Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
"Contra as eleições"
Publicado por
Vital Moreira
1. Antes do livro "Contra a Democracia", anteriormente referido aqui no Causa Nossa, também já havia o livro "Contra as Eleições", publicado no ano passado e recentemente analisado no Observador.
Embora se afirme a favor da democracia, o livro representa uma tese claramente contra a democracia eleitoral, propondo a substituição, pelo menos parcial, das eleições pela seleção à sorte dos titulares de cargos públicos, invocando o exemplo da antiga democracia ateniense (Conselho dos 200) e de algumas repúblicas italianas na época do Renascimento.
Todavia, a tese contra a democracia eleitoral não deixa de ser tão estapafúrdia como a tese da "democracia elitista" antes referida.
2. Podendo servir para escolher os membros do júris nos tribunais, o sorteio não serve seguramente para selecionar os representantes políticos numa democracia representativa. Por três razões:
- primeiro, o sorteio "despolitizaria" a democracia, ao não permitir escolher os representantes em função das suas capacidades pessoais e das sua ideias políticas, que é a chave da competição política em democracia;
- segundo, o sorteio eliminaria a responsabilidade dos próprios cidadãos na escolha dos seus representantes, substituindo-a pelo acaso, assim quebrando qualquer relação de accountability destes em relação àqueles;
- por último, o sorteio retiraria a necessária legitimidade e autoridade política aos representantes para governarem em nome da coletividade, que só a eleição confere.
3. Sendo embora mais uma tese falhada contra a democracia tradicional, o facto de se multiplicarem os livros a pôr em causa a democracia representativa na base do sufrágio universal e das eleições revela bem os equívocos doutrinários na resposta às perversões da democracia e aos perigos antidemocráticos do populismo e da demagogia nacionalista.
É caso para dizer "pior a cura do que a doença". Há de haver outros remédios para os perigos que corre a democracia do que... sacrificar a própria democracia.