exercício do mandato de deputado nacional, por menores que sejam (se algumas!), se tornem também extensivas aos eurodeputados.
Praça da República (18): Advogados-deputados
Publicado por
Vital Moreira
1. A propósito do lamentável recuo na AR sobre as incompatiblidades dos deputados-advogados, recordo que defendo há muito uma incompatibilidade geral entre o cargo de deputado e a profissão de advogado, em especial os advogados de negócios (e não somente quando se trate de litigar contra ou a favor do Estado, onde existe um manifesto conflito de interesses).
Por várias razões:
- primeiro, por causa do princípio de separação de poderes: quem intervém no poder judicial e na aplicação das leis não deve participar na feitura das leis (Locke dixit);
- segundo, pelo risco de conflito de interesses, quer influenciando leis em função dos interesses dos seus clientes, quer funcionando como lobby dos mesmos interesses junto do Governo e da Administração;
- terceiro, por uma questão de concorrência: os advogados-deputados prevalecem-se da sua função e da sua notoriedade como deputados para promoverem a sua atividade como advogados, pelo que a própria Ordem deveria estabelecer essa incompatibilidade;
- por último, porque a acumulação das duas atividades só favorece, mais uma vez, os advogados de Lisboa e arredores, que podem facilmente dar uma "saltada" a São Bento para assinar o ponto e votar, antes de irem reunir com os seus clientes, o que não está alcance dos deputados de fora.
Por conseguinte, os deputados-advogados deveriam suspender o exercício da profissão.
2. A atual compatibilidade faz com que os advogados-deputados e afins constituam o maior grupo profissional na AR e engrossem o número de deputados em tempo parcial (muitos em "tempo pontual"), em prejuízo do desempenho do parlamento, tanto mais que o prémio de dedicação exclusiva (ou desconto do tempo parcial) é escandalosamente reduzido (10%).
A manter-se o regime de tempo parcial, o mínimo que se exige é aumentar a diferença de remuneração para, pelo menos, 33%, a fim de tornar mais atrativa a dedicação exclusiva ao desempenho da missão para que os deputados são eleitos.
Por várias razões:
- primeiro, por causa do princípio de separação de poderes: quem intervém no poder judicial e na aplicação das leis não deve participar na feitura das leis (Locke dixit);
- segundo, pelo risco de conflito de interesses, quer influenciando leis em função dos interesses dos seus clientes, quer funcionando como lobby dos mesmos interesses junto do Governo e da Administração;
- terceiro, por uma questão de concorrência: os advogados-deputados prevalecem-se da sua função e da sua notoriedade como deputados para promoverem a sua atividade como advogados, pelo que a própria Ordem deveria estabelecer essa incompatibilidade;
- por último, porque a acumulação das duas atividades só favorece, mais uma vez, os advogados de Lisboa e arredores, que podem facilmente dar uma "saltada" a São Bento para assinar o ponto e votar, antes de irem reunir com os seus clientes, o que não está alcance dos deputados de fora.
Por conseguinte, os deputados-advogados deveriam suspender o exercício da profissão.
2. A atual compatibilidade faz com que os advogados-deputados e afins constituam o maior grupo profissional na AR e engrossem o número de deputados em tempo parcial (muitos em "tempo pontual"), em prejuízo do desempenho do parlamento, tanto mais que o prémio de dedicação exclusiva (ou desconto do tempo parcial) é escandalosamente reduzido (10%).
A manter-se o regime de tempo parcial, o mínimo que se exige é aumentar a diferença de remuneração para, pelo menos, 33%, a fim de tornar mais atrativa a dedicação exclusiva ao desempenho da missão para que os deputados são eleitos.
Praça da República (17): "Kakistocracia"?
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Vital Moreira
1. A meu ver, não pode ser destinada ao sistema político português a acusação de kakistocracia (= "governo dos piores", por oposição a aristocracia = "governo dos melhores") , nem mesmo a título de excesso caricatural, como faz Nuno Garoupa neste artigo.
Uma coisa é o alegado "fechamento" do sistema e a sua suposta blindagem contra o aparecimento de novos atores políticos, outra é a conclusão de que isso leva à seleção dos piores. Basta a lista dos nossos presidentes da República e dos nossos primeiros-ministros, incluindo as suas credenciais e os cargos internacionais que vários deles vieram a exercer depois, para não autorizar tal juízo. A elite governante em Portugal não perde no confronto internacional.
2. Quanto ao referido fechamento - normalmente fundamentado no monopólio eleitoral dos partidos políticos e na falta de voto pessoal nos candidatos -, deve notar-se que entre nós não se exige muito para criar novos partidos e que é relativamente fácil obter representação parlamentar, tendo em conta o limiar virtual no círculo de Lisboa, inferior a 2% (que, aliás, considero excessivamente baixo, por poder levar a uma excessiva fragmentação parlamentar).
Ora, não estando na agenda política abrir as eleições parlamentares a "grupos de cidadãos", já outro tanto não se pode dizer das diversas modalidades de personalização da eleição dos deputados que fazem parte habitual dos programas eleitorais dos principais partidos há várias décadas e que poderia reforçar o poder político dos cidadãos na escolha do parlamento e, indiretamente, da classe política.
Em todo o caso, a "endogamia do sistema político" é essencialmente produto da cultura política estabelecida e da estabilidade das opções eleitorais, pelo que, ressalvado qualquer imprevisível choque político, ela é relativamente imune a mudanças institucionais.
Uma coisa é o alegado "fechamento" do sistema e a sua suposta blindagem contra o aparecimento de novos atores políticos, outra é a conclusão de que isso leva à seleção dos piores. Basta a lista dos nossos presidentes da República e dos nossos primeiros-ministros, incluindo as suas credenciais e os cargos internacionais que vários deles vieram a exercer depois, para não autorizar tal juízo. A elite governante em Portugal não perde no confronto internacional.
2. Quanto ao referido fechamento - normalmente fundamentado no monopólio eleitoral dos partidos políticos e na falta de voto pessoal nos candidatos -, deve notar-se que entre nós não se exige muito para criar novos partidos e que é relativamente fácil obter representação parlamentar, tendo em conta o limiar virtual no círculo de Lisboa, inferior a 2% (que, aliás, considero excessivamente baixo, por poder levar a uma excessiva fragmentação parlamentar).
Ora, não estando na agenda política abrir as eleições parlamentares a "grupos de cidadãos", já outro tanto não se pode dizer das diversas modalidades de personalização da eleição dos deputados que fazem parte habitual dos programas eleitorais dos principais partidos há várias décadas e que poderia reforçar o poder político dos cidadãos na escolha do parlamento e, indiretamente, da classe política.
Em todo o caso, a "endogamia do sistema político" é essencialmente produto da cultura política estabelecida e da estabilidade das opções eleitorais, pelo que, ressalvado qualquer imprevisível choque político, ela é relativamente imune a mudanças institucionais.
terça-feira, 2 de abril de 2019
+Europa (14): Poupança-reforma europeia
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Vital Moreira
Integrado no plano de criação de uma mercado único de capitais (em paralelo com a criação da união bancária), a União Europeia aprovou a criação de um produto de poupança-reforma ao nível da União, podendo ser subscrito em qualquer Estado-membro.
Além de reforçar a oferta de planos de poupança pessoal para as pensões de aposentação, complementando os instrumentos públicos (segurança social) e os fundos empresariais de pensões, este novo instrumento pode atrair uma significativa fonte de apoio ao crescimento económico, através da aplicação desses fundos na "economia real".
A Comissão Europeia calcula um acréscimo de 700 000 milhões de euros aos fundos de pensões existentes na Europa, no horizonte de 2030, caso o novo produto beneficie dos estímulos fiscais propostos por Bruxelas.
Além de reforçar a oferta de planos de poupança pessoal para as pensões de aposentação, complementando os instrumentos públicos (segurança social) e os fundos empresariais de pensões, este novo instrumento pode atrair uma significativa fonte de apoio ao crescimento económico, através da aplicação desses fundos na "economia real".
A Comissão Europeia calcula um acréscimo de 700 000 milhões de euros aos fundos de pensões existentes na Europa, no horizonte de 2030, caso o novo produto beneficie dos estímulos fiscais propostos por Bruxelas.
segunda-feira, 1 de abril de 2019
Praça da República (16): A iniciativa legislativa popular
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Vital Moreira
1. A Assembleia da República aprovou recentemente uma lei para a manutenção da farmácia do Hospital de Loures, com base numa iniciativa externa de cidadãos interessados, aumentando o número de leis oriundas de iniciativas legislativas dos cidadãos, previstas na Constituição e e reguladas por uma lei de 2003 (revista em 2016).
Independentemente da discussão sobre o mérito político deste caso concreto (que, a meu ver, não é conviencente), ele testemunha a vitalidade da "iniciativa legislativa popular" entre nós.
2. De facto, numa democracia representativa o papel político dos cidadãos não tem de limitar-se às eleições e, ocasionalmente, ao voto nos referendos, quando estes têm lugar. Há também as variadas manifestações da "democracia participativa", pelas quais os cidadãos contribuem para a tomada de decisões das instituições políticas.
Todas elas visam envolver os cidadãos na gestão da "coisa pública" e na definição da agenda política e combater o tendencial "fechamento" do sistema político sobre os seus próprios agentes.
3. Entre elas avulta justamente a iniciativa legislativa dos cidadãos (ILP), pela qual um certo número mínimo de cidadãos (20 000) pode apresentar à AR uma proposta de lei, que o parlamento tem de votar, podendo assim tornar-se lei da República.
Sucede que a lei que regula essa instituição (Lei nº 17/2003, revista em 2016) é um tanto limitativa quanto aos assuntos que podem ser objeto de ILP, proibindo, por exemplo, que ela verse as matérias de reserva absoluta da AR, que abrangem os mais importantes temas legislativos, como, por exemplo, as leis eleitorais. Penso que não há justificação para tal restrição.
Por isso, é de sufragar o projeto do deputado independente, Trigo Pereira, no sentido de alterar a lei, ampliando o âmbito da ILP.
4. É evidente que, frequentemente, tanto a ILP como as demais modalidades de democracia participativa são acionadas por "grupos de interesse" e descambam para a defesa de interesses corporativos ou locais, como sucede a relativa à farmácia do hospital de Loures.
Embora não conheça nenhum estudo sobre a prática da instituição, tenho a impressão que isso sucede a maior parte das vezes. Essa contrariedade não anula, porém, as virtudes da instituição, sendo um modesto preço a pagar. No final, aliás, quem decide soberanamente é a AR, como titular supremo do poder legislativo, rejeitando ou validando a iniciativa externa, com ou sem alterações. A democracia representativa prevalece sempre, como deve ser.
Independentemente da discussão sobre o mérito político deste caso concreto (que, a meu ver, não é conviencente), ele testemunha a vitalidade da "iniciativa legislativa popular" entre nós.
2. De facto, numa democracia representativa o papel político dos cidadãos não tem de limitar-se às eleições e, ocasionalmente, ao voto nos referendos, quando estes têm lugar. Há também as variadas manifestações da "democracia participativa", pelas quais os cidadãos contribuem para a tomada de decisões das instituições políticas.
Todas elas visam envolver os cidadãos na gestão da "coisa pública" e na definição da agenda política e combater o tendencial "fechamento" do sistema político sobre os seus próprios agentes.
3. Entre elas avulta justamente a iniciativa legislativa dos cidadãos (ILP), pela qual um certo número mínimo de cidadãos (20 000) pode apresentar à AR uma proposta de lei, que o parlamento tem de votar, podendo assim tornar-se lei da República.
Sucede que a lei que regula essa instituição (Lei nº 17/2003, revista em 2016) é um tanto limitativa quanto aos assuntos que podem ser objeto de ILP, proibindo, por exemplo, que ela verse as matérias de reserva absoluta da AR, que abrangem os mais importantes temas legislativos, como, por exemplo, as leis eleitorais. Penso que não há justificação para tal restrição.
Por isso, é de sufragar o projeto do deputado independente, Trigo Pereira, no sentido de alterar a lei, ampliando o âmbito da ILP.
4. É evidente que, frequentemente, tanto a ILP como as demais modalidades de democracia participativa são acionadas por "grupos de interesse" e descambam para a defesa de interesses corporativos ou locais, como sucede a relativa à farmácia do hospital de Loures.
Embora não conheça nenhum estudo sobre a prática da instituição, tenho a impressão que isso sucede a maior parte das vezes. Essa contrariedade não anula, porém, as virtudes da instituição, sendo um modesto preço a pagar. No final, aliás, quem decide soberanamente é a AR, como titular supremo do poder legislativo, rejeitando ou validando a iniciativa externa, com ou sem alterações. A democracia representativa prevalece sempre, como deve ser.
Praça da República (15): "Endogamia política" e afins
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Vital Moreira
1. Perante a enorme confusão de situações muito diversas no presente debate sobre a alegada "endogamia do PS" (com situações semelhantes ocorridas no passado em relação a outros partidos de Governo), penso que vale a pena separar os diferentes tipos de nomeações, de acordo com a seu diferente grau de censurabilidade ética e/ou política.
Julgo que se deviam distinguir as situações proibidas, as eticamente censuráveis e, por último, as que devem ser deixadas ao juízo político da opinião pública.
2. Assim, penso que deviam ser consideradas proibidas, por violação do princípio da imparcialidade das escolhas públicas, as nomeações de familiares mais próximos para gabinetes governativos ou para cargos externos, designadamente cônjuges ou equiparados, parentes até ao 3ª grau (tios e sobrinhos) e os afins até ao 2º grau (cunhados, ou seja, irmãos do cônjuge).
Deviam ser consideradas eticamente censuráveis - e por isso afastados, salvo autorização do Primeiro-Ministro mediante justificação bastante - as nomeações de outros parentes ou afins dos próprios membros do Governo, assim como de cônjuges, parentes até ao 3º grau ou afins até ao 2º grau de outros membros do Governo, ou de deputados.
Por decorrerem de atos discricionários de nomeação política, devem ser deixados ao livre julgamento político da opinião pública as relações familiares entre membros do Governo, entre deputados ou entre dirigentes partidários, ou entre uns e outros.
Note-se que em Portugal não é corrente a nomeação dos próprios familiares, pelo que a situação mais problemática é a segunda (nomeação de de familiares de outros membros do Governo).
3. Como é evidente, não é necessário legislar sobre estas diferentes situações, que podem e devem ser deixadas para autorregulação de cada Governo, até porque uns podem ser mais exigentes do que outros.
O que é importante é criar nesta matéria uma cultura política mais exigente do que a que até agora tem prevalecido, castigada, aliás, por uma opinião pública que, por falta de critério e por demagogia dos média, tende a condenar toda e qualquer ligação familiar na vida política, por mais irrelevante que seja, pondo em causa os direitos políticos dos cidadãos.
Adenda
No Brasil, o STF determinou, por interpretação da Constituição, a proibição do nepotismo, nomeadamente as nomeações do tipo das referidas no 1º e 2º parágrafo do nº 2 acima.
Adenda (2) (3 de abril)
O caso da demissão do adjunto de um Secretário de Estado que era seu primo revela a vantagem de haver um prévia orientação deontológica sobre o nepotismo nas nomeações governamentais. Primeiro, para definir antecipadamente o âmbito da incompatibilidade: e se fosse um primo em segundo grau (6º grau de parentesco) ou um primo da mulher do governante(4º grau de afinidade) ou um familiar do respetivo Ministro? Em segundo lugar, se houvesse essa orientação prévia, a sua violação implicaria naturalmente a responsabilidade do próprio membro do Governo em causa.
Adenda (3) (5 de abril)
António Costa tem razão em colocar estas questões sobre o âmbito das incompatibilidades familiares nas nomeações. Mas, não bastando o "bom senso", por demasido subjetivo, para lhes dar resposta, esta só pode vir por duas vias: (i) por via de lei, tornando-as ilícitas em geral e/ou (ii) por via de norma deontológica adotada por cada órgão político relevante, nomedamente os governos (nacional, regionais, locais). O problema é que entre nós não se pratica nenhuma dessas respostas, sendo que a segunda nem sequer depende de terceiros...
Julgo que se deviam distinguir as situações proibidas, as eticamente censuráveis e, por último, as que devem ser deixadas ao juízo político da opinião pública.
2. Assim, penso que deviam ser consideradas proibidas, por violação do princípio da imparcialidade das escolhas públicas, as nomeações de familiares mais próximos para gabinetes governativos ou para cargos externos, designadamente cônjuges ou equiparados, parentes até ao 3ª grau (tios e sobrinhos) e os afins até ao 2º grau (cunhados, ou seja, irmãos do cônjuge).
Deviam ser consideradas eticamente censuráveis - e por isso afastados, salvo autorização do Primeiro-Ministro mediante justificação bastante - as nomeações de outros parentes ou afins dos próprios membros do Governo, assim como de cônjuges, parentes até ao 3º grau ou afins até ao 2º grau de outros membros do Governo, ou de deputados.
Por decorrerem de atos discricionários de nomeação política, devem ser deixados ao livre julgamento político da opinião pública as relações familiares entre membros do Governo, entre deputados ou entre dirigentes partidários, ou entre uns e outros.
Note-se que em Portugal não é corrente a nomeação dos próprios familiares, pelo que a situação mais problemática é a segunda (nomeação de de familiares de outros membros do Governo).
3. Como é evidente, não é necessário legislar sobre estas diferentes situações, que podem e devem ser deixadas para autorregulação de cada Governo, até porque uns podem ser mais exigentes do que outros.
O que é importante é criar nesta matéria uma cultura política mais exigente do que a que até agora tem prevalecido, castigada, aliás, por uma opinião pública que, por falta de critério e por demagogia dos média, tende a condenar toda e qualquer ligação familiar na vida política, por mais irrelevante que seja, pondo em causa os direitos políticos dos cidadãos.
Adenda
No Brasil, o STF determinou, por interpretação da Constituição, a proibição do nepotismo, nomeadamente as nomeações do tipo das referidas no 1º e 2º parágrafo do nº 2 acima.
Adenda (2) (3 de abril)
O caso da demissão do adjunto de um Secretário de Estado que era seu primo revela a vantagem de haver um prévia orientação deontológica sobre o nepotismo nas nomeações governamentais. Primeiro, para definir antecipadamente o âmbito da incompatibilidade: e se fosse um primo em segundo grau (6º grau de parentesco) ou um primo da mulher do governante(4º grau de afinidade) ou um familiar do respetivo Ministro? Em segundo lugar, se houvesse essa orientação prévia, a sua violação implicaria naturalmente a responsabilidade do próprio membro do Governo em causa.
Adenda (3) (5 de abril)
António Costa tem razão em colocar estas questões sobre o âmbito das incompatibilidades familiares nas nomeações. Mas, não bastando o "bom senso", por demasido subjetivo, para lhes dar resposta, esta só pode vir por duas vias: (i) por via de lei, tornando-as ilícitas em geral e/ou (ii) por via de norma deontológica adotada por cada órgão político relevante, nomedamente os governos (nacional, regionais, locais). O problema é que entre nós não se pratica nenhuma dessas respostas, sendo que a segunda nem sequer depende de terceiros...
domingo, 31 de março de 2019
Aplauso (9): Entrevista do PR
Publicado por
Vital Moreira
1. Tendo criticado o PR diversas vezes quando ao exercício das suas funções presidenciais, apraz-me manifestar o meu aplauso à sua entrevista de hoje no Público, centrada sobre o estado e os problemas que enfrenta a União Europeia (desde o Brexit às relações com a China), que revela profundidade, inteligência e equilíbrio.
Nunca é demais sublinhar, como insistiu o Presidente, que a União não é somente um mercado integrado, mas também um projeto político assente num conjunto bem identificado de valores: paz, liberdade, bem-estar e coesão económica, social e territorial.
2. Muito bem equacionadas estão, igualmente, as razões por que, tendo passado pela amarga experiência da recessão económica e da assistência financeira externa entre 2011 e 2014, Portugal conseguiu sair dela sem uma profunda clivagem política ou social e também sem um surto de populismo e sem arruinar o seu sistema partidário tradicional, ao contrário de vários outros países da União, que nem sequer passaram por provação semelhante.
Por isso, acrescento eu, em Portugal as próximas eleições europeias, sem prejuízo das previsíveis alterações, não vão testemunhar nenhuma mudança dramática em relação às de 2014, nomeadamente no que se refere à representação de forças antieuropeístas. É bom verificar esta estabilidade nacional em relação à União.
Nunca é demais sublinhar, como insistiu o Presidente, que a União não é somente um mercado integrado, mas também um projeto político assente num conjunto bem identificado de valores: paz, liberdade, bem-estar e coesão económica, social e territorial.
2. Muito bem equacionadas estão, igualmente, as razões por que, tendo passado pela amarga experiência da recessão económica e da assistência financeira externa entre 2011 e 2014, Portugal conseguiu sair dela sem uma profunda clivagem política ou social e também sem um surto de populismo e sem arruinar o seu sistema partidário tradicional, ao contrário de vários outros países da União, que nem sequer passaram por provação semelhante.
Por isso, acrescento eu, em Portugal as próximas eleições europeias, sem prejuízo das previsíveis alterações, não vão testemunhar nenhuma mudança dramática em relação às de 2014, nomeadamente no que se refere à representação de forças antieuropeístas. É bom verificar esta estabilidade nacional em relação à União.
Não vale tudo (4): Fake news
Publicado por
Vital Moreira
1. Num conhecido programa de debate da TV (Quadratura da Círculo) desta semana, um dos comentadores (Lobo Xavier) afirma assertivamente que a mulher de Pedro Marques, ex-ministro e atual cabeça do PS às eleições europeias, também foi nomeada para um gabinete ministerial. FALSO!
Há poucos dias, o diário espanhol El País, numa crónica de Lisboa, informa que a Ministra Ana Paula Vitorino é filha do antigo Ministro e atual diretor da Organização Mundial dos Migrações, António Vitorino. FALSO.
Ontem, numa reportagem da SIC, alguém afirma, sem contradita, que Pedro Marques e M. M. Leitão Marques, os dois primeiros candidatos do PS às eleições europeias, são familiares um do outro. FALSO.
São demasiadas situações concentradas no tempo para não ver por detrás disto uma central de fake news a alimentar este caudal de acusações sobre a alegada "endogamia política" no PS, com base em simples coincidências patronímicas.
2. O que é surpreendente é que personalidades com as responsabilidades públicas de Lobo Xavier e órgãos de informação de referência como a SIC ou o EL Pais caiam nesta tentação de veicular tais falsidades, abusando da credulidade do público, sem um mínimo de verificação, que logo as revelaria falsas, tanto mais que algumas seriam mesmo impossíveis. Por exemplo, à data do nascimento de A. P. Vitorino, o fictício "pai" António Vitorino teria 5 anos!
É certo que há sempre o direito ao desmentido dos visados e à correção dos média (como fez a SIC, em relação à notícia de ontem, com pedido de desculpa aos visados). Mas nem os desmentidos nem as correções apagam o mal feito, por não cobrirem o mesmo auditório.
3. Este padrão de manipulação da informação é tanto mais preocupante quanto é certo que, segundo um inquérito da Comissão Europeia, os portugueses contam-se entre os menos preocupados com as fake news nestas eleições europeias.
Penso, por isso, que está na altura de a ERC, como autoridade de supervisão dos média, e a CNE, como autoridade de supervisão dos processos eleitorais, virem a público alertar contra campanhas sujas como esta.
Adenda
Um leitor pergunta se também é falso que eu seja marido da ex-ministra e atual candidata nas eleições europeias, Maria Manuel Leitão Marques. Sendo isso público (há mais de três décadas), também é público que nenhum de nós é membro do PS, pelo que não podemos ser arrolados como prova da questionada endogamia política socialista. Pelo contrário, somos prova da sua exogamia política...
Adenda (2) (2 de abril)
A acrescentar aos dislates irresponsáveis dos média nesta novela do parentesco na política, há a acrescentar a TVI, que ontem noticiava que a nova juíza do Tribunal Constitucional, uma reputada especialista em direito constitucional, é filha do "antigo deputado", Gomes Canotilho. Ora, o Professor Canotilho, conhecidíssimo professor de Direito Constitucional em Coimbra, nunca foi deputado. Bastava ir à Wikipédia, caramba! Decididamente, os média estão a dar muito má conta de si neste folhetim.
Há poucos dias, o diário espanhol El País, numa crónica de Lisboa, informa que a Ministra Ana Paula Vitorino é filha do antigo Ministro e atual diretor da Organização Mundial dos Migrações, António Vitorino. FALSO.
Ontem, numa reportagem da SIC, alguém afirma, sem contradita, que Pedro Marques e M. M. Leitão Marques, os dois primeiros candidatos do PS às eleições europeias, são familiares um do outro. FALSO.
São demasiadas situações concentradas no tempo para não ver por detrás disto uma central de fake news a alimentar este caudal de acusações sobre a alegada "endogamia política" no PS, com base em simples coincidências patronímicas.
2. O que é surpreendente é que personalidades com as responsabilidades públicas de Lobo Xavier e órgãos de informação de referência como a SIC ou o EL Pais caiam nesta tentação de veicular tais falsidades, abusando da credulidade do público, sem um mínimo de verificação, que logo as revelaria falsas, tanto mais que algumas seriam mesmo impossíveis. Por exemplo, à data do nascimento de A. P. Vitorino, o fictício "pai" António Vitorino teria 5 anos!
É certo que há sempre o direito ao desmentido dos visados e à correção dos média (como fez a SIC, em relação à notícia de ontem, com pedido de desculpa aos visados). Mas nem os desmentidos nem as correções apagam o mal feito, por não cobrirem o mesmo auditório.
3. Este padrão de manipulação da informação é tanto mais preocupante quanto é certo que, segundo um inquérito da Comissão Europeia, os portugueses contam-se entre os menos preocupados com as fake news nestas eleições europeias.
Penso, por isso, que está na altura de a ERC, como autoridade de supervisão dos média, e a CNE, como autoridade de supervisão dos processos eleitorais, virem a público alertar contra campanhas sujas como esta.
Adenda
Um leitor pergunta se também é falso que eu seja marido da ex-ministra e atual candidata nas eleições europeias, Maria Manuel Leitão Marques. Sendo isso público (há mais de três décadas), também é público que nenhum de nós é membro do PS, pelo que não podemos ser arrolados como prova da questionada endogamia política socialista. Pelo contrário, somos prova da sua exogamia política...
Adenda (2) (2 de abril)
A acrescentar aos dislates irresponsáveis dos média nesta novela do parentesco na política, há a acrescentar a TVI, que ontem noticiava que a nova juíza do Tribunal Constitucional, uma reputada especialista em direito constitucional, é filha do "antigo deputado", Gomes Canotilho. Ora, o Professor Canotilho, conhecidíssimo professor de Direito Constitucional em Coimbra, nunca foi deputado. Bastava ir à Wikipédia, caramba! Decididamente, os média estão a dar muito má conta de si neste folhetim.
sábado, 30 de março de 2019
Não concordo (9): Imunidade penal da difamação jornalística?
Publicado por
Vital Moreira
[Fonte: aqui]
1. O preceito do art. 183º do Código Penal, que manda punir com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias o crime de difamação cometido por meio da comunicação social, acaba de ser julgado incompatível com a CEDH pelo TEDH, no que se refere à punição com pena de prisão. Assim decorre de uma recente decisão do Tribunal, que considerou desproporcionada, e por isso lesiva da liberdade de imprensa, uma decisão judicial italiana que condenou a prisão um jornalista que acusara falsamente de aborto forçado várias pessoas (incluindo pais, ginecologista e um juiz de família), acrescentando que todos deveriam ser punidos com a pena de morte pelo alegado crime. Além da difamação, estava em causa também a invasão da privacidade da mulher em questão.
O Estado italiano acabou condenado a indemnizar o jornalista por causa da tal condenação judicial!
2. Discordo mais uma vez do TEDH, quando opta por uma proteção fundamentalista dos jornalistas, quando não está a defesa da liberdade de imprensa contra o poder político (em que a proteção deve ser máxima), mas sim em casos de difamação contra terceiros.
Tradicionalmente, o Tribunal tinha firmado jurisprudência no sentido de uma tendencial imunidade jornalística pela alegada difamação de políticos ou outras personalidades públicas. Nesta decisão, aliás com precedentes, vai mais longe, decretando que tais crimes não podem dar lugar a pena de prisão, mesmo que os difamados sejam pessoas comuns, falsamente acusadas de um crime infamante (um aborto forçado).
Isto quer dizer que, se o mesmo crime for cometido à volta da mesa de um café, pode ser punido com pena de prisão, mas que, se for cometido através da imprensa, portanto com muito maior impacto e mais intensa lesão da honra dos lesados, só pode ser punido com pena de multa. Não faz sentido este privilégio!
3. A liberdade de imprensa protege tanto a liberdade de opinião como a liberdade de informação, mas esta não inclui a liberdade de divulgar, salvo de boa fé, factos falsos lesivos da honra de terceiros. Além disso, como todas as liberdades, a liberdade de imprensa, mesmo quando protegida, pode ter de ser objeto de compressão quando conflitue com outros direitos ou liberdades fundamentais de terceiros.
A radical proteção da liberdade de imprensa traduz-se na óbvia desproteção das vítimas do seu abuso.
sexta-feira, 29 de março de 2019
Concordo (6): A propósito de "endogamia política"
Publicado por
Vital Moreira
Não posso concordar mais com esta afirmação de António Costa, de que "as pessoas não pensam [politicamente] da mesma maneira por serem marido e mulher". Nem são precisas evidências pessoais!
O mesmo, de resto, se pode dizer, aliás por maioria de razão, da relação política entre pais e filhos...
Adenda
A escolha dos ministros e outros membros do Governo é um poder exclusivo do Primeiro-Ministro (ressalvado algum excecional veto informal do PR). Excluídos obviamente os seus próprios familiares, o PM não está impedido de nomear membros do Governo que sejam familiares uns dos outros, o que não é ilícito, nem sequer censurável em termos de ética política (por isso, não incluí estas situações no meu anterior post sobre esse tema). Politicamente, porém, é de admitir que, para além dos eventuais problemas de gestão interna do Governo que isso possa acarretar (problema do PM...), a repetição de situações destas possa não cair bem na opinião pública, em geral avessa à acumulação de familiares nos mesmos órgãos do poder político...
O mesmo, de resto, se pode dizer, aliás por maioria de razão, da relação política entre pais e filhos...
Adenda
A escolha dos ministros e outros membros do Governo é um poder exclusivo do Primeiro-Ministro (ressalvado algum excecional veto informal do PR). Excluídos obviamente os seus próprios familiares, o PM não está impedido de nomear membros do Governo que sejam familiares uns dos outros, o que não é ilícito, nem sequer censurável em termos de ética política (por isso, não incluí estas situações no meu anterior post sobre esse tema). Politicamente, porém, é de admitir que, para além dos eventuais problemas de gestão interna do Governo que isso possa acarretar (problema do PM...), a repetição de situações destas possa não cair bem na opinião pública, em geral avessa à acumulação de familiares nos mesmos órgãos do poder político...
Dinheiro Vivo (7): Sim a impostos próprios da UE
Publicado por
Vital Moreira
Aqui está o cabeçalho do meu artigo da semana passada no Dinheiro Vivo - o suplemento de economia do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias -, onde defendo a criação de impostos próprios da União, de modo a permitir aumentar os seus recursos orçamentais, reduzindo ao mesmo tempo as atuais contribuições orçamentais dos Estados-membros.
Para mim, a questão é simples: assumindo que a União só pode fazer mais com mais dinheiro, entre permitir-lhe tributar rendimentos que hoje fogem à tributação nacional, como por exemplo os lucros das empresas digitais globais, ou fazer os contribuintes nacionais pagar mais para a União, não tenho dúvidas em optar pela primeira solução.
SNS, 40 anos (16): À conta do SNS
Publicado por
Vital Moreira
1. Mais uma vez, o concurso para médicos recém-especialistas do SNS não conseguiu preencher todas as vagas existentes (cerca de 10% de défice), sobretudo fora dos grandes centros urbanos. Apesar dos incentivos entretanto criados, a alternativa privada prevaleceu nesses casos, tanto mais que muitos já acumulavam nos dois lados enquanto internos no SNS (como a lei indevidamente admite).
É a lei da oferta e da procura: quando a primeira fica aquém da segunda, fica por satisfazer a procura menos atrativa, neste caso as vagas dos hospitais públicos, apesar de os médicos deverem a sua formação ao SNS.
2. Penso há muito que, para além de uma possível agilização da formação e dos concursos, faz sentido equacionar duas soluções para responder à situação descrita: (i) primeiro, transferir para o setor privado o encargo de formação dos seus próprios especialistas, obviamente sob escrutinio do Estado, aliviando o SNS dessa responsabilidade e dos seus custos; (ii) estabelecer uma obrigação de os médicos formados em hospitais públicos permanecerem no SNS durante um certo tempo e concorrerem às vagas abertas para o efeito.
Não se justifica que o SNS assuma o encargo da formação dos médicos especialistas, para os ver logo após passarem-se de armas e bagagens para o setor privado, sem nenhuma compensação ao setor público. Também neste aspeto o setor privado não deve poder continuar a viver à conta do SNS.
Adenda
Contribuição de um leitor: «(...) O mesmo ocorreu [pouco antes], aliás em pior escala (30% de vagas por preencher), com o concurso para médicos de clínica geral».
É a lei da oferta e da procura: quando a primeira fica aquém da segunda, fica por satisfazer a procura menos atrativa, neste caso as vagas dos hospitais públicos, apesar de os médicos deverem a sua formação ao SNS.
2. Penso há muito que, para além de uma possível agilização da formação e dos concursos, faz sentido equacionar duas soluções para responder à situação descrita: (i) primeiro, transferir para o setor privado o encargo de formação dos seus próprios especialistas, obviamente sob escrutinio do Estado, aliviando o SNS dessa responsabilidade e dos seus custos; (ii) estabelecer uma obrigação de os médicos formados em hospitais públicos permanecerem no SNS durante um certo tempo e concorrerem às vagas abertas para o efeito.
Não se justifica que o SNS assuma o encargo da formação dos médicos especialistas, para os ver logo após passarem-se de armas e bagagens para o setor privado, sem nenhuma compensação ao setor público. Também neste aspeto o setor privado não deve poder continuar a viver à conta do SNS.
Adenda
Contribuição de um leitor: «(...) O mesmo ocorreu [pouco antes], aliás em pior escala (30% de vagas por preencher), com o concurso para médicos de clínica geral».
quinta-feira, 28 de março de 2019
Terra brasilis (4): Elogio oficial da ditadura
Publicado por
Vital Moreira
Dando curso à revisão da história recente do Brasil de acordo com a sua visão reacionária, o Presidente Bolsonaro decidiu ordenar às Forças Armadas a comemoração da data do golpe militar de 1964 que instalou a ditadura dos generais no Brasil por mais de duas décadas, incluindo não somente a supressão das liberdades públicas e da democracia, mas também a cassação de direitos, o exílio e a repressão violenta dos opositores, incluindo inúmeros casos de tortura e de assassínio.
Recusando mesmo reconhecer que se tratou de um golpe e de uma ditadura, o negacionismo de Bolsonaro fundamenta a relegitimação oficial desse período negro da história do Brasil, mais de três décadas depois da restauração da democracia e da Constituição de 1988.
Em Washington, Trump já deve ter saudado a iniciativa do seu devotado admirador e correligionário do Sul, recordando porventura a bênção e o apoio que outrora os Estados Unidos concederam às ditaduras militares latino-americanas, incluindo a brasileira, contra o alegado "perigo comunista".
Recusando mesmo reconhecer que se tratou de um golpe e de uma ditadura, o negacionismo de Bolsonaro fundamenta a relegitimação oficial desse período negro da história do Brasil, mais de três décadas depois da restauração da democracia e da Constituição de 1988.
Em Washington, Trump já deve ter saudado a iniciativa do seu devotado admirador e correligionário do Sul, recordando porventura a bênção e o apoio que outrora os Estados Unidos concederam às ditaduras militares latino-americanas, incluindo a brasileira, contra o alegado "perigo comunista".
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