«A suposta reportagem da SIC, entre outros atropelos éticos que não vêm agora ao caso e que não têm que ver com o segredo de justiça, rebaixa-se ao hediondo de substituir o preceito deontológico de “ouvir todas as partes com interesses atendíveis na matéria” pelos filmes em que os arguidos respondiam ao interrogatório policial. Ou seja, para simular que respeitava aquele dever deontológico, a SIC “foi ouvir” os acusados defenderem-se das acusações por ela lidas e ilustradas a partir do texto da acusação através... do próprio interrogatório a que foram submetidos! Não me recordo de ter assistido, em democracia, a tão repugnante entrega do papel do jornalista a procuradores e juízes. Total confusão de papéis, completa mistura de planos e violação declarada dos deveres para com os acusados e para com o público. Não estou a falar de lei, estou a falar de deontologia jornalística. (...)
Mas não há importância ou singularidade de um processo judicial que suspenda todos os direitos dos investigados, confira exceção absoluta de procedimentos legais, substitua os tribunais pelo julgamento popular, dispense a prova por existir convicção. Estes são os fundamentos do populismo que, como é sabido e é tristemente patente nesta Europa a que nos deixámos chegar, opera sempre do mesmo modo: escolhe e denuncia impasses políticos verdadeiros e problemas sociais reais; explica-os através de origens deturpadas e razões falsas; e propõe-se resolvê-los através de medidas radicais, excecionais e antidemocráticas.»
(Jorge Wemans, «A insustentável leveza dos filmes do senhor procurador», no
Público de hoje).